Alckmin, a submissão aos EUA e a retomada da Alca

21/10/2006
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Fidel Castro, Hugo Chávez e Evo Morales torcem abertamente pela vitória de Lula como única forma de avançar na integração latino-americana; eles sabem que Geraldo Alckmin representa o risco do retorno ao “alinhamento automático” e à subserviência aos EUA.

 

“Obviamente, eu vejo o que Lula faz com a maior simpatia. Ele não conta com maioria no parlamento e tem que se apoiar em outras forças, até conservadoras, para fazer avançar algumas reformas. Os meios de comunicação dão publicidade aos escândalos de corrupção de parlamentares, mas não têm conseguido implicá-lo. Lula é um dirigente popular. Eu o conheço há muitos anos, tenho seguido seu itinerário, tenho conversado muito com ele. É um homem de convicções, inteligente, patriota, progressista, de origem muito humilde e que não se esquece de suas origens, do povo que sempre o apoiou. Eu acredito que todo o mundo o vê assim. Porque não se trata de fazer uma revolução, mas sim de ganhar um desafio: o de erradicar com a fome. Ele pode consegui-lo. Se trata de acabar com o analfabetismo e ele também pode conseguir. Eu penso que todos nós devemos apóia-lo”.

Fidel Castro, líder da revolução cubana.

 


“Felicitamos nosso amigo Luiz Inácio Lula da Silva que venceu o primeiro turno da eleição presidencial no Brasil, apesar de que a nossa esperança é de que não haveria segundo turno. Lula teve quase 49% dos votos, com 50,1% ele teria vencido. Faltou menos de dois pontos. Outros candidatos também se lançaram pela esquerda, mas o que fizeram? Nada. Jogaram pelo inimigo e tornaram as coisas mais difíceis para o companheiro Lula... Mas Lula vai contra-atacar, ele não pode perder. Lula, você está obrigado a ganhar essa eleição e ganhará”.

Presidente Hugo Chávez, líder da revolução bolivariana na Venezuela.

 

“Em meus oito meses de governo, aprendi que os ricos e os novos conquistadores não dão a cara a tapas para enfrentar o povo. Não! O que fazem é provocar disputas entre os pobres para nos enfraquecer, para nos desunir, para nos distanciar uns dos outros. Eles, os que sempre estiveram em cima, sabem que em nossa união está a força, que, juntos, somos invencíveis. Por isso a insídia, a mentira, a calúnia... A sorte do Brasil é a sorte da Bolívia, da Argentina, do Uruguai, do Paraguai e de todos os países de região.  Em nossos tempos, já não podemos pensar unicamente em termos de país. Juntos, precisamos nos apoiar, precisamos colaborar, precisamos no compreender uns aos outros”.

Presidente Evo Morales, líder camponês e indígena, que trata Lula como “meu irmão mais velho”.

 


Todas as forças progressistas e revolucionárias da América Latina acompanham com enorme expectativa o segundo turno no Brasil. E não é para menos. Sem diletantismo ou falso esquerdismo, elas sabem que o futuro da região depende do resultado da eleição no país que é, do ponto de vista geopolítico, estratégico no continente. Sabem que aqui se defini as vias abertas para uma nova América Latina, unida e integrada, com a construção de um pólo contra-hegemômico que se oponha aos desígnios expansionistas dos EUA. Após séculos de saque e miséria, tão bem descritos por Eduardo Galeano no clássico “As veias abertas da América Latina”, surge a possibilidade concreta e real da tão sonhada “Pátria Grande”, de Simón Bolívar.

 

FHC, serviçal do imperialismo

 

A comparação entre os governos FHC e Lula e entre as plataformas dos atuais presidenciáveis explica a expectativa criada na região. Durante os oito anos de reinado de FHC, o Brasil regrediu para a política do “alinhamento automático” com os EUA. Com uma atitude passiva e subserviente, seu governo permitiu o avanço das negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), projeto dos EUA de anexação colonial, e congelou o Mercosul. Também ratificou um acordo nefasto que possibilitaria a instalação de uma base militar estadunidense em Alcântara (MA) e ressuscitou um tratado do período da “guerra fria”, o draconiano TIAR, que poderia levar o Brasil a participar da invasão e genocídio imperialista no Iraque.

 

A expressão caricatural deste servilismo ficou por conta das atitudes do ministro de Relações Exteriores de FHC, Celso Lafer, o único embaixador que se sujeitou à humilhação de tirar os sapatos nos aeroportos dos EUA após os atentados de 11 de setembro. Na seqüência deste episódio, FHC autorizou os EUA a instalarem um escritório da CIA no Brasil. Mesmo derrotado, o ex-presidente ainda faz questão de prestar serviços extras ao governo terrorista de George Bush. Junto com Carla Hill, ex-representante comercial dos EUA, ele coordena um grupo sediado em Washington que tem alertado o governo ianque para “os riscos da esquerdização da América Latina”, segundo artigo do Financial Times (25/02/05).

 

Lula e o protagonismo do Brasil

 

Bem diferente passou a ser a política adotada pelo governo Lula. De imediato, ele nomeou um conhecido nacionalista para o Ministério das Relações Exteriores, Celso Amorim, e conduziu ao posto de secretário-executivo o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, punido por FHC exatamente por denunciar as regras lesivas da Alca. Sob seu comando, o Itamaraty retomou a política ativa e altiva em defesa dos interesses nacionais. De forma habilidosa, conseguiu desativar a bomba da Alca, desfez o acordo da base militar em Alcântara e reforçou o Mercosul, ampliando sua abrangência para a toda a comunidade sul-americana. Se faltou ousadia na política macroeconômica, a política externa foi o ponto alto do governo Lula!

 

De um acordo meramente comercial, o Mercosul caminha para constituir o seu parlamento regional, lança as bases para um banco de fomento e prioriza as relações com os países mais frágeis do subcontinente. No governo Lula, o Brasil também diversificou as relações políticas e comerciais com a China, Índia, Rússia, África do Sul e países árabes, como forma de superar a dependência dos EUA. O êxito desta política, que tanto irrita a elite e sua mídia “americanizada”, é comprovado nas estatísticas. Atualmente, o país joga um papel protagonista no mundo, encabeçando o G-20 como bloco que se contrapõe ao poder das potências capitalistas nos fóruns internacionais – em especial, na Organização Mundial do Comercio (OMC).

 

Diferenças abissais no front externo

 

As diferenças entre as políticas externas de FHC e Lula são abissais; só os desinformados e os sectários não enxergam. O economista Paulo Nogueira Batista Jr., no livro “O Brasil e a economia internacional”, não vacila em afirmar que esta é principal marca distintiva entre os dois governos. Após fazer duras à manutenção da política macroeconômica de viés neoliberal, ele lista os vários avanços obtidos no front externo. “Em outros tempos, essa orientação seria estigmatizada como ‘terceiro-mundista’. O Brasil está superando, aos poucos, a mistura de deslumbramento e temor reverencial diante dos países desenvolvidos inaugurada no governo Fernando Collor e continuada no período Fernando Henrique Cardoso”.

 

No mesmo rumo, o historiador Luiz Alberto Moniz Bandeira, no livro “Brasil-Estados Unidos (de Collor a Lula)”, descreve de forma pormenorizada os vários atos de servilismo da política de externa de FHC e destaca a guinada nacionalista retomada pelo governo Lula. Conhecedor profundo da política golpista dos EUA, ele não descarta a possibilidade de manobras ardilosas do governo Bush para sabotar o atual projeto de autonomia nacional. Mas se mostra confiante na habilidade e na ousadia da atual equipe do Itamaraty. “Há tempos [Celso Amorim] avisou a embaixadora dos EUA que não há força no mundo capaz de fazê-lo tirar os sapatos durante a revista nos aeroportos americanos. ‘Vou preso, mas não tiro o sapato’”.   

 

Dois projetos em disputa

 

Estas profundas diferenças é que estão em disputa na eleição deste ano. O candidato do bloco entreguista, Geraldo Alckmin, não esconde suas críticas à política externa do governo Lula. No recente debate na TV Bandeirantes, fez questão de classificar a atual orientação de “fracassada”. Covarde diante dos EUA, ele esbanjou coragem ao sugerir o confronto com a Bolívia no episódio da nacionalização do gás e criticou as relações com a China. Já na sabatina da Folha de S.Paulo, nesta semana, destilou seu veneno reacionário. Indagado de bate-pronto sobre Hugo Chávez, atirou: “amigo do Lula”; sobre Fidel Castro, “é passado”.

 

Esta visão também fica explícita na fala dos principais mentores do candidato tucano. Rubens Barbosa, embaixador de FHC em Washington e cotado para ser o futuro ministro das Relações Exteriores, usa toda semana seu posto de articulista em vários jornalões para atacar a política “terceiro-mundista” do governo e não vacila em dizer que as relações externas são “seguramente o setor de maior contraste e diferença entre os programas de governo do PT e de Alckmin”. Já FHC, mesmo tendo sido afastado de cena para não queimar a imagem de Alckmin, insiste em aparecer na mídia para atacar “o caminho ultrapassado de Evo Morales” e criticar Hugo Chávez por “se intrometer demais em outros países da América Latina”.    

 

Alckmin, candidato a vice-rei da colônia

 

Tucanos assumidos e enrustidos acusam o governo Lula de ter “partidarizado e ideologizado” a política externa, o que prejudicaria o comércio brasileiro. Mas nem isto corresponde aos fatos. Recente artigo do jornal Valor Econômico demonstra que a atual orientação gerou lucros recordes para o país. “A região da América Latina e Caribe, que já compra mais de um quarto das exportações do Brasil, absorveu, sozinha, pouco mais de 40% das vendas brasileiras de manufaturados, como automóveis e celulares, entre janeiro e setembro deste ano. Nesse período, o crescimento das vendas de manufaturados para a América Latina foi de 22,7%, o dobro do aumento verificado para as outras regiões do mundo”. Em 1996, o comércio com os EUA acumulava um déficit de US$ 4,2 bilhões; em 2005, o superávit atingiu mais de US$ 25 bilhões.

 

Na prática, o candidato da oposição liberal-conservadora sonha com o retorno à total dependência diante do imperialismo, à política do alinhamento automático com os EUA. O programa de governo do PSDB-PFL prega “atuar pela retomada das negociações da Alca”, “promover ampla reflexão sobre o Mercosul” e privilegiar as relações com os EUA, a União Européia e o G-8, o grupo dos países mais ricos do mundo. Como afirma o sociólogo Gilson Caroni, “o ex-governador paulista candidata-se não à Presidência, mas ao posto de vice-rei, encarregado de administrar os interesses estadunidenses em sua dependência ultramarina”. Não é para menos que Fidel Castro, Hugo Chávez e Evo Morales torcem abertamente pela vitória de Lula em 29 de outubro.

 

- Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).

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