Justiça por George Floyd: reação foi gigantesca e multirracial

01/06/2020
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Manifestantes realizaram protesto em frente à Casa Branca
Foto: Jose Luis Magana / AFP
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“Nós devemos estar indignados, mas não surpresos”. A morte de George Floyd é a última expressão desta frase quase banal agora.

 

Diferente desta vez, no entanto, foi o protesto no início da noite de terça-feira. Refiro-me aos milhares, talvez mais de cinco mil, na maior cidade de Minnesota que se reuniram pacificamente, mas decidiram descarregar sua raiva com o mais recente ultraje por parte da força policial de Minneapolis. Embora a grande mídia, não surpreendentemente, tenha se concentrado nos atos violentos de raiva no final da mobilização de massa - e desde então - a história importante, porém, é o que aconteceu três horas antes.

 

A mobilização foi um dos maiores protestos na cidade contra a brutalidade policial desde as manifestações em torno do caso de Rodney King em 1992 (trabalhador da construção civil Afro-Americano que se tornou escritor e ativista depois de sobreviver a um ato de brutalidade policial pelo Departamento de Polícia de Los Angeles.). Para um Afro-Americano da minha geração, ainda me maravilho com a composição racialmente diversificada dos protestos contra a brutalidade policial hoje, algo, praticamente ausente nos anos 1960. A ação de terça-feira, como 1992, foi em sua maioria caucasiana.

 

Um contexto diferente: a pandemia

 

Indiscutível é o contexto muito diferente, no qual as autoridades estaduais e locais sentem que têm poder para ordenar que os cidadãos fiquem em casa - a pandemia. O prefeito de Minneapolis, Jacob Frey, de fato, disse mais cedo que se os manifestantes estivessem com máscaras e “distanciados socialmente” poderiam exercer os direitos da Primeira Emenda (parte da Constituição estadounidense que afirma “O Congresso não fará nenhuma lei respeitante ao estabelecimento de uma religião, nem proibindo o livre exercício dela; nem cerceando a liberdade de expressão, ou de imprensa; ou o direito que tem o povo de reunir-se pacificamente e pedir ao governo a correção de agravos”) - como se precisássemos de sua permissão.

 

Tão impressionante quanto o protesto foi quão discreta a força policial do prefeito era. Ele claramente a tinha em rédea curta. As massas se organizaram - muitas máscaras, mas não muito “distanciamento social”. A morte de George Floyd teria feito qualquer tipo de intervenção da polícia para impor a última ordem executiva do prefeito um cenário ainda mais explosivo.

 

O que mobilizou tantas pessoas foi exatamente o que aconteceu em 1992: o comportamento desumano da polícia da classe dominante - e tudo capturado pela câmera. Desta vez, de maneira tão arrepiante, estava o policial Derek Chauvin de Minneapolis, com o joelho enfiado no pescoço de Floyd. Imagine as mandíbulas implacáveis de um guepardo segurando o pescoço de uma gazela recém-capturada. Tratado como um animal por um veterano de 19 anos da força policial de Minneapolis é como a vida de George Floyd terminou.

 

O tratamento que quase levou ao fim da vida de Rodney King provocou protestos em massa, alguns deles violentos, em todo o país. Alguns de nós sabíamos que o mesmo poderia acontecer aqui. Nós nos organizamos para garantir que o protesto em Minneapolis fosse militante, mas pacífico. Não porque fetichizamos a paz. Mas porque queríamos o maior número de pessoas nas ruas - o meio pelo qual mudanças reais já ocorreram na história.

 

Nenhum incentivo para agir de maneira diferente

 

A única solução imediata para esses atos hediondos do policial Chauvin e de seus comparsas é prender policiais que agem como eles. Enquanto as autoridades municipais estiverem dispostas a resolver tais ofensas com pagamentos às famílias das vítimas, não haverá incentivo para os Chauvins e seus facilitadores nos escritórios de promotores distritais e nas forças policiais a agirem de maneira diferente.

 

Quanto à única solução em longo prazo, considere o que o ex-chefe da polícia de Minneapolis, Tony Bouza, disse em seu livro “Police Unbound” (“Polícia sem limites”). "A origem do problema do crime e do abuso policial nos Estados Unidos é nossa estrutura de classe tacitamente aceita que separa os privilegiados dos pobres e, junto com ela, o racismo sistêmico que a sociedade como um todo ainda não está disposta a enfrentar”. Bouza, (Anthony V. Police Unbound: Corruption, Abuse and Heroism by The Boys in Blue. New York: Prometheus Books, 2001) um defensor obstinado da instituição que criticou, mas serviu – demonstra o que o lema do departamento de polícia “To Protect and Serve” (“Proteger e Servir”) realmente significa – ele foi pelo menos honesto.

 

Somente com o desmantelamento da sociedade de classes e suas inevitáveis desigualdades é possível uma solução real. Utopia? Considere - um tópico para outra discussão - o exemplo cubano que também, como os Estados Unidos, têm raízes longas na escravidão racial e todas as suas consequências, mas não suas inevitabilidades.

 

Há uma semana, participei alegremente, juntamente com outros 200 manifestantes, da ação da Minnesota Nurses Association perto do Capitólio de Minnesota para exigir mais proteção para seus membros. O protesto no início da noite de terça-feira no sul de Minneapolis foi qualitativamente diferente. As milhares de pessoas que haviam se instalado nos arredores do Capitólio por mais de dois meses necessitavam de desabafar, muitos desobedientemente - a maior ação progressiva até agora em qualquer lugar dos Estados Unidos durante o bloqueio pandêmico sancionado pelo Estado.

 

Tendo participado em mais de quatro décadas de marchas contra a brutalidade policial, a de terça-feira, eu argumento, foi de uma importância sem igual. Protestos em massa no meio do flagelo da gripe de 1918-1919, inclusive aqui em Minnesota, ensinam que a luta de classes não desaparece em uma pandemia. Minneapolis, 26 de maio de 2020, confirma essa verdade.

 

- August H. Nimtz Jr. Professor de Ciências Políticas. Leciona também sobre Estudos Africanos e Afro-Americanos. Foi premiado com o título de Ensino Distinto, da Universidade de Minnesota. É autor de diversas obras. 

 

Tradução: Mario Soares Neto – Advogado, Professor e Pesquisador. Integrante do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia – PPGD/UFBA.

 

Edição: Lucas Weber

 

https://www.brasildefato.com.br/2020/05/31/artigo-foi-muito-importante-que-a-reacao-tenha-sido-gigantesca-e-multirracial

 

 

 

https://www.alainet.org/es/node/206907
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