Um aposentado incomoda muita gente...

12/04/2007
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As notícias sobre os velhos no Brasil são muito otimistas. Cada vez mais cresce a população de pessoas idosas e isso é saudado como uma melhoria na qualidade de vida. As pessoas hoje vivem mais e, a considerar as reportagens da mídia comercial, isso é muito bom. Seria certo se todos os velhos do Brasil pertencessem aos 2% da população que fazem parte da chamada elite. Pois isso significaria que eles teriam acesso à saúde, ao lazer, à cultura e a vida feliz. Mas essa cena não se sustenta se olharmos a maioria do povo. Os velhos do Brasil ou mofam nos asilos mal havidos, ou se arrastam pelas veredas do país em busca de trabalho, já que a aposentadoria não representa a hora de parar e curtir a vida. Nenhum deles passeia em Miami.

Além disso, têm de enfrentar o preconceito e a difamação. Não é de hoje que os veículos de comunicação divulgam, amiúde, serem os velhos os grandes culpados do chamado “rombo” da previdência. Foi por conta disso que o governo de Fernando Henrique Cardoso iniciou uma reforma na Previdência, que está sendo aprofundada no governo Lula. Os argumentos para a tal reforma eram de que havia velhos – aposentados - demais. A solução encontrada foi acabar com a aposentadoria por tempo de serviço. Claro, no Brasil, boa parte das gentes pobres começa a trabalha aos oito, nove anos de idade. Assim, aos 45 anos já estão em idade de se aposentar. Ora - diziam os especialistas e os jornalistas cortesãos - 45 anos é muito pouco. O cara está jovem. Precisa trabalhar mais. Ninguém estava disposto a observar que uma pessoa que começa a cortar cana aos sete anos, quando chega aos 40 está destruída. E assim veio a reforma, pela mão do sindicalista Luis Inácio Lula da Silva. Agora, para se aposentar, só depois do 60 anos. Tempo de serviço não conta. E mais, para garantir um soldo decente o aposentado precisa entrar num fundo de pensão, espaço dos tubarões, com a lógica do risco. Além disso, os trabalhadores aposentados passaram a contribuir com 11% sobre o excedente do teto. Assim, encerra-se também a idéia de solidariedade geracional.

O serviço público como vilão

O primeiro ataque foi ao servidor público. Nas justificativas governamentais o argumento é sublime. Veja o que diz no sítio do Ministério da Previdência: “se for considerado que 70% dos atuais servidores federais civis têm idade superior a 40 anos, ou seja, estão a menos de 10 anos de se aposentar, torna-se urgente, do ponto de vista da política de recursos humanos, aumentar a idade mínima para aposentadoria. O objetivo é evitar que, em um curto espaço de tempo, um enorme grupo de servidores tenha que ser substituído, prejudicando o bom funcionamento da máquina pública”. Ou seja, afanam-se direitos em nome da melhoria do serviço. Se assim fosse, até daria para se pensar no assunto. Só que não é assim.

Boa parte da categoria servidor público está com sua vida em suspenso desde o primeiro mandato de FHC. Teve a lei que rege seu regime de trabalho picotada, destruída, retalhada, e recebeu nos últimos 12 anos pouco mais de 3% de reajuste. É certo que algumas carreiras consideradas “estratégicas” tiveram reposições e reajustes bem generosos, mas os trabalhadores da saúde, da educação e da agricultura, para dar alguns exemplos, amargam um arrojo sem tamanho. Alguns, aqui ou ali, conseguem - via greve - negociar isoladamente certos ganhos, mas, no geral, a situação é de muito desestímulo. As condições de trabalho também estão depauperadas e tudo isso só piora os serviços. Desânimo, desesperança, doenças crônicas de trabalho, depressão, assédio moral, são alguns do males que se abatem sobre os trabalhadores do serviço público. Fora isso, ainda têm a ameaça de não garantirem uma velhice digna. Porque, ou vão para os fundos de pensão, ou têm seus salários reduzidos em até 30% no ato da aposentadoria. Poucos são os que conseguem dormir com um barulho destes. E isso acaba repercutindo na qualidade dos serviços.

No caso da aposentadoria, foram os trabalhadores públicos que tiveram as maiores perdas. Não há mais aposentadoria especial para quem desempenhava funções perigosas ou insalubres. Se o trabalhador desenvolver uma doença de trabalho pode até aposentar, mas não terá salário integral. A solução encontrada pelo governo para “capitalizar” os velhos é também sublime: liberou os empréstimos bancários. Assim, azeita a roda do capital. Os trabalhadores aposentados, com salários diminuídos e achatados, entram em pânico, pegam empréstimos nos bancos e seguem até o fim da vida equilibrando-se entre um banco e outro, quando não perdem tudo para eles. Quem sai ganhando são as instituições financeiras. Um plano perfeito! Mas não para o trabalhador.

A pá de cal nas universidades

Entre o grupo de trabalhadores públicos depauperados, os das universidades federais são os que seguem acumulando perdas. No ano de 2004, com a aceitação da maior parte da categoria, foi aprovada uma reestruturação na carreira dos trabalhadores técnico-administrativos das instituições federais de ensino superior. Todos foram re-enquadrados em uma nova tabela. E, mais uma vez, aqueles que já estavam aposentados tiveram prejuízos. Como o primeiro enquadramento se deu por tempo de serviço no setor público, um trabalhador que entrou mais tarde na universidade, tendo trabalhado em outro lugar antes, ficou em desvantagem.

Agora, no debate com o governo, os trabalhadores aposentados das universidades estão ameaçados de mais uma perda. Podem ser retirados da folha de pagamento. E o que é pior: a proposta nasce no seio da própria categoria. Está registrado no projeto de cargo único da Federação de Sindicatos de Trabalhadores das Universidades, no artigo 50, que as “despesas” com os aposentados ficam fora do orçamento das universidades. Entendem as lideranças ligadas ao grupo majoritário na Federação, o Reafirmar a Luta, que ao serem retirados da rubrica da educação (18% do PIB), sobrariam mais verbas para o setor. “Não haverá perdas de direitos”, garantem.

Mas, gato escaldado não acredita mais nisso. E é por isso que parte da categoria dos trabalhadores nas universidades luta para derrubar esse artigo do projeto da Fasubra. Até porque o governo está gostando muito dessa idéia e propõe pagar os aposentados através de uma rubrica específica, via tesouro nacional. “Quem pode garantir que, excluídos da folha de pagamento do Ministério da Educação, a gente vá encontrar apoio nas nossas lutas junto à Fasubra? Sem a garantia do recurso, quem garante que o governo não nos deixe na mão? E fora da folha, como vamos lutar por reajustes ou paridade? Essa proposta é uma indignidade, um desrespeito a todos nós que demos nossa contribuição à universidade e às lutas”, diz Enaura Simas Graciosa, coordenadora de políticas de aposentadoria do Sindicato dos Trabalhadores da UFSC.

Como a Fasubra se mantém na Mesa de Negociação Permanente com o governo, os aposentados estão numa luta renhida para convencer os próprios colegas de que esta é uma proposta que só vai trazer prejuízos e desgraças para todos. “Esse pessoal esquece que também vai ficar velho e que vai se aposentar”, insiste Enaura. “As pessoas dizem que os trabalhadores públicos têm privilégios. Não é verdade. Nós fizemos lutas e conquistamos direitos. Nosso papel é unificar as lutas com os trabalhadores regidos pela CLT para que eles também conquistem seus direitos. Nivelar por baixo não é papel de quem luta de verdade”.

A queda de braço

E assim segue a discussão no universo do mundo do trabalho. Nestes tempos sombrios em que boa parte dos sindicalistas defende as políticas do governo de forma acrítica, está sob a cabeça de todos os trabalhadores a proposta de uma nova mexida na Previdência, que certamente será para retirar mais direitos, seguindo a receita do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional. Além disso, vem aí também uma reforma sindical, que retoma a lógica do sindicalismo tutelado pelo estado e pela burocracia/aristocracia sindical. Junto com ela, há ainda proposta de reforma na universidade com cheiro de privatização.

O governo já lançou um balão de ensaio para ver como as gentes se comportam. É a proposta de uma Fundação Estatal, uma espécie de instituição gerencial, capaz de dirigir entidades públicas captando recursos privados, bem na lógica das Parcerias Público/Privadas. Uma dessas loucuras neoliberais, monstro de sete cabeças que certamente, se for para frente, só vai arrojar ainda mais a vida dos trabalhadores, aposentados ou não. Enquanto isso, no que deveria ser uma queda de braço só é possível verificar um dos membros: o braço firme do governo, reforçado, inclusive, por muitos sindicalistas.

Já no interior da categoria, que deveria estar em luta contra todas essas ameaças, trava-se uma batalha fratricida, bem ao gosto do governo. A idéia que viceja é a da divisão. Surge inclusive a proposta de separar os trabalhadores de nível superior dos de nível médio para garantir ganhos bastante específicos do primeiro grupo. O diabo ri. E os velhos? Ora, os velhos... quem vai ficar velho aqui? Muitos dos trabalhadores que hoje estão na ativa sentem-se o próprio Dorian Grey (personagem de Oscar Wilde que não envelhecia, alimentando sua juventude e beleza através da maldade). Só que o seu final é trágico, muito trágico!...

- Elaine Tavares – jornalista no Ola/UFSC. O OLA é um projeto de observação e análise das lutas populares na América Latina.

http://www.ola.cse.ufsc.br
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