Nasce a União das Nações Sul-americanas

17/04/2007
  • Español
  • English
  • Français
  • Deutsch
  • Português
  • Opinión
-A +A

O governo da Venezuela segue protagonizando um dos momentos mais ricos da América Latina, que é o da tentativa de integração dos países latino-americanos, tal qual sonhou Simón Bolívar na metade do século XIX. Desde o histórico Congresso Anfictiônico do Panamá, em 1826, no qual Bolívar explicitou sua idéia de união das nações desta parte do continente, ninguém mais tinha conseguido propor um projeto de tal envergadura. Na senda do “libertador”, Hugo Chávez tem sido incansável na discussão de uma integração verdadeiramente solidária e cooperativa entre os povos, para além dos limites comerciais. Assim é a Alternativa Bolivariana para as Américas, a ALBA, que deu mais um passo na última semana, na Primera Cumbre Energética Suramericana, acontecida em Isla Margarita , Venezuela.

Juntando 12 países do sul da América, mesmo os não afinados politicamente, o presidente venezuelano abriu um debate sobre a crise energética que tantas guerras tem provocado no mundo, incluindo aí o golpe de estado acontecido no seu país em 2002, e lançou o desafio de, na diferença, os países sul-americanos procurarem um processo de união que os proteja entre si e que consiga alavancar um desenvolvimento não-predador. Ao final da jornada, mais uma vitória: os países acordaram a criação da UNASUR, União das Nações Sul-americanas, fecharam tratados energéticos e reafirmaram o desejo de unificação. “Fizemos três gols e o jogo terminou em União 3 x 0 Desunião”, brincou Chávez.

Os dados da energia

Durante a Cumbre, Chávez mostrou aos presidentes das 12 nações presentes as informações sobre os documentos de alerta a respeito da destruição do planeta, por conta do aquecimento global. “ Em Porto Rico desapareceram as rãs, abelhas sumiram dos EUA, os ursos polares estão abandonando os pólos. A vida está se esvaindo”. Lembrou ainda que 54% das viagens de carro levam as pessoas para distâncias de menos de cinco milhas e 70% delas carregam apenas uma pessoa. “A arquitetura moderna eliminou os espaços abertos que usavam a luz do sol para iluminar, e trocou por espaços fechados com ar condicionado. Com isso, está-se cozinhando a fogo lento uma crise energética que tem sido a causa de inúmeras tensões geopolíticas”.

Não bastasse todo o risco já anunciado, os estudos prevêem que as economias de países ricos ou em ascensão crescerão muito nos próximos 20 anos. A China projeta crescer 8%, os EUA, 4%, o Japão 8%, a Europa, 4% e a América Latina 5%. “Isso requer energia, petróleo, carvão e gás. Fala-se em uma demanda de 300 milhões de barris de petróleo ao dia. Os estudos falam de um aumento de 22% no consumo mundial do petróleo e 62% no consumo de gás. A América Latina deverá aumentar sua demanda de petróleo em 47% e a do gás em 127%. Diante disso, o que faremos? Que recursos temos, juntos?”

Segundo os estudos apresentados pelo presidente Chávez existem no mundo reservas de 1,47 bilhão de barris de petróleo, sendo que 54% estão no Oriente Médio, 25% na América do Sul e apenas 4% nos Estados Unidos, daí todas estas tensões geopolíticas e guerras pelo petróleo. Do que existe na América do Sul, 97% estão na Venezuela. A franja petrolífera do planeta está na região que engloba Venezuela, África e Oriente e nesta faixa estão 90% das reservas de petróleo do mundo. E é aí que estão as guerras. A razão disso tudo está nos locais de consumo. Europa e Estados Unidos, que quase nada têm de reservas (15% no total), consomem 62% do petróleo. Já a América Latina que tem 25% das reservas consome apenas 15%.

A matriz energética

Os países da América do Sul representados no encontro têm, juntos, cinco milhões de quilômetros quadrados, 400 milhões de habitantes e reservas importantes de água, minerais e gás. Têm ainda um milhão e 150 mil quilômetros quadrados de área cultivada, as mais férteis do planeta, com rendimento de 5.800 quilos por hectare. A Guiana não tem petróleo, nem gás. O Suriname tem pequena reserva de petróleo. O Brasil tem 11 bilhões de barris de reserva. O Paraguai não tem reservas, assim como o Uruguai. A Argentina tem dois bilhões de reserva de petróleo e cinco trilhões de gás. A Venezuela tem 315 bilhões de reserva em petróleo e 330 trilhões de metros cúbicos de gás. E é justamente porque tem as maiores reservas que a Venezuela quer discutir a matriz energética da América do Sul, buscando criar equidade e cooperação. “Agora nós somos livres das transnacionais. Éramos presos desde 1905, quando apareceu aqui o petróleo. Ao longo deste tempo, todos os que tentaram manejar com liberdade o petróleo foram derrotados. Eu, inclusive, há cinco anos sofri o golpe, mas voltei e recuperei a soberania. Estávamos amarrados por convênios com as empresas. Agora não mais. Não negamos recursos aos países de outras partes do globo, mas queremos dar prioridade aos vizinhos, porque, juntos, vamos ser uma grande força”.

Chávez mostrou aos presidentes como se configura a matriz energética da América do Sul, com dados de 2004. Segundo os estudos, 44% do consumo é de petróleo cru, 33% de hidrelétrica, 17% de gás, 4% de carvão, e 1% de energia nucelar, com igual índice para as outras alternativas energéticas. Com esses dados fica claro que a matriz de consumo é de 60% de combustível fóssil. Também alertou para as assimetrias de consumo entre os países: A Bolívia tem nove milhões de habitantes e consome menos do que o Uruguai, por exemplo. “Queremos resolver essas assimetrias e independentemente de ideologias vamos trabalhar para não haver crise energética. Somaremos as reservas de todos nós e faremos um plano. Além disso, vamos desenvolvendo energias alternativas, como a nuclear, que o Brasil desenvolve, assim como a Argentina”. Chávez ainda deixou claro que não é contra os bio-combustíveis, dizendo que a Venezuela inclusive vai importar etanol do Brasil. Considera que é uma estratégia válida, mas frisou que isso não pode afetar os alimentos. “Não podemos tirar o milho ou qualquer outro alimento das gentes, para alimentar automóveis”.

O tratado energético

E foi com base em todas essas informações que os países presentes à Cumbre assinaram um tratado energético, consubstanciado na UNASUR, uma instituição de organização e articulação que terá um secretário executivo e grupos de trabalho. “Faremos um tratado de longo prazo, que tenha quatro linhas: petróleo, gás, energias alternativas e poupança energética. Aqui na Venezuela já iniciamos esse trabalho de poupança, embasados num projeto de Fidel. Já trocamos 52 milhões de lâmpadas por outras que consomem menos. Com isso reduzimos o que poderia ser uma hidrelétrica de energia”.

A aliança fechada em Isla Margarita também vai dar nascimento aos CIGAS - Centros Industriais de Gás - em países como a Bolívia, Brasil, Colômbia e outros. Esses centros pensarão formas de levar o gás para toda a gente, com menos custo. “Haveria duas formas de levar o gás, uma por plantas de re-gasificação - umas já existem outras construiríamos- e a outra por gasodutos. Agora estamos discutindo o gasoduto Trans-oceânico que chegará até o Panamá, e o do Sul, que irá até Manaus e depois até nordeste. E um terceiro, chamado de Trans-andino. Muita gente fala do tamanho dos gasodutos, mas é bom lembrar que na Europa o gasoduto é três vezes maior que os nossos”.

Outra proposta que ficou acertada na reunião foi a da exploração do petróleo na planície do Orinoco, na Venezuela. Esta região tem 55 quilômetros de extensão e, dentro dela, o governo venezuelano reservou um bloco para os países da América do Sul. Neles estão reservas de 10 bilhões de barris e elas estão á disposição de todos os vizinhos. “Vocês podem vir e perfurar. Além disso, vamos propor às empresas de outros países (Rússia, China, Vietnã, Irã, Espanha, EUA) que vierem explorar petróleo aqui, que parte dos bônus que pagam pela exploração seja revertida para a criação de um fundo a ser usado por nós, os da América do Sul. Com esse fundo vamos criar novas refinarias, produzir o etanol e pesquisar energias alternativas”. O presidente venezuelano tem noção de que é preciso diminuir o consumo de combustíveis fósseis, mas, enquanto não houver uma alternativa realmente massiva de consumo, é preciso que os países desta parte do mundo fiquem juntos e se amparem, para que a energia nunca falte.

Ao final da reunião, com os acordos assinados, ribombou a voz de Bolívar e a lembrança de seu discurso no longínquo 1826: “Nada interessa tanto como a formação de uma liga verdadeiramente americana. Mas essa confederação não deve ser só uma união para o ataque ou a defesa... É necessário que seja uma sociedade de nações irmãs, unidas, fortes e poderosas para sustentarem-se contra as agressões do poder estrangeiro”. Que viva a Unasur!

- Elaine Tavares – jornalista no Ola/UFSC. O OLA é um projeto de observação e análise das lutas populares na América Latina.


http://www.ola.cse.ufsc.br

 

https://www.alainet.org/pt/active/17068
Subscrever America Latina en Movimiento - RSS