A vitória-régia, a Covid-19 e a falácia nas escolhas políticas

A questão das agressões à biodiversidade da Floresta Amazônica ganha atualidade por estar associada com as possíveis origens da pandemia da Covid-19.

01/03/2021
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Penso em nossa maravilhosa Amazônia, pujante por seu ecossistema, por seus rios e habitada por remanescentes dos povos originários, os povos indígenas, seus descendentes, que sabem valorizar, apreciar essa beleza toda, e conviver com ela, e por muitas pessoas que acorreram para lá oriundas de outras regiões do Brasil, muitas delas aprenderam a respeitá-la.

 

Sob essa pujança, com sua biodiversidade, pouco valorizada por muitos dirigentes políticos, que teria inúmeras aplicações medicinais, entre muitas outras formas de utilização real de maneira sustentável - no sentido real do termo, e não no sentido deturpado pelo uso superficial de cunho publicitário - , o subsolo contém a riqueza e a variedade dos minérios que atrai a cobiça dos investidores, nacionais, internacionais e transnacionais, que nem reparam, ou não querem reparar, na beleza e na utilidade que existe na ligação entre a superfície e o subsolo, e não reconhecem a importância da manutenção da Floresta Amazônica em pé e sua força de regulação do sistema pluviométrico com suas chuvas voadoras sobre o Brasil e a América do Sul.

 

As muitas visões “míopes” desses propósitos atraem a adesão e a subserviência de pessoas influentes no país, alinhadas com os grupos de interesses do lucro econômico predominante e descabido, em detrimento de uma devastação socioambiental com graves consequências imediatas e mediatas para a população local e seus reflexos para o país inteiro, além dos prejuízos previsíveis para as mudanças climáticas no mundo.

 

O símbolo natural da Amazônia brasileira continua sendo a vitória-régia, tão linda e transbordante no tamanho quanto é a beleza da região toda. É indescritível a sensação diante da imensidão de seus rios, quase um mar. É terrível e angustiante até de imaginar que algo disto possa sofrer grandes mudanças. Importa também a valorização dos bens imateriais da cultura popular, a exemplo da lenda do surgimento da vitória régia, que traduz o imaginário dos povos indígenas e se reflete no amor e na visão das forças da Natureza e o respeito a ela, e que é passado de geração em geração...

 

Enquanto isso, as discussões sobre o destino da Amazônia acontecem em gabinetes, em reuniões pretensamente fechadas em ambiente palaciano climatizado com aparelhos devidamente controlados (nem tanto assim o linguajar destemperado), mas tornadas públicas pelas possibilidades da tecnologia com autorização do Supremo Tribunal Federal, de onde se espalharam as notícias das ordens “de passar a boiada”.

 

Sem contar ainda reuniões de outros níveis de governo, a exemplo do Estado de São Paulo, onde o ato de “passar a boiada” na área das políticas públicas tem caráter mais contido, embora motivado com argumentos falaciosos. Possivelmente, existem muitas outras trocas de informações virtuais, eventualmente com investidores, que escapam ao conhecimento do grande público, a população brasileira, que teria muito interesse em conhecer e se manifestar a respeito.

 

A questão das agressões à biodiversidade da Floresta Amazônica, entre outras, por meio dos desmatamentos, ganha atualidade por estar associada com as possíveis origens da pandemia da Covid-19. Não são poucos os estudiosos e cientistas que relacionam o desmatamento e a devastação de florestas, com o surgimento de várias doenças causadas por vírus.

Na literatura, o escritor David Quammen, autor do livro “O contágio”, publicado em 2012 com sucesso de vendas, apontou para os riscos da relação insustentável da humanidade com o meio ambiente. Em alerta, que representou a opinião de diferentes cientistas e estudiosos da saúde pública com os quais manteve conversas, previa a possibilidade do surgimento de uma pandemia causada por um vírus transmitido por animais silvestres, cujo habitat vinha sendo gradativamente invadido pela contínua expansão do homem removendo os limites que separam o seu ambiente por meio do desmatamento e de destruição das florestas, local de vida dos animais selvagens. Explicou, em entrevista, que o vírus no animal selvagem mantido na floresta não acarreta danos para o homem, por estar em área fora de seu alcance. No entanto, a partir do momento do “transbordamento”, fenômeno de transposição pelo homem do espaço necessário de separação entre os dois ambientes distintos de vivência, surge a possibilidade de contágio, mediante o contato mais próximo entre o homem e o animal selvagem eventualmente portador do vírus. (“Roda Viva”, TV Cultura, 4/1/2021)

 

Essa ruptura, pela ação do homem pretensamente “moderno e civilizado”, com as defesas naturais do meio ambiente, por desrespeito às leis da natureza e à legislação ambiental, vem trazendo graves consequências para a própria saúde humana. Falta convergência de interesses, no aspecto da proteção dos recursos naturais, entre os membros dos governos, federal e de alguns Estados, os órgãos governamentais incumbidos da fiscalização das atividades econômicas desenvolvidas na região e o controle assumido pela sociedade civil organizada.

 

Os dados técnicos, inclusive do INPE, revelam o elevado aumento do grau de desmatamento na Amazônia, embora o governo federal insistisse em desmentir, sem sucesso.

 

É notório que a questão ambiental tem caráter socioambiental, pois os desastres ambientais afetam, de modo mais imediato, as pessoas em situação de maior vulnerabilidade socioeconômica.

 

Embora não seja ainda reconhecida como um desastre ambiental direto, a pandemia da Covid-19, no Brasil, teve o efeito de escancarar as grandes diferenças sociais, em termos de saúde e sistema sanitário, de revelar a precarização da forma de trabalho de milhões de pessoas e de agravar as dificuldades de grande parte da população, tanto dos trabalhadores informais, quanto dos trabalhadores formais, que sofreram a redução da jornada e de salário, autorizada por meio da MP 936/2020, para diminuir os prejuízos da atividade econômica dos empregadores. O governo federal contrariou as leis trabalhistas e a própria Constituição Federal, porquanto permitiu acordos individuais entre empregado e empresa, dispensando o acordo coletivo com a participação dos sindicatos, desconsiderando o caráter de hipossuficiência do trabalhador. (veja aqui)

 

Lamentavelmente, o Brasil vem sofrendo progressivo desmonte dos instrumentos que garantem o acesso aos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais. A própria reforma administrativa que se pretende aprovar terá como consequência a quebra das estruturas do serviço público, causando a consequente ruptura e desconexão das políticas públicas, em detrimento do interesse da maior parte da população.

 

Administradores públicos que, em geral, adotam a política neoliberal, inclusive em Estados da Federação, como São Paulo, fundamentam suas decisões políticas envolvendo direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais exclusivamente em motivações de economia de verbas. O equilíbrio do orçamento público parece ser o foco central das medidas políticas, alterando políticas públicas consolidadas e devidamente estruturadas. Esse foco centrado no equilíbrio fiscal está desequilibrando a aplicação de verbas em medidas essenciais para a vida da população brasileira em geral. Perde-se a referência ao equilíbrio mais amplo da dignidade da vida humana e da necessária harmonia social e ambiental.

 

Serve como triste exemplo o trágico resultado do enfrentamento da Covid-19 no Brasil, desrespeitando as leis da ciência – com número elevado de 260 mil mortos, atualmente, desestabilizando famílias - decorrente dos erros cometidos pelo governo federal, que tem em mãos o poder da distribuição das verbas, estabelecendo o caos. Deve-se resgatar, porém, que medidas anteriores de esfacelamento de políticas públicas, de redução de investimentos e de desestatizações nas áreas sociais também já vinham preparando esse resultado, conforme texto anterior meu a respeito do SUS aqui publicado sob o título “Decodificando as cifras”. (https://www.revista-pub.org/post/03072020)

 

Apesar de esclarecimentos governamentais no sentido de que as atividades terão continuidade por meio de outros órgãos, é evidente que haverá perda de experiência e do conhecimento da matéria pelos funcionários nessas atividades que serão deslocados, substituídos, dispensados e, talvez, nem repostos.

 

A atitude do governo Doria de reunir na mesma pasta a questão do meio ambiente, sob o nome de Secretaria da Infraestrutura e Meio Ambiente, revela o viés preferencial da política neoliberal adotada. Na rasteira da técnica de “passar a boiada” durante a pandemia da Covid-19, a lei de sua autoria, PL/529/2020, foi aprovada em 13/10/2020 pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo governador. Resultou na extinção de seis estatais, das quais o setor da Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN), a gerência regional da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de São Paulo (CDHU) e o Instituto Florestal, estas com atuação em Bauru, este último representado pela Estação Experimental de Bauru, mais conhecida como Horto Florestal, além da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo (EMTU), e autorizou a demissão de 5.600 funcionários públicos. (veja aqui)

 

Apesar de esclarecimentos governamentais no sentido de que as atividades terão continuidade por meio de outros órgãos, é evidente que haverá perda de experiência e do conhecimento da matéria pelos funcionários nessas atividades que serão deslocados, substituídos, dispensados e, talvez, nem repostos. São exemplos de descaso e desrespeito à defesa do patrimônio social na área da saúde, do transporte e da habitação, da biodiversidade, da ciência, ao conhecimento técnico, à pesquisa científica e aos profissionais que exercem estas atividades. Trabalhos de décadas de equipes especializadas e estruturadas vão se perdendo ao sabor do viés econômico, sem fundamentação técnica e jurídica suficiente por parte do administrador público.

 

O acúmulo de conhecimentos na área da biodiversidade reunidos pelo Instituto Florestal, criado em 26 de janeiro de 1970, remonta ao século XIX, com a chegada a São Paulo do botânico sueco Alberto Löfgren, em 1874, que participou da expedição botânica que estudou a vegetação dos Estados de Minas Gerais e de São Paulo, para depois chefiar a seção de meteorologia e botânica na Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo, criada em 1886 e que serviu de embrião para a própria criação do Instituto. Nesta linha, em 2006, o governador Cláudio Lembo instituiu o Sistema Estadual de Florestas – SIEFLOR (Decreto n. 51.453, 29/12/2006), visando dar o suporte legal para a eficácia da pesquisa científica sobre biodiversidade e na gestão das florestas públicas e outras áreas naturais protegidas, em face da importância da conservação da mata atlântica, do cerrado e de outras formações vegetais naturais do Estado de São Paulo, assim como sua fauna. (Wikipedia/Instituto Florestal)

 

A página da Secretaria contém informações sobre as medidas para outorga de concessão para a iniciativa privada gerir os Parques Estaduais da Cantareira e Alberto Löfgren, audiência pública/consulta popular; projeto de concessão do Museu Florestal para a comunidade científica, desvinculando-o do Estado, revelando o propósito de delegar à atividade privada, cujo intuito é o lucro, a responsabilidade de cuidar de atividades relacionadas com a conservação e estudo do meio ambiente, sob o argumento de economia no orçamento público.

 

O questionamento sobre o desmonte progressivo de importantes políticas públicas acaba forçosamente entrando pela porta dos Tribunais, apesar de ressalvas por parte de juristas que manifestam entendimento avesso a essa possibilidade.

 

Ainda na área do meio ambiente, o desvio da finalidade de atender ao interesse público – da proteção ao meio ambiente - por meio de motivações unicamente econômicas, pode acarretar a chancela de uma forma de corrupção, a de corromper os objetivos básicos da administração pública por governos, mediante escolhas que favorecem interesses alheios ao público, passíveis de serem questionados. De forma geral, a palavra “corrupção” vem sendo utilizada pela imprensa, de forma preferencial, para representar um ato de obtenção de vantagem indevida (de dinheiro ou de bens patrimoniais) por agente público mediante uso de seu poder político. Esse tipo de acusação, de forma desviada, pode ser utilizado contra pessoas que se pretende afastar do grupo, ou que não pertençam ao grupo, interessado na tomada do poder político/econômico ou na manutenção desse domínio. Nos casos mais extremos, pode servir para ser utilizada contra os “inimigos do rei”, figura pública antiga atualmente substituída, na forma abstrata e impessoal, de domínio pelo sistema político-financeiro neoliberal, em forma de lawfare, aplicado com certo destemor contra chefes de Estado e figuras públicas em várias partes do mundo e com alguma frequência na América Latina, tema que consta em artigo meu neste blog, sob o título “Os direitos humanos e a impunidade global corporativa”. (veja aqui)

 

No entanto, a corrupção tem matizes e formas diversas de manifestação, que, lamentavelmente, não são percebidas pela grande maioria das pessoas, que se limita aos formatos que a imprensa dominante destaca e alardeia, algumas vezes com certa parcimônia, e também pela disseminação maciça de informações mentirosas (fake news) por redes sociais, sem o filtro do raciocínio crítico. Trata-se da corrupção por desvio da finalidade do interesse público, que deveria pautar a ação dos governos e da administração pública como um todo, principalmente na área dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais.

A sociedade organizada tem ciência da necessidade de exercer o controle social dos atos administrativos, nas suas várias fases e nos vários níveis de governo, por meio da participação política, apartidária ou não, através de associações e organizações não governamentais. Ao fim e ao cabo, seremos nós todos os prejudicados dessas ações governamentais, e temos o interesse difuso a proteger.

 

A motivação exclusivamente econômica nas decisões sobre questões sociais, econômicas, culturais e ambientais afronta as regras do PIDESC – Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em especial, as regras de interpretação para a aplicação de todos os demais dispositivos sobre a obrigação dos Estados-Parte: “Art. 2º. 1.Cada Estado-parte no presente Pacto compromete-se a adotar medidas, tanto por esforço próprio como pela assistência e cooperação internacionais, principalmente nos planos econômico e técnico, até o máximo de seus recursos disponíveis, que visem a assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto, incluindo, em particular, a adoção de medidas legislativas.”[i]

 

Segundo análise feita pelo Comitê do DESC – Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o espírito do Pacto reconhece a seus dispositivos o caráter de força jurídica para sua aplicação imediata pelo Estado-parte. Os critérios para a interpretação traçados pelo art. 2º, § 1º, do PIDESC constituem parâmetros a serem adotados e geram efeitos também no âmbito interno dos Estados, pelo fato de serem exigências vinculantes a serem observadas, respeitadas e adotadas pelos três Poderes do Estado e pelos entes políticos nos vários níveis.

 

Isto inclui a necessidade de observância pelos gestores na escolha de políticas públicas ou na desestruturação de alguma política pública, de diferentes formas, desde o aspecto do capital imaterial humano do funcionalismo público executor da política pública – detentor do acúmulo do conhecimento e da experiência adquiridos na sua atividade -, como o aspecto material do encerramento de órgão estatal ou instituição de pesquisa, incluindo a fusão. Essas estruturas imateriais - compreendendo o conhecimento humano, científico ou técnico, trabalhos, pesquisas, coleta de dados, armazenamento de informações, experiências - constituem um repositório imaterial que se agrega à política pública e passa a integrar seu núcleo para a ação efetiva. O desmembramento de alguma dessas atividades traz como consequência a perda da eficiência necessária para sua execução.

 

Quando se fala de compromisso do Estado “até o máximo de seus recursos disponíveis”, indica um “conteúdo quantitativo”, mas também “relativo”, pois a ideia de “máximo” está relacionada com a disponibilidade de recursos aplicados para o cumprimento dos dispositivos do Pacto. Existe a necessidade de conhecer a existência de recursos e, em caso afirmativo, a quantidade de recursos para esse cumprimento.

 

Obviamente, trata-se de questão orçamentária e de forma de aplicação dos recursos públicos em que entra a decisão da escolha de prioridades e a manifestação da vontade política de desenvolver políticas públicas adequadas pelo Estado.

 

Devido à exigência de “progressividade”, o Estado assume um “compromisso qualificado” determinado por critérios de tempo e de modo de cumprimento. Esse “modo progressivo” significa “de modo cada vez melhor”, “de modo sempre mais eficaz”. A medida de tempo vale a contar da ratificação do tratado em direção ao futuro. E essa progressividade tem caráter finalístico, com o objetivo de alcance final da “plena realização” dos direitos protegidos pelo PIDESC. E também é “qualitativo”, pois contém as qualidades de “ininterrupto, constante e sempre melhor”. Portanto, exclui-se a possibilidade de o Estado-parte agir com retrocesso com relação ao cumprimento de todos os direitos do PIDESC.

 

Para aqueles que entendem que as escolhas políticas do Poder Executivo constituem atos não vinculados, por não contrariarem alguma lei específica, o PIDESC aponta que existe uma vinculação de fim visado e de meio para seu alcance. Quando estabelece o critério “por todos os meios apropriados” significa que o compromisso assumido pelo Estado-parte envolve um sério empenho em utilizar toda a sua capacidade política e financeira para garantir os direitos protegidos pelo Pidesc. Não se trata de mera faculdade do Estado, mas, sim, de um dever em benefício de sua população e que deve regular sua relação com os demais países da comunidade internacional.

 

Por sua vez, a Constituição Federal estabelece os objetivos que devem direcionar de forma correta as decisões políticas sob o artigo 3º, que constituem os alvos a serem buscados e de norte na escolha das prioridades. Portanto, as eternas justificativas de falta de verba para políticas públicas de prestações positivas confirmadoras dos direitos sociais perdem seu conteúdo. Da mesma forma, a desestruturação de políticas públicas que têm por objetivo garantir a eficácia dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais contraria frontalmente as regras do PIDESC, considerando que essas regras de interpretação deveriam ser seguidas pelo Brasil, como Estado-parte.

 

Portanto, um gestor público não pode simplesmente tomar decisões, principalmente, suprimindo serviços públicos ou institutos de ciências tradicionalmente destinados a estudos específicos e que contam com estrutura de pesquisadores dedicados a desenvolver o conhecimento sobre determinado assunto pertinente, entre outros, à conservação do meio ambiente e de nossos recursos naturais, baseado unicamente na justificativa de busca de economia orçamentária de gastos direcionados à questão ambiental, sem esclarecer a existência de estudos realizados a respeito da eliminação dessa política pública pela substituição por outra, mais eficiente, com clara explicitação e fundamentação.

 

Não há como esquecer que a Constituição Federal incluiu o princípio da eficiência entre os princípios da Administração Pública, o que exige maior responsabilidade na escolha da motivação das decisões tomadas e na escolha das prioridades nas políticas públicas, que constituem também atos administrativos e, portanto, submetidas ao cumprimento dos princípios constitucionais.

 

O princípio da eficiência deve ser aplicado tanto aos meios utilizados para o alcance da finalidade - o interesse público - quanto aos próprios resultados, como requisito de validade do ato administrativo. A avaliação do resultado do ato implica sua submissão ao interesse público, que tem como parâmetros os objetivos fundamentais da República, a saber: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

 

Na formulação das políticas públicas, instrumentos para essa realização, o princípio constitucional da eficiência exige escolhas apropriadas para o alcance desses objetivos. Existe um “quadro de referência” claro, um limite material para as escolhas, indicadas pelo PIDESC e pela Constituição Federal, que são os objetivos da República, que, apesar de discricionárias, submetem-se a alguns limites estabelecidos. O princípio da eficiência tem sua aplicação mais apropriada exatamente aos atos considerados discricionários, pois os atos vinculados já têm seu parâmetro na própria lei.

 

Esse princípio serve para avaliação quantitativa e forma de aplicação dos recursos orçamentários, em face da verificação qualitativa das prioridades escolhidas para dar efetividade aos direitos contemplados pelo PIDESC no âmbito nacional.

 

Portanto, os atos administrativos, incluindo as políticas públicas, que pretendam regredir nas garantias dos direitos econômicos, sociais e culturais acabam violando as normas do PIDESC, ferem os objetivos fundamentais da República e agridem o princípio constitucional da eficiência. Muitas das decisões políticas poderiam ser analisadas, questionadas e revertidas perante o Judiciário à luz destas normas constitucionais e convencionais.

 

A utilização do ajuste fiscal, com base na responsabilidade fiscal, como única justificativa para decisões políticas que violem as garantias dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais, poderá constituir falta de responsabilidade social e política e passível de ser denunciada como improbidade administrativa por desrespeito aos princípios constitucionais e às normas constitucionais e convencionais.

 

A conservação da vitória-régia e respeito por sua lenda de criação deve vencer as escolhas contra o “complexo de Midas” e dar o respeito ao importante alerta representado por essa figura da mitologia grega, que pedira para Baco o poder de transformar em ouro tudo que suas mãos tocassem. Percebeu, porém, a inutilidade desse metal ao ver transformar em ouro o alimento que pretendia ingerir e sua filha a quem pretendera abraçar. O retorno ao normal de seu toque aconteceu com o contato, de todos os transformados em ouro, com a água corrente de um jarro contendo a água retirada do rio Pactolo. Adaptando para nossa realidade atual, seria a defesa da conservação de nosso meio ambiente e o contato saudável com o nosso rio Amazonas !!

 

- Marie Madeleine Hutyra de Paula Lima é advogada, membro do Conselho Fiscal do IBAP, mestre em Direito do Estado, mestre em Ciências e auditora-tributária fiscal da PMSP, aposentada.

 

[i] Lima, Marie Madeleine Hutyra de Paula. “A implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais e o princípio da eficiência”, Flávia Piovesan e Daniela Ikawa (coords.). Direitos Humanos: Fundamento, Proteção e Implementação. Curitiba: Juruá, 2007, vol 2, pp. 513-547

 

https://www.revista-pub.org/post/www-revista-pub-org-post-24022021

 

 

https://www.alainet.org/es/node/211151
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