De volta à ciranda financeira

18/01/2016
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Entra governo, sai governo, muda ministros e nada de novo ou criativo acontece. Testemunha-se que, na realidade, simplesmente não há governo. Estamos sob a ditadura do capital financeiro e do pensamento único. Em outras palavras, o poder não está no governo. Onde está?

 

Nos dias de hoje vive-se realmente uma transição na economia, não por disposição ou vontade dos governantes mas pelo início de um novo ciclo no país dominado pelo capitalismo transnacional. Voltamos ao ciclo da ciranda financeira, aquele que privilegia a especulação financeira. No governo apenas incompetência e perplexidade.

 

O país é peça muito importante nesse cassino global pois é o país que paga as mais altas taxas de juros do mundo. Recorde-se que os Estados Unidos tinham praticamente zerado suas taxas de juros e hoje começa a reverter isso, já oferece uma taxa razoável, tudo para melhor adequar-se ao novo ciclo.

 

Esse novo ciclo decorre da crise, ou esgotamento, do ciclo anterior, o ciclo das commodities. Acabou-se a euforia e os preços das matérias primas, particularmente grãos, minérios e petróleo, despencaram. Esse ciclo das commodities por sua vez teve início quando da quebradeira geral dos grandes bancos e financeiras que durante anos se locupletaram na especulação financeira.

 

Ajuda a entender isso a movimentação do mega especulador George Soros. No auge de sua fase especulativa era ele, através de seus agentes, quem realmente traçava as linhas seguidas pelo comando da economia e das finanças num país como o Brasil. Inseguro no cassino diante da quebra geral dos bancos e financeiras ele veio para o Brasil e passou a investir maciçamente nas commodities. Claro que foi acompanhado pelos grandes formadores de capital, os fundos e a banca e os grandes conglomerados transnacionais.

 

Impressionante o volume de terras compradas e o volume de produtos primários exportados. O pior é que sem nenhum controle. No auge, ganharam muito, mas muito dinheiro. Para onde foi esse dinheiro? Melhor seria perguntar, para onde não foi esse dinheiro? O certo é que não foi para servir ao Estado e a Nação. Os poucos recursos que sobram para o Estado mal dá para pagar os gastos correntes. A maior parte vai para remunerar os especuladores daqui e do exterior. Em 2015, por exemplo, Dilma fez um corte de 80 bilhões de reais nos gastos para garantir o ajuste fiscal exigido pelo mercado ao mesmo tempo que esse mercado abocanhava nada menos que mais que um trilhão de reais em juros e amortização da dívida. Dívida pública que não para de crescer que já 016 alcançou 2.6 trilhões de reais em 2016. Há que acrescentar que esse dinheiro também tem ajudado na compra e fusão de empresas aumentando a concentração de poder e descapitalização brasileira e latino-americana, pois tudo o que ocorre aqui é paradigmático da conjuntura continental.

 

De repente os preços das commodities despencam. Claro. Tudo sem planejamento e a revelia das necessidades das nações e dos estados, tudo ao sabor da especulação financeira.  Em 2015, por exemplo, já havia 83 mega usinas de açúcar e álcool fechadas e outras 70 em regime de insolvência. A dinheirama acumulada precisa ter um destino. Entramos então na fase de retorno aos anos de ouro da especulação.

 

Na Argentina, com o governo capturado pelos agentes do capital (FMI, Banco Mundial, Casa Branca) está ocorrendo o retrocesso ao menemismo, às lambanças de Menem que tal como Fernando Henrique Cardoso desmantelou a estrutura produtiva e a infraestrutura do país para impor a ditadura do capital financeiro. Em resumo, desmontagem do Estado e financeirização da economia. Macri foi claro, não deixou nenhuma duvida com os decretos que firmou em seus primeiros dias na presidência.

 

No Brasil a coisa parece que se dá a revelia do governo. Mais parece é que esse governo está na lua, completamente fora da realidade, ou navegando à deriva, ao sabor das ondas e dos ventos. Para onde nos levarão?

 

Tudo isso ocorre por falta de um projeto nacional, por ausência de uma proposta de governo autônomo, ou por falta de coragem política para por em prática políticas contrárias à ditadura do capital financeiro. Perplexidade e incompetência diante do pensamento único imposto pelos porta-vozes do sistema de dominação, a grande mídia escrita e eletrônica.

 

É de rir quando dizem que a crise ou o desgoverno é coisa do PT ou de Lula ou de Dilma. Essa situação de um país prisioneira da ditadura do capital financeiro se arrasta desde os governos de Fernando Collor ou Fernando Henrique e teve início com a captura do Estado conseguida com o golpe de 1 de abril de 1964.

 

De Fernando Henrique nada se podia esperar pois sabidamente era um agente a disposição dos propósitos do Império. A história o condenará. Seus seguidores ou herdeiros no PSDB tampouco têm propostas que modifiquem o status quo.

 

O PT simplesmente perdeu a oportunidade de poder governar. Perdeu com Lula e depois com Dilma a oportunidade de mudar de rumo, de assumir o controle do poder com apoio popular e executar um projeto de desenvolvimento. Covardemente (ou premeditadamente) preferiu entregar (ou deixar) o comando nas mãos dos mesmos. A Carta aos Brasileiros foi a capitulação do PT como partido de trabalhadores, com bandeiras socialistas e integracionistas. Tornou-se o governo da mesmice, apenas com algumas nuances que lhe davam uma aparência de governar para o povo. Dilma também preferiu ficar com o mesmo.

 

Note-se, com atenção, que a oposição em nenhum momento contesta a linha do governo, não apresenta nenhuma proposta sobre como conduzir a economia. É pura disputa do poder pelo poder, pelas benesses do poder já que na realidade quem manda sabemos quem realmente é.

 

Vai ser cada vez mais difícil reverter o caminho imposto por essa ditadura ao Brasil. A destruição do parque industrial e a concentração da propriedade só avança.

 

Para livrar-se dessa ditadura o país precisa de um projeto. Uma ampla frente política e social em torno de um projeto de salvação nacional, de recuperação da soberania. Principalmente isso: soberania. Recuperar a capacidade de decisão para os brasileiros, ter o estado e o governo a serviço da nação.

 

Frente e Movimento. Isso não é nenhuma invenção nova. É o que estão buscando construir na Espanha e em Portugal, ao que parece inspirados na Bolívia de Evo Morales. Brizola já queria isso quando propunha os Grupo de Onze. Ha que criar algo de novo e os lideres, sem d/vida, surgirão no processo. E já há algumas cabeças pensantes defendendo que é preciso recuperar a soberania e ter um projeto que priorizem a industrialização (reindustrialização) e o emprego, e, principalmente a educação. Já há vários discursos afinados com as necessidades do Brasil atual. Serão capazes de marchar juntos? Abandonarão projetos pessoais para abraçar uma proposta coletiva?

 

Ciro Gomes, em entrevista, reconheceu que o PT já era, que seria um retrocesso a volta de Lula. Sem duvida, pois Lula já provou a que se propunha. Tinha um projeto de poder, não um projeto para o Brasil. Brizola sabia disso e fez de tudo para tentar colocá-lo no caminho certo, fechar um acordo em torno de um projeto de desenvolvimento. Frustrou-se Brizola e frustrou-se também a nação. Agora pode ser que seja tarde para que resulte o projeto de re fundação do PT proposto pelo que de melhor sobrou no partido.

 

Uma Ponte para o Futuro, lançada pelo PMDB é o mesmo do mesmo ou o mesmo que nada. É uma ponte que não tem ponto de partida nem de chegada. E vai liderar com quem? com Cunha? com Temer?

 

É urgente desencadear essa Frente e Movimento em torno de um projeto de salvação nacional. Que projeto?

 

Vamos discutir o projeto no processo a partir de propostas. Algumas lideranças partidárias podem dar o arranque para o início da formação de uma frente, e apresentarem propostas para discussão. Discussão das propostas em todos os níveis dos partidos que formarão a frente. Mas essa frente não resultará se for só de partidos. É preciso que esse movimento mobilize todos os setores interessados em participar na discussão sobre que projeto de país é necessário, que democracia queremos, que desenvolvimento é o mais apropriado. A universidade, ou melhor, a juventude tem que se engajar nessa procura assim como os movimentos populares, as organizações sociais.

 

É natural que num processo como esse amadureçam as lideranças e surjam novos lideres que serão os executores da vontade popular uma vez submetida essa frente e suas propostas ao escrutínio universal. Fora desse caminho é a repetição do mesmo.

 

Chega de mesmice!

 

- Paulo Cannabrava Filho é Jornalista editor de Diálogos do Sul

 

Fonte: Revista Diálogos do Sul

https://www.alainet.org/es/node/174803
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