Delação premiada não é prova

30/06/2017
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Gravura de 1682, “Autos da Fé” da Inquisição em Lisboa (Portugal).
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Ao contrário do que muitos pensam, o instituto da “colaboração premiada”, incorretamente chamado de delação premiada, não constitui prova, mas tão somente um “negócio jurídico processual”, que confere ao signatário vantagens potenciais na redução ou modificação da pena pena, caso os elementos trazidos ao mundo jurídico permitam a produção de provas consistentes para desbaratar organizações criminosas, conforme dispõe expressamente § 16, do art.  4º, da Lei 12.850/2013.

 

Desta forma, quando o julgamento é realizado exclusivamente com base no conteúdo das delações, sem nenhum elemento probatório que lhe dê sustentação, torna-se ato nulo de pleno direito, conforme entendimento consolidado dos Tribunais Superiores, como no exemplo do Acórdão do STF no Habeas Corpus nº 127483, originado de decisão proferida por juízo do Estado do Paraná.

 

Sendo assim, não causa nenhuma surpresa a absolvição do tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por absoluta falta de provas, contrariando posição do juiz federal Sérgio Moro. Aliás, o TRF nada mais fez do que observar algo que já estamos alertando há algum tempo, que é o uso inadequado do instituto da colaboração premiada em processos judiciais mal fundamentados que ofendem a base da Carta Constitucional de 1988 e princípios fundamentais do direito penal, como a presunção da inocência.

 

Desde a sua criação, durante a Lei Seca nos Estados Unidos, o instituto da colaboração premiado tem o seu uso amplamente questionado no meio jurídico em razão dos abusos e da fragilidade processual que promove, na medida em que a sua aplicação tem se confundido com o abuso de poder por parte de órgãos responsáveis pela investigação criminal e na condenação de pessoas que, mais tarde, são inocentadas. Vaccari é apenas mais uma das centenas de vítimas do uso inadequado da delação/colaboração, muito embora o seu caso ganhe relevo pela dimensão midiática da investigação e pelo fato de estar preso, novamente de forma injustificada, de por meio de decisão cautelar, desde abril de 2015.

 

Ao contrário de muitos julgados que temos acompanhado nos últimos anos, o direito penal é regrado, no mundo inteiro, pela predominância do princípio da verdade real. O juízo probatório deve ser rigoro e extensivo, não podendo haver dúvidas quanto à culpa do réu/acusado. Ninguém pode ser condenado por meio de ilações literárias ou pela vontade do julgador. São necessárias provas cabais e definitivas. Quando tais provas não existem, mesmo que isto contrarie a vontade de setores da opinião pública, é dever dos magistrados declarar a inocência.

 

Sendo assim, resta evidente que a eventual delação, quando não amparada em provas substanciais, sendo utilizada como fundamento exclusivo de condenação, reverte em dano à imagem do condenado. Dano que, por sinal, muitas vezes é irreparável. Nestes casos, indubitavelmente, a vítima da ação abusiva do estado deve buscar reparação moral e material.

 

Sandro Ari Andrade de Miranda, advogado, mestre em ciências sociais.

 

https://sustentabilidadeedemocracia.wordpress.com/2017/06/30/delacao-premiada-nao-e-prova/

https://www.alainet.org/es/node/186505
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