Como o continuismo mudará as coisas no Uruguai

01/12/2014
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Foram oito anos de tramitação até que a Lei do Aborto conseguisse, pela primeira vez, a aprovação do Congresso do Uruguai, para que, numa só canetada, o presidente terminasse com o projeto, usando seu direito a veto.
 
Não estou enganado (goglear galera, se querem ter certeza). O ano era 2008, Pepe Mujica era um mero ministro da Agricultura, do governo de Tabaré Vázquez, o mesmo que, neste domingo, no ocaso do mês de novembro, voltou a vencer uma eleição e conseguiu o terceiro mandato consecutivo para a Frente Ampla na presidência do país. Vázquez é militante do Partido Socialista e médico oncologista. Naquele então, vetou a lei alegando objeção de consciência, porque ele como médico era contra. O projeto voltaria ao Parlamento depois que Mujica o sucedeu, e seria novamente aprovado, dessa vez sem veto presidencial no final.
 
Apesar de formarem parte da mesma aliança partidária, Tabaré e Pepe nem sempre apontam para o mesmo lado.
Apesar de formarem parte da mesma aliança partidária,
Tabaré e Pepe nem sempre apontam para o mesmo lado.
 
Quis começar a comentar o resultado das eleições cisplatinas com esse causo para ajudar a explicar o que será do nosso simpático paisito nos próximos cinco anos. Apesar de ser socialista, Vázquez representa o pensamento mais conservador dentro da Frente Ampla, principalmente em temas valóricos.
 
Não quero dizer com isso que a Lei do Aborto, promulgada por Mujica em 2012, vai ser derrubada. Em atos da campanha deste ano, Tabaré garantiu que não pensa em rever a lei se ela está dando certo, o que pode soar ambíguo, pois não garantem que ele manterá a mesma postura no futuro se as estatísticas, diferente de agora, não sejam mais favoráveis – o aborto no Sistema Público de Saúde levou a zero o número de mulheres mortas nesses procedimentos, enquanto antes, quando eram feitas de forma clandestina, se estimava uma média de três a quatro mortes por mês, considerando somente os casos que registravam problemas decorrente do aborto como a causa oficial do falecimento.
 
Mas ele será um empecilho e afetará não só o debate político do país como a imagem que ele projeta no mundo. Pois convenhamos, por mais carismático e popstar que seja Pepe Mujica, não é somente a sua figura que colocou o Uruguai na boca do mundo nos últimos cinco anos. O aborto como procedimento do Sistema Público de Saúde, o matrimônio igualitário e a despenalização da maconha, junto com uma política de produção e distribuição estatal da mesma, despertaram o debate em diversos países da América Latina. E, para fazer justiça, nenhuma dessas políticas nasceu de um projeto de Mujica, embora tenham virado lei em seu governo – os dois primeiros foram iniciativas de parlamentares de Frente Ampla e nasceram no Congresso, já o plano da maconha foi ideia do diretor da Junta Nacional Antidrogas, Julio Calzadas, e foi encampada pelo presidente Mujica depois de alguns meses de resistência.
 
Vázquez deverá adotar com o tema da maconha a mesma postura que anunciou sobre o aborto, e vai esperar números para saber se ela continua. Diferente do caso do matrimônio civil homossexual, ideia que conta com seu apoio e não corre nenhum risco, ou as políticas de redistribuição de renda, a maioria delas criadas em seu primeiro mandato, assim como o Ministério de Desenvolvimento Social, responsável por administrá-las, e que talvez até recebam algum incremento.
 
Mas o mais importante talvez não sejam as leis já aprovadas e sim as que estão tramitando, e a tendência é que as novas iniciativas, principalmente nos temas valóricos, sejam desencorajadas ou levadas com mais cautela, sabendo que o novo presidente não entregará tão facilmente o seu apoio, como faz Mujica.
 
No caso da relação com os vizinhos, e embora Vázquez tenha feito ênfase em impulsar a integração latinoamericana em seu discurso, a verdade é que ele tem algumas pendências nessa matéria, principalmente por sua relação com a Argentina, que foi bastante conturbada em seu primeiro mandato, devido ao tema das industrias papeleiras instaladas perto da fronteira entre os dois países.
 
Já a aposta da oposição, de usar Luis Alberto Lacalle Pou (41 anos) como ponta de lança da renovação da direita, não terminou mal, apesar dele ainda ser uma liderança em construção. Seus 43% foram a pior derrota opositora, ou a vitória mais tranquila da Frente Ampla, dependendo de que o defina. Mas é inegável que a direita sai na frente se pensamos no futuro, agora que a centro-esquerda governista mantém o poder com um militante de 74 anos.
 
Porém, o vice-presidente a partir de 2015 será Raúl Sendic Jr., sociólogo de 52 anos, filho de Raúl Sendic, o líder intelectual dos tupamaros, grupo guerrilheiro onde também militou Pepe Mujica. Talvez seja um sopro de renovação numa aliança de líderes envelhecidos, e um possível concorrente contra Lacalle Pou em 2019. Dependerá da conjuntura.
 
E o que muda para você leitor é que, sem o mesmo potencial para gerar controvérsias por novas leis e com um novo presidente muitíssimo mais discreto, não fará os mesmos eloquentes discursos na ONU, carregados de críticas ao capitalismo. Por isso, o Uruguai talvez suma um pouco do noticiário, embora o Pepe Mujica tenha sido o senador mais votado nas eleições legislativas de outubro e é cotadíssimo para ser presidente do Senado.
 
1 de dezembro de 2014
https://www.alainet.org/es/node/165819
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