Marxismo cultural, ideologia de gênero, ‘feminazis’…

A política europeia influenciada por “cristãos” ultraconservadoras dos EUA

16/07/2019
  • Español
  • English
  • Français
  • Deutsch
  • Português
  • Opinión
protestas.jpg
Protesta contra a extrema direita na Espanha
Foto: Fotomovimento
-A +A

O fundamentalismo europeu une contestadores da mudança climática, ativistasantiaborto, ativistas anti-LGBT em ataques contra o papa ‘liberal’ e, até, uma retórica contra o estado de bem-estar social.

 

Você conhece algum país em que a estratégia da extrema direita começou por influenciaras eleições, os tribunais, a educação e os sistemas de saúde, bem como os formuladores de políticas e a opinião pública, e terminou por tomar o poder?

 

Sabemos hoje, com clareza, que vários dos ocupantes de postos de poder no Brasil hoje foram formados e financiados por grupos criados, aqui e no exterior, com o objetivo de bloquear e fazer retroceder direitos sociais, além de advogar por uma liberdade específica: de empreender. Em outros termos, os treinados e financiados acabam por comungar a “cosmovisão economicamente libertária, mas socialmente conservadora”.

 

O que talvez desconheçamos é que há, também, uma grande influência de associações “cristãs” ultraconservadoras dos Estados Unidos sobre lideranças e eleitores europeus. Esse foi o tema que a plataforma de mídia independente openDemocracy abordou em uma profunda investigação recém-divulgada.

 

Foi uma grande surpresa descobrir uma bancada BBB na Europa. Diferentemente da nossa, formada por Boi, Bala e Bíblia, a dos europeus é por ‘Brexit, Bible e Borders’. O primeiro, Brexit, é o movimento pela saída da Grã-Bretanha da União Europeia, que venceu o plebiscito em condições, no mínimo, estranhas de manipulação de informações e uso das mídias sociais para “influir” em posicionamento político. A porção Bíblia, lá como cá, é reflexo de um conservadorismo radical de direita, corporificado nas pautas anti-LGBTs e contra a emancipação feminina. Por fim, as Fronteiras têm o significado de que o inimigo, a razão de todos os males, é o imigrante e, portanto, para “Fazer a Europa Grande Novamente” é preciso fechá-las.

 

Apresentamos na sequência alguns trechos que traduzimos da matéria “O caixa doisnnorte-americano por trás da extrema direita europeia’, para o openDemocracy:

 

Marine le Pen na França, Viktor Orbán na Hungria e Matteo Salvini na Itália

 

“Junto com Marine le Pen na França, líder do partido Frente Nacional ((agora renomeadocomo Rassemblement national – partido Reunião Nacional), o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, e outros, Salvini está liderando um surpreendente ressurgimento da extrema direita da Europa. Em todo o continente, as mensagens desses populistas de direita estão cada vez mais engenhosas, suas máquinas partidárias são disciplinadas e suas políticas foram cuidadosamente elaboradas para atrair uma gama mais ampla de eleitores.”

 

Salvar” as “raízes judaico-cristãs” da Europa

 

“ ’É um sinal de uma Europa que mudou’, proclamou Salvini em uma conferência de imprensa triunfante em Milão, pouco depois do fechamento das pesquisas. Segurando um rosário, beijando um crucifixo e agradecendo ao ‘Imaculado Coração de Maria’, ele proclamou que está na hora de ‘salvar’ as ‘raízes judaico-cristãs’ da Europa. Na Hungria, seu aliado Orbán - autoproclamado defensor da democracia iliberal - saudou ‘uma nova era na política europeia’.”

 

Influenciar eleições, tribunais, escolas…

 

“Esses movimentos não surgiram da noite para o dia, nem desaparecerão tão cedo. Desde meados de 2016, em conjunto com colegas do site openDemocracy, acompanhamos o crescimento dos movimentos nativistas [política que privilegia os habitantes nativos em oposição aos imigrantes] da Europa, desde a campanha Brexit, até o crescente domínio de Orbán sobre o poder na Hungria, até as redes transnacionais que buscam bloquear ou reverter direitos das mulheres e de LGBTs. A estratégia deles começa por influenciar as eleições, os tribunais, a educação e os sistemas de saúde, bem como os formuladores de políticas e a opinião pública, e termina por tomar o poder.”

 

Ignacio Arsuaga do CitizenGo da Espanha

 

“Um dos oradores mais eficazes foi Ignacio Arsuaga, líder do grupo CitizenGo, com sede em Madri. Fundada em 2013, depois de um Congresso Mundial das Famílias (WCF na sigla em inglês) anterior na Espanha, a CitizenGo tinha a intenção de atuar como uma resposta conservadora às gigantescas plataformas de campanha progressistas on-line, como Avaaz e Change.org. A organização da Arsuaga é mais conhecida por suas petições on-line contra casamento entre pessoas do mesmo sexo, educação sexual e aborto - e por dirigir ônibus em cidades do mundo inteiro com slogans publicitários contra direitos LGBT e ‘feminazis’.”

 

“Do palco, Arsuaga protestou contra ‘herdeiros do [líder comunista italiano Antonio] Gramsci, marxistas culturais… feministas radicais… totalitários LGBT’. Ele declarou que ‘essa guerra cultural é uma guerra global’, e disse aos participantes reunidos para buscarem ambos os caminhos diretos para o poder, via ‘festas e representantes eleitos’, bem como caminhos indiretos - ‘controlando o ambiente… você também os controla’.”

 

A surpreendente velocidade de crescimento dos partidos nacionalistas de direita na Europa

 

“Para aqueles europeus que gostam de ver o seu continente como o mundo mais secular e socialmente liberal, estes são desenvolvimentos preocupantes. Não é surpresa, talvez, que os países europeus sejam capazes de produzir movimentos nacionalistas de direita, mas é surpreendente a rapidez com que esses novos partidos cresceram e forçaram sua entrada no mainstream eleitoral - e é impressionante ver quantos estão adotando abertamente retórica religiosa e socialmente conservadora.”

 

Declaração de Manhattan

 

“Essa tríade de ‘vida, família e liberdade’ foi consagrada na Declaração de Manhattan, um manifesto escrito há quase uma década por ativistas americanos da direita religiosa. Signatários incluindo líderes ortodoxos, evangélicos e católicos comprometeram-se a agir em uníssono e determinaram que ‘nenhum poder na Terra, seja cultural ou político, nos intimidará para o silêncio ou a aquiescência’.”

 

Vox, o partido de extrema direita espanhol e o partido Lei e Justiça da Polônia

 

“Hoje, essa coalizão assumiu um tom decididamente transatlântico. Muitos dos líderes de extrema direita da Europa falam abertamente sobre a defesa da ‘Europa cristã’. Orbán acrescentou esta mensagem ao recente manifesto eleitoral europeu do seu partido, e Salvini frequentemente ataca a ‘ideologia de gênero’. Vox, o primeiro partido de extrema direita a ganhar assentos na Espanha Parlamento desde a ditadura de Franco, prometeu reverter as leis que punem a violência ligada a questões de gênero. O partido Lei e Justiça da Polônia está pressionando para proibir o aborto e estabelecer limites restritivos ao acesso das mulheres à contracepção.”

 

Os fluxos financeiros

 

“Parte da explicação para esse aumento, no entanto, tornou-se mais clara para nós quando começamos a rastrear os fluxos financeiros internacionais ligados a muitos dos grupos conservadores cristãos mais poderosos dos Estados Unidos. Vários dos ativistas norte-americanos que assinaram a Declaração de Manhattan, desde então, fizeram inúmeras viagens através do Atlântico, acompanhados de uma grande quantidade de dinheiro para apoiar seus esforços.”

 

Poderosos críticos ao Papa Francisco

 

“Outro dos grupos norte-americanos que descobrimos que gastam dinheiro na Europa é o Instituto Acton. Com sede em Grand Rapids, Michigan, ele casa o liberalismo econômico com uma agenda social cristã conservadora. Seus documentos do fisco revelam que o grupo gastou pelo menos US$ 1,7 milhão desde 2008 na Europa, onde mantém um escritório em Roma e é ligado a poderosos críticos do Papa Francisco, inclusive através de outro polêmico think tank, o Dignitatis Humanae Institute, do qual o ex-estrategista de Trump, Steve Bannon, é um patrono.”

 

Contestadores da mudança climática, antiaborto, anti-LGBT, contra o Papa, contra o estado de bem-estar social…

 

“O fundador da Acton, Robert Sirico, disse que o escritório de Roma havia participado desse processo sem o seu conhecimento, e que ele o instruiu a se distanciar de Dignitatis e Bannon. Mas a controvérsia em torno do envolvimento de Bannon deixa de abordar o ponto mais significativo sobre o trabalho de Acton. O think tank tem uma missão explícita de conjugar e apoiar valores do capitalismo de livre mercado e do conservadorismo social.”

 

“Diferentemente dos EUA, na Europa, essa mistura de fundamentalismos muitas vezes contraditórios é um fenômeno relativamente novo, mas é uma aliança que consegue unir contestadores da mudança climática, ativistas antiaborto e ativistas anti-LGBT em ataques contra o papa ‘liberal’, por exemplo.”

 

“Também explica o aumento da retórica contra o estado de bem-estar social que ouvimos no Congresso Mundial das Famílias, uma cúpula ultraconservadora cada vez mais influente, realizada este ano em Verona, onde um palestrante afirmou que ‘o único estado de bem-estar social que funciona na Itália é a família’. Esse tipo de retórica está ganhando força em lugares como a Itália e a Espanha, onde esses sistemas de benefícios e direitos há muito são populares e fortes.”

 

A direita radical populista tornou-se a corrente em voga

 

“Embora os partidos de extrema-direita da Europa tenham ficado bem aquém das previsões de que eles redesenhariam o mapa do poder político europeu, por conta de desempenho ruim na Alemanha, Holanda e Dinamarca, obtiveram ganhos significativos - especialmente na Itália, Hungria e França. ‘Em vez de uma vitória para a democracia’, concluiu o acadêmico holandês Cas Mudde, as eleições europeias mostraram como o populismo, e particularmente ‘a direita radical populista’, se tornou ‘a corrente em voga e normalizada’.

 

Brexit, a Bíblia e Borders” (as fronteiras) poderiam “tornar a Europa grande novamente”

 

“Na conferência do Congresso Mundial das Famílias, em Verona, na véspera dessas eleições, o clima foi tomado por júbilo. ‘É ótimo estar entre um grupo de radicais de extrema-direita’, brincou o escritor conservador cristão e personalidade do YouTube, Steve Turley. Proclamando um ‘despertar’, da América de Trump à Índia de Modi, Turley previu que os conservadores religiosos logo superariam os ‘secularistas’ - simplesmente por superá-los na geração filhos.”

 

“Outro americano, um advogado do Missouri e ativista republicano chamado Ed Marton, coautor de um livro chamado The Conservative Case for Trump, chegou ao pódio com um chapéu MAGA (Make America Great Again – Faça a América Grande de Novo) e proclamou que ‘Brexit, a Bíblia e as fronteiras’ poderiam ‘tornar a Europa grande novamente’.”

 

Fortes protestos em Verona

 

“Mas nem tudo sairá como o desejado para Marton e seus colegas. Pela primeira vez na reunião do Congresso Mundial das Famílias (WCF na sigla em inglês), as multidões que protestavam do lado de fora eram muito maiores do que a plateia do lado de dentro. Mais de 30.000 manifestantes tomaram conta de Verona depois que o grupo feminista Non Una di Meno, inspirado pelo movimento pioneiro argentino Ni Una Menos (‘Nem Uma a Menos’), convocou uma manifestação. As pessoas viajaram de toda a Itália e até da Bielorrússia, da Espanha, da Croácia e da Grã-Bretanha para participar.”

 

- Cesar Locatelli é economista e mestre em economia.

 

15 de julho de 2019

https://www.brasil247.com/blog/marxismo-cultural-ideologia-de-genero-feminazis-a-politica-europeia-influenciada-por-cristaos-ultraconservadoras-dos-eua

 

https://www.alainet.org/es/node/201010
Suscribirse a America Latina en Movimiento - RSS