Defender e aprofundar a democracia

27/09/2018
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A direita civil brasileira rompeu seus compromissos com a democracia ao questionar os resultados das urnas de 2014, conspirar e executar o golpe de Estado que resultou no impedimento da presidenta eleita, Dilma Rousseff, em 2016, para impor ao país a agenda neoliberal. Não foi capaz de oferecer ao país um nome para disputar as eleições de 2018. Chega cambaleante, às vésperas do pleito hegemonizada pela candidatura fascista da extrema-direita. Meteu-se num beco sem saída institucional à vista.

 

Nos últimos dias diversos setores sociais e forças políticas de diferentes matizes vêm se mobilizando para explicitar a necessidade de defender a democracia no Brasil. O que nos leva a crer que se amplia na sociedade a percepção de que ela, a democracia, e a própria sociedade se encontram sob ameaça.

 

Num pleito eleitoral vertiginoso – que foge a qualquer parâmetro anterior – se multiplicam os sinais que justificam a crescente mobilização em defesa do regime democrático, do respeito à soberania popular e aos resultados das urnas.

 

As declarações do comandante do Exército advertindo o país de que os resultados das urnas podem ser contestados, provocou um silêncio ensurdecedor do Palácio do Planalto. Numa casa habitada por fantasmas, sem qualquer resquício de autoridade, o governo golpista não emitiu uma linha sequer de advertência ao general pela interferência indevida no processo político.

 

Desde o leito do hospital, o ex-capitão candidato a presidente reforçou a advertência do comandante afirmando que as urnas eletrônicas podem ser fraudadas. Nesse caso o presidente da Suprema Corte fez um favor ao país: lembrou-nos a todos que nos últimos 28 anos o próprio capitão foi eleito e reeleito para o parlamento em pleitos que utilizaram essas mesmas urnas.

 

E, por último, mas não menos importante, seu vice, um general de opereta que já encontrou seu lugar no folclore político do Brasil pós-golpe, diagnosticou solenemente que o melhor caminho para o país é uma nova Constituição feita por notáveis, dispensável, portanto, a representação popular.

 

Num disputa que evolui em grande velocidade, com as forças de centro-esquerda liderando a luta contra o fascismo, os fatos apontam para a necessidade de vertebrar uma Frente Popular Antifascista, já no segundo turno, liderada por Haddad-Manuela, Ciro e Boulos, os partidos, os movimentos sociais dos trabalhadores, o movimento sindical, as universidades, os centros de estudo e pesquisa, as igrejas progressistas, a mídia democrática, os ”blogueiros sujos”, intelectuais, artistas e personalidades públicas para afirmar a democracia contra a barbárie do programa neoliberal imposto pelos golpistas e na defesa de um programa de retomada do crescimento com distribuição de renda.

 

Defender a democracia contra o fascismo e aprofundá-la significa ampliar em todos os níveis a participação popular nas decisões sobre os destinos do país. Significa tornar a democracia um substantivo presente no cotidiano das pessoas. Esse compromisso de cidadania e o investimento contínuo em educação são as chaves para o pleno exercício da soberania popular e do reencontro do Brasil consigo mesmo, como nação soberana.

 

A derrota do fascismo se desenha no horizonte. Nesses breves dias o povo brasileiro percorrerá um labirinto repleto de armadilhas. Se alcançar a vitória vai expor seu repúdio ao governo ilegítimo e desmoralizará o programa neoliberal que os golpistas tentam impor ao país, numa operação avassaladora em todas as frentes contra os direitos sociais e pelo saque aos recursos naturais do país, particularmente o petróleo, desde 2016.

 

É necessário, portanto, materializar a Frente Popular Antifascista como suporte de massas a um novo programa, inspirado por Lula, de retomada do desenvolvimento com distribuição de renda e inclusão social capaz de equacionar, em novas bases sociais, políticas, econômicas e culturais o ciclo virtuoso que marcou a história do Brasil na primeira década do século 21.

 

A direita brasileira trata a democracia historicamente de maneira instrumental. Democracia, bem... depende da ocasião. Democracia, desde que não se toque nos privilégios de classe ou de casta. Com os pobres e os negros conhecendo bem o seu lugar... Democracia representativa funciona desde que os parlamentares estejam a serviço dos interesses do topo da pirâmide. Se não se enquadram, fecha o parlamento e impõe-se ao país pelo controle que mantém sobre o aparelho do Estado, pelo medo ou, quando julgar necessário, pela força das armas, sem subterfúgios.

 

Nesse momento da história em que a democracia liberal representativa apresenta claros sinais de disfuncionalidade com relação aos interesses da acumulação do capital, ele opera – mesmo nos países centrais – a substituição do cidadão, detentor do voto, pelo lobby, legalizado ou não, das empresas que financiaram a eleição do parlamentar, executivo ou pretendem financiar sua reeleição. Corrompe-se aí o princípio fundador da representação: o vínculo entre a vontade do cidadão-eleitor e a ação do eleito. Ao introduzir essa mediação, destrói o controle social – democrático porque originário do voto popular – e o substitui pelo controle privado do capital que passa a financiar o mandato. Resultado: produz uma inevitável erosão na legitimidade da ação parlamentar ou executiva, como vimos há algum tempo em manifestações de massa na Argentina “Que se vayan todos!” e no Brasil “Não me representa!”

 

A crise de legitimidade do sistema de representação da democracia liberal parlamentar propõe um grave desafio às esquerdas: como devolver aos indivíduos pulverizados na solidão dos seus smartphones mas conectados “on line” a tudo que ocorre, a capacidade de intervir de modo eficaz nos assuntos – e nas decisões – públicos? Em uma linha: como equacionar a participação popular na sociedade contemporânea para a ação coletiva, cidadã?

 

O processo eleitoral em curso no Brasil, pode significar um daqueles momentos de virada histórica para o continente – e em alguma medida para o mundo – no que diz respeito à ofensiva neoliberal no plano da economia e aqui, enverga o discurso do fascismo, na política. Não há dúvida, o ex-capitão contribui, com seu perfil caricatural e paradigmático, para demarcar didaticamente os campos da barbárie e da civilização. O elogio permanente da violência fascista tem sido tão agressivo contra os mais elementares critérios de convívio civilizado, que constrange mesmo os setores sociais e políticos empenhados em levar adiante a agenda neoliberal do golpe de 2016. Ninguém com um mínimo de informação e sensibilidade escapa ao apelo do #Ele não!

 

Merece atenção a emergência explosiva dos movimentos femininos e feministas nos últimos dias que “viralizou“ o #Elenão, inicialmente nas redes sociais e imediatamente se impôs como fato político relevante na campanha sensibilizando setores representativos de um eleitorado que representa mais da metade dos votantes.

 

Incorpora, esse movimento que mobiliza milhões de mulheres, uma agenda à flor da pele – a violência contra a mulher – num país que se destaca pela brutalidade das relações entre os sexos e nas estatísticas de feminicídios. Aí está uma agenda indispensável para aproximar o Brasil patriarcal e machista – encarnado pelo ex-capitão – para a prática de relações minimamente civilizadas que o mundo contemporâneo exige.

 

Essa iniciativa auspiciosa dos movimentos femininos e feministas abre espaço para uma agenda mais ampla de combate ao fascismo no Brasil nos próximos anos: a pauta da defesa dos Direitos Humanos.

 

Num país conflagrado, com a metrópole que um dia foi a vitrine que oferecia a imagem do paraíso tropical para o mundo, sob intervenção militar há sete meses; com uma das maiores populações carcerárias do planeta; com 63 mil homicídios por ano, a maioria de jovens, negros, moradores das periferias das grandes cidades, a Agenda de Defesa dos Direitos Humanos deve se tornar um instrumento central de educação política da sociedade, de identificação do “fascismo social”, tal como o diagnosticou Boaventura de Souza Santos, e não apenas como um fenômeno político passageiro, de combate ao discurso da violência como forma de solucionar os conflitos humanos e pela construção de uma cultura de paz.

 

- Pedro Tierra (Hamilton Pereira), é poeta. Ex-presidente da Fundação Perseu Abramo.

 

26/09/2018

https://fpabramo.org.br/2018/09/26/defender-e-aprofundar-democracia/

 

https://www.alainet.org/es/node/195573
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