Dólar no pior cenário desde o fim do padrão ouro

Ademais da perda de importância relativa do dólar enquanto moeda de curso internacional, o deslocamento do centro dinâmico do Ocidente para o Oriente impacta a capacidade de operação da política monetária do conjunto das nações.

22/06/2021
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Foto: Dado Ruvic/Reuters
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Como parte do deslocamento atual do centro econômico dinâmico do Ocidente para o Oriente, o mundo assiste a dois importantes movimentos a impactar o comportamento das moedas. De um lado, a corrida para substituir o dinheiro físico por moedas correntes digitais e, de outro, a construção do novo sistema monetário alternativo ao padrão dólar.

 

No rastro do aparecimento do bitcoin desde 2009, a proliferação das experiências mais recentes dos países a constituírem os seus próprios sistemas nacionais de moeda digital. Por conta disso, o início da transição para o novo padrão monetário ancorado na moeda digital lastreada pelos bancos centrais das nações, diferentemente da versão privada das criptomoedas que circulam sem qualquer lastro, independe do Estado e flutuação associada à livre demanda descentralizada.

 

Além de países como a Suécia, Bahamas, Camboja e Venezuela que já convivem a realidade da moeda digital, destaca-se a China que estrutura o primeiro sistema nacional de moeda digital soberana no mundo. Após ter inventado o papel-moeda a mais de um milênio, a China assume a condição da primeira grande nação a abandoná-lo, tendo crescente parcela da população adotado continuamente a moeda digital soberana.

 

A tecnologia da e-yuan em processo de desenvolvimento nos últimos seis anos somente começou a ser posta em prática em 2021, com o Banco Popular da China liderando o impulsionamento da nova moeda no interior do país (tecnologia do Blockchain que sustenta as criptomoedas). Com a crescente adesão ao comércio e ao meio eletrônico de transação financeira, a população compra de tudo e paga através da leitura do QR code por smartphone e do uso variado dos aplicativos (AliPay e WeChat Pay).

 

No mundo, onde mais de 1/3 de todas as operações financeiras realizadas em 2020 ocorreram por meio das cédulas de papel (The Global Payments Report), percebe-se o quanto o dinheiro eletrônico segue tendência global de sua transformação no meio de pagamento dominante no interior das nações (Central Bank Digital Currency- CBDC). Ao mesmo tempo, constatam-se as ameaças que se apresentam ao dólar enquanto divisa hegemônica nas operações de câmbio no mundo.

 

Isso porque as transações financeiras, ao serem dominadas pelas novas moedas digitais, como o yuan digital, poderão permitir que as trocas entre países transcorram sem mais dependerem do dólar ou do protocolo bancário internacional SWIFT (Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication). Justamente por isso que também ganha relevância a construção de um novo sistema de pagamentos alternativos ao monopólio ocidental do sistema SWIFT que responde por 42% das operações de transferências internacionais feitas em dólares.

 

De acordo com a parceria russo-chinês, o novo sistema interbancário internacional de transmissão de dados financeiros permitirá a realização de pagamentos em moedas nacionais. Para isso, os primeiros experimentos envolvendo as operações financeiras decorrem do comércio efetuado por grandes corporações transnacionais do petróleo e gás e da produção agropecuária e mineral.

 

Também interessa mencionar a atitude de países como Reino Unido, França e Alemanha em adotar o mecanismo de transações financeiras INSTEX (Instrumento de Apoio às Bolsas de Comércio) para contornar as sanções impostas pelos Estados Unidos a vários países adversários, como a Rússia, Cuba, Coreia do Norte, Irã e outros. Assim, a troca de mercadorias passa a ser realizada sem a necessidade da transferência de dólares entre as empresas, podendo representar um forte golpe no controle da ordem econômica mundial ainda exercida pelos EUA.

 

Outro risco de esvaziamento do dólar decorre das iniciativas em curso de adoção ado ouro e outras moedas em maior proporção nas reservas mundiais. Até a década de 1970, por exemplo, o dólar respondia por cerca de 85% das reservas em moeda no mundo, quando passou a perder importância relativa.

 

No início de 2021, por exemplo, o dólar ainda compunha 59% do total das reservas oficiais de moedas estrangeiras, embora correspondesse a menor participação relativa dos últimos 25 anos (Fundo Monetário Internacional). Ao mesmo tempo, o euro respondia por 21% e o yuan (renminbi chinês) ultrapassou a barreira dos 2% do estoque de reservas de moedas do mundo, apontando o gradual e crescente reconhecimento internacional, especialmente em Londres que segue sendo o principal centro cambial do mundo.

 

Ademais da perda de importância relativa do dólar enquanto moeda de curso internacional, o deslocamento do centro dinâmico do Ocidente para o Oriente impacta a capacidade de operação da política monetária do conjunto das nações. Se os bancos centrais não forem capazes de atender a demanda interna por dinheiro digital, a soberania nacional no comando monetário pode se esvair diante da contaminação internacional do comércio generalizado por meio de pagamentos eletrônicos (sistema de criptomoedas) nas transações financeiras.

 

- Marcio Pochmann é Professor e pesquisador do Cesit/Unicamp e da NEEDDS/Ufabc

 

22/06/2021

https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Poder-e-ContraPoder/Dolar-no-pior-cenario-desde-o-fim-do-padrao-ouro/55/50878

 

https://www.alainet.org/es/node/212764
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