Alto nível de escolaridade afasta trabalhadores cubanos do campo

08/02/2012
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Agricultura precisa de mão-de-obra, mas enfrenta resistência e "competição" do setor turístico
 
Com camisa alinhada e livros em mãos, Raúl Espinosa deixa a faculdade onde trabalha e caminha pelas ruas que cercam a Universidade de Havana até chegar ao café preferido. É meio-dia e ele espera na fila com outros trabalhadores que, assim como ele, saíram para comprar o almoço. As mãos lisas e a pele morena desbotada – característica de quem vive na biblioteca – em nada remetem à profissão do pai: agricultor.
 
Hoje com 37 anos, Raúl conta que sempre quis estudar História, enquanto os dois irmãos viraram, respectivamente, médico e militar. Nascido na província de Pinar del Río, localizada a poucos quilômetros a oeste de Havana e tradicionalmente produtora de tabaco, Raúl foi morar na capital para estudar. Assim como ele, outros milhares de cubanos escolarizados puderam escolher entre o campo e a universidade, gerando falta de mão de obra nas plantações.
 
“Não houve um motivo especial, porém, eu não queria trabalhar de madrugada, ou longe da cidade. Desejava estudar e tive essa oportunidade. Por que não poderia aceitar?”, justifica-se. “Não tenho nenhum preconceito, meu pai trabalhou no campo desde antes da revolução. Passou pela reforma agrária e mecanização. Hoje as condições parecem ser melhores. Ele não teve a mesma chance”.
 
A história de Espinosa se assemelha à de Miguel Salcines Lopez, agrônomo responsável pela UBC Vivero Alamar. O pai também era agricultor do período pré-revolucionário: “Não era dos mais pobres”. Segundo ele, continuou com a mesma atividade, acompanhando a reforma agrária nos anos 1960, que estatizou todas as propriedades com mais de 67 hectares. No início da carreira na Agronomia, Lopez decidiu deixar o campo e foi trabalhar no Ministério da Agricultura. “Foram os anos mais burocráticos da minha vida, um tempo perdido”, diz. Então, optou por voltar a trabalhar diretamente com a terra e passou a administrar, junto com a família, a cooperativa.
 
“Trabalhar na agricultura se tornou um demérito. Mas no campo, aqui em Cuba, é preciso trabalhar duro, com inteligência e criatividade, porque já nos faltou muita coisa. É preciso ter vocação e, sobretudo, preparo”, ressalta Lopez.
 
Para tentar atrair os trabalhadores, a cooperativa oferece alguns estímulos. No verão, os trabalhadores cumprem uma jornada diária menor, de seis horas, e têm direito a ir ao barbeiro ou cabeleireiro sem pagar. Há também café da manhã, almoço e lanche da tarde, além de uma “boa média salarial”, que o administrador prefere não revelar.
 
Já Raúl, em Havana, trabalha oito horas por dia, enfrenta um ônibus lotado para ir de casa à faculdade e precisa se preocupar com as refeições que faz durante o expediente. Ainda assim, ele não pensa em deixar a biblioteca por uma cooperativa. “Talvez, mas escolheria o turismo”, admite. O historiador não está sozinho. Como ele, outros jovens querem seguir carreiras que nem sempre são conciliáveis com o trabalho no campo. Preferem atividades que ofereçam acesso ao peso conversível, como o turismo.
 
Cooperativa
 
Dos 139 trabalhadores da Vivero Alamar, 16 têm nível universitário (engenheiros agrícolas, agrônomos, veterinários, economistas), 29 são técnicos médios, 30 concluíram o ensino médio, 55 cursaram o que equivale à nona série no ensino fundamental brasileiro e nove cursaram apenas o primário.
 
Jesús Martinez é engenheiro agronômo, mas trabalha longe de um escritório com computador e ar-condicionado. Ele passa a maior parte do tempo de galochas sujas de barro, ferramentas na mão e chapéu para se proteger do sol. “Arranco ervas, preparo a terra, É preciso trabalhar mais para ter mais”, afirma. Já Yaquelin Valdez, 27 anos, está há três anos na Vivero Alamar, desde que deixou o emprego de administradora do Hospital Naval. “Gosto do salário, todos nos damos bem aqui. Foi uma boa mudança”, conta.
 
Outra estratégia para tentar atrair os trabalhadores foi instalar cooperativas dentro das cidades, como a Vivero Alamar, localizada em um bairro de Havana no qual vivem dez mil pessoas. Assim, continua fácil o acesso ao transporte, às creches, ao teatro e aos mercados.
 
O governo – que planeja aumentar a importância da agricultura para a economia cubana - acredita que o quadro de rejeição ao trabalho no campo pode melhorar: desde setembro de 2008, mais de 1,18 milhão de hectares de terras foram repassados a mais de 128,4 mil pessoas em pequenas parcelas arrendadas por dez anos.
 
 
https://www.alainet.org/fr/node/155794
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