Anotações sobre a contrarrevolução conservadora

18/03/2016
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As manifestações de domingo (13/02) apontam que, nos termos do cientista político Leonardo Avritzer, a democracia brasileira encontra-se em um impasse. Se as manifestações de domingo mostram que a classe média enfrenta uma relação de esgotamento em sua relação com o Partido dos Trabalhadores, mostra também a fragilidade do Presidencialismo de Coalização. A tese de Avritzer, desenvolvida em “Impasses da democracia no Brasil”(Civilização Brasileira, 2016), mostra que desde 15 de março de 2015, a Presidenta tem enfrentado desgaste num movimento que retrocede a junho de 2013 e onde as negociações do Presidencialismo de Coalização mostram o seu preço.

 

Curiosamente, a mídia tradicional, e portanto direitista, não critica o papel que o PMDB tem na produção da instabilidade do governo. Como é possível a Presidente Dilma garantir governabilidade quando a produção da instabilidade parte daqueles que teriam por obrigação oferecer seu apoio? Há muito tempo, setores “puros” do Partido dos Trabalhadores e simpatizantes – eu entre eles – apontam que o PT só se envolveu em escândalos de corrupção porque desesperadamente buscou estabilizar sua coalização política. O que Avritzer chama a atenção é que a sociedade não vê a peemedebização da administração, a ocupação de cargos e nichos de poder pelo PMDB, modo do partido que se agudizou desde 2013. Ninguém sobrevive ao vale-tudo de cargos no governo. Nesse sentido, o problema da democracia brasileira não seria o PT, mas o PMDB.

 

Será o PMDB capaz de rearticular o quadro político? Com Michel Temer, o vice-presidente, acuado por um partido que sonha em voltar a oposição (oposição?) e Eduardo Cunha, na Câmara dos Deputados, o futuro não parece promissor. O PMDB, que foi o responsável Constituição Cidadã, com Ulisses Guimarães, foi reduzido a hegemonia do seu centro conservador. Quer dizer, com o PT, nem com o PMDB, há uma saída à vista. A ideia de nomear Lula como Ministro, em face da ameaça de obstrução da justiça, me lembra o conto do filósofo Jean Baudrillard sobre Samarcade: assustado com o encontro com a Morte, o peregrino foge para a cidade de Samarcade. E diz a Morte: que se passa com ele? Só vou encontra-lo amanhã em Samarcade?! Não é exatamente o que pode estar acontecendo com a Presidente, que, em busca de uma fuga para Lula, aprofundar a situação de crise?

 

Avritzer lembra que entre 1964 e 2013, a direita havia renunciado a mobilização popular no Brasil. Nos anos 80, quem foi as ruas e mobilizou foi a esquerda, protagonizados por um PT e um Lula carismático (greves do ABC, etc). Mas as manifestações de 2013 já viam emergir a agenda conservadora relacionada a questões morais que só foram crescendo, superando as manifestações do campo histórico democrático e elegendo o pior Congresso da História. Por esta razão, a questão de descrever a agenda dos movimentos é tão importante quanto a questão de quem é que estabelece o campo de conflito da mobilização. Diz Avritzer: ”é importante apontar para a seletividade das manifestações contra a corrupção, que insistem em colocar o Executivo no centro de um escândalo que atinge mais de 10% dos membros do Congresso Nacional”(p.128).

 

O que vimos no domingo foi a eclosão da contrarrevolução conservadora, capitaneada por uma classe média que ocupa as ruas e o complexo midiático. Porque a mobilização das forças de esquerda, do jeito que está, se não apresentarem uma agenda progressista em relação a corrupção de forma rápida e eficaz, perderão o lugar de “capitão do navio” da democracia brasileira. Ora, o que a classe média não vê e a mídia hegemônica não divulga é que foi durante os governos do PT que foi criada a forte institucionalidade de combate a corrupção, que passou pela reforma administrativa da Policia Federal, com a ampliação de seus delegados e a integralização das operações entre Ministério Público e Receita Federal, que, no entanto, foram incapazes de serem vistas pela sociedade como medidas do governo petista.

 

O dilema de Dilma é portanto, muito maior do que a salvação de seu criador, Lula. O seu dilema é produzir governabilidade ou retomar o ideal do partido de intransigência em questões de corrupção. Que decisão ela tomará? Os protestos de domingo, ainda que tenha havido manifestações de esquerda, estas foram infinitamente menores que as de direita, e nesse sentido, apontam para uma vitória das forças conservadoras. Quer dizer, nem Dilma, nem Lula, tem poder para colocar suas militâncias nas ruas. Conseguiriam chamar então as classes pobres?

 

O problema, aponta Avritzer, é que a pauta da corrupção, ao invés de sugerir aprimoramentos para ações do governo, passa a ser combustível para outros partidos contra o governo. Por razões suspeitas, disputas tradicionais por cargos ou quaisquer outros motivos pessoais, ataques contínuos ao governo podem aprofundar a instabilidade institucional. Não é o que se viu com a descrição da narração de Delcídio do Amaral (PT) em relação aos seus companheiros de partido no último dia 14?. Como conseguiremos amadurecimento institucional quando a ação decisiva é seletiva? Finaliza Avritzer: ”A saída dos impasses da democracia implica punir culpados de casos graves de corrupção sem partidarizar suas ações ou estabelecer falsos contrastes sobre quem recorre ao financiamento ilegal de campanha”. A esquerda precisa corta na carne, seja qual ela for.

 

Não se menospreze o papel da mídia conservadora no processo: amplificando a agenda da classe média conservadora, demonizando atores políticos de esquerda e não de direita, influenciando decisões do Ministério Público ou do STF, agora fascinados pelo novo status e glamour, enfraquece-se a democracia conquistada nos últimos 30 anos. Nunca fomos a sociedade cordial de Sergio Buarque de Holanda, mas o PT foi responsável pela aproximação de brancos e negros, ricos e pobres, religiosos e outros grupos, como aponta Avritzer. Seu papel histórico foi evidente, daí a responsabilidade de suas lideranças. Elas devem lutar pelo retorno dos ideais do partido e da política, lutar pela produção de consensos legais e procedimentais nos processos de acusação e romper a ignorância da multidão que se manifesta nas ruas reivindicando a volta da ditadura. As formas de intolerância estão se tornando a nova moeda de expressão coletiva no espaço público.

 

 

Jorge Barcellos é doutor em educação.

 

18/mar/2016

http://www.sul21.com.br/jornal/anotacoes-sobre-a-contrarrevolucao-conservadora-por-jorge-barcellos/

https://www.alainet.org/es/node/176159
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