Estranha forma de governar o mundo

26/03/2007
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“O desejo de todos os estados, ou de seus governantes, é alcançar uma paz perpétua, através da conquista de todo mundo, se isto fosse possível.”

Immanuel Kant, A Paz Perpétua, 1795

Há quem associe a derrubada do presidente Kennedy, em 1963, ao fracasso da intervenção americana em Cuba, em 1961, como no caso do renuncia do presidente Nixon, em 1974, que seria impensável sem a derrota dos Estados Unidos, na guerra do Vietnã. Duas derrotas militares que dividiram o establishment norte-americano, como está acontecendo de novo, neste momento, depois do fracasso do Oriente Médio. Estas três intervenções militares mudaram radicalmente a história de Cuba e da América Latina, depois de 1961; a história do Vietnã e do sudeste asiático, depois 1973; e a história do Iraque e do Oriente Médio, depois de 2003. O interessante é que nos três casos, quem tomou a iniciativa foram os Estados Unidos, e nos três casos, esta iniciativa desorganizou uma ordem estabelecida e acabou desfavorecendo os próprios interesses americanos. Como explicar a repetição deste comportamento “compulsivo” e “auto-destrutivo” da super-potencia que ficou responsável pela ordem política mundial, depois da Segunda Grande Guerra ?

Em 1939, o inglês Edward Carr - pai da teoria política internacional contemporânea – reconheceu, pela primeira vez, a necessidade de um “super-estado”, mais poderoso que todos os demais, para que pudesse existir no mundo uma paz duradoura.[1] A mesma tese defendida pelo sociólogo francês, Raymond Aron: “não haverá paz mundial, enquanto a humanidade não tiver se unido num Estado Universal”[2]. Por outro lado, durante a crise econômica mundial dos anos 70, os norte-americanos, Charles Kindelberger[3] e Robert Gilpin[4], chegaram separadamente à mesma conclusão, de que é indispensável a existência de uma “potência hegemônica” no mundo, para que a economia internacional funcione de forma adequada. Edward Carr e Raymond Aron estavam preocupados com as guerras, e Charles Kindelberger e Robert Gilpin com as crises econômicas, mas existe um denominador comum entre êles: a idéia de que um estado todo-poderoso ou hegemônico, seria indispensável para a obtenção da paz e da estabilidade econômica, dentro do sistema mundial.

Agora bem, desde 1945, os Estados Unidos vem concentrando em suas mãos uma quantidade de poder cada vez maior, e vêm ocupando uma posição hegemônica, como potência política e econômica, tal como foi preconizado, por Carr, Aron, Kindelberger e

Gilpin. Mas, apesar disto, as guerras e as crises econômicas não desapareceram, e o que é pior, quase todas as grandes crises do sistema mundial, neste período, foram provocadas pelo “super-poder” que deveria pacificar e estabilizar o sistema. Foi o que ocorreu em Cuba, no Vietnã e no Iraque, mas foi também o que ocorreu, quando os Estados Unidos abandonaram o Sistema de Bretton Woods, em 1973, ou quando subiram suas taxas de juros em 1979, derrubando a economia mundial. Em todos os casos, o que se observa é o mesmo movimento expansivo e desestabilizador que ficou ainda mais visível depois de 1991, quando os Estados Unidos se transformaram na única super-potência militar e econômica do mundo. Nunca o mundo esteve tão perto de um “império mundial” como na década de 1990, mas mesmo assim, seguiram-se as guerras, as crises econômicas e o aumento geométrico dos arsenais militares. Sendo assim, como explicar esta distancia tão grande entre as expectativas teóricas de Carr, Aron, Kindelberger e Gilpin, e a maneira em que funciona de fato o “governo do mundo” ?

Começando pelo reconhecimento de que o ponto fraco das suas teorias é seu caráter excessivamente normativo, quase utópico. Movem-se no campo do “dever ser” e não tomam em conta o fato de que a “hegemonia” é sempre uma posição relativa que foi conquistada, durante algum tempo, por algum estado em particular, através da competição e da luta com outros estados que ambicionam a mesma posição. E tampouco tomam em conta, o fato de que esta competição, e esta luta não param, no momento que uma das grandes potências vence e conquista transitoriamente a posição hegemônica, porque os derrotados não abandonam a competição, e porque sempre surgem novos candidatos dispostos a lutar por um lugar ao sol. Por isto, ao analisar o expansionismo norte-americano, e a questão mais geral do “governo do mundo”, se deve reconhecer e partir de algumas premissas fundamentais:

i. dentro do sistema mundial, formado pelos estados nacionais, todo e qualquer “super-poder” ou “potência hegemônica”, estará sempre condenado a expandir seu poder de forma contínua, para manter sua posição relativa dentro do sistema;

ii. esta expansão ou acumulação de poder se faz através da competição e da luta com os demais estados que também almejam a conquista - em última instancia - de um “império mundial”, que nunca poderá ser alcançado sem o automático desaparecimento do próprio sistema mundial que vive da competição entre os estados;

iii. por isto mesmo, a competição e a luta entre as grandes potencias se reproduz de forma permanente, e nenhum “super-poder” será jamais capaz de estabilizar o sistema mundial, porque ele mesmo precisa da competição e da “guerra virtual crônica”, para poder seguir expandindo o seu poder;

iv. neste sentido, se pode dizer que é a própria potência ganhadora quem desestrutura sua “situação hegemônica”, porque só ela tem condições de se desfazer das regras e instituições que construiu em algum momento – como no caso das Nações Unidas e de Bretton Woods - toda vez que estas regras e instituições obstaculizem seu caminho expansivo;

v. por fim, o segredo mais bem guardado deste sistema político mundial, que nasceu na Europa, nos séculos XVII e XVII, e se globalizou na segunda metade do século XX: na maioria dos casos, é o próprio “poder expansivo” ou hegemônico que cria ou inventa os seus competidores e adversários, porque – como já vimos - o “super-poder” ou “hegemon” não pode crescer e se expandir sem ter concorrentes, mesmo quando seu poder pareça absoluto e incontestável.



[1] Carr, E. (1939), The Twenty Year´ Crisis: 1919-1939, Perennial, London,

[2] Aron, R. (1962) Paz e Guerra entre as Nações, Ed. Univ. Brasília, p: 47

[3] Kindelberger, C. (1973), The World in Depression 1929-1939, Universityof Califórnia Press, Berkeley

[4] Gilpi, R. (1972), “The politics of transnational economic relations”, in: Keohane, R.&Nye,J. , Transnational Relations and world politics, Harvard University Press, Cambridge

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