A ideologia de Greta

30/09/2019
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Desde o seu eloquente discurso na véspera da Assembleia Geral das Nações Unidas, tenho visto muitas críticas esdrúxulas contra a ativista sueca Greta Thunberg, de gente de esquerda, de direita e dos dois extremos, questionando seu suposto viés ideológico, que asseguram, todos eles, ser curiosamente oposto ao que todos eles pensam. Também não perderam tempo, ambos os lados, em espalhar notícias falsas tentando destruir sua imagem, se igualando também nesse quesito.

 

É interessante tentar entender essa reação transversal de rejeição dos setores políticos mais organizados. Contudo, analisando o curto histórico da menina como figura pública mundial, percebo que ela conseguiu sim se tornar a figura símbolo de uma causa, mas não sei se podemos dizer que ela é a líder política ou ideológica de algo – e talvez nem tenha se proposto a ser.

 

O que sim podemos dizer é que não é uma líder partidária. Ademais, nunca a vi falar sobre socialismo, nem capitalismo, nem liberalismo… nada disso. Nunca a vi defender uma ideologia ou frente política específica, mas já a vi criticar alguns princípios dessas três correntes de pensamento acima citadas, e ferozmente, como é do seu estilo, e que não se difere em nada da paixão que é comum em pessoas da sua idade que atuam por uma causa.

 

Tampouco me parece ela esteja falando em “ecologia sem partido”. Parece ser muito mais simples que isso, e com o potencial de ser muito mais complexo.

 

A ideia base do discurso de Greta está em lembrar, reiteradamente, que a comunidade científica assegura que devemos tomar decisões drásticas e urgentes, que não podemos esperar, pois o nosso futuro (e especialmente o da sua geração) depende disso.

 

Essas foram suas palavras na ONU para enfatizar isso: “as pessoas estão sofrendo. As pessoas estão morrendo. Ecossistemas inteiros estão por desmoronar. Estamos no início de uma extinção em massa e tudo o que vocês fazem é falar sobre dinheiro e contos de fadas de crescimento econômico eterno. Como você se atrevem? Não os perdoaremos”.

 

Se ela conseguiu aglomerar tantos seguidores é por uma questão bastante óbvia: há milhões de crianças e adolescentes como ela que, ao refletir sobre isso, sentem essa mesma angústia, e obviamente vão abraçar essa consigna.

 

Eu tenho um filho quase da mesma idade, e vejo claramente o que ela está falando nas preocupações que ele me confidencia. Quem tiver filhos e netos, e puder tomar um tempo para conversar com eles a respeito, certamente vai perceber o mesmo.

 

Greta e sua geração estão pedindo que os políticos, de todos os partidos e ideologias, tomem decisões baseadas nas mudanças exigidas pelo setor da comunidade científica que estuda os efeitos da crise climática e afirma que devemos tomar medidas urgentes.

 

Ela não está dizendo “sejamos socialistas (ou neoliberais) para salvar o planeta”. Ela está defendendo uma mudança de paradigma, porque o atual já não deu certo, e nos condenará à extinção. E o pior é que ela tem razão.

 

Seu movimento é político (obviamente), mas seu discurso não tem uma ideologia definida. Entre outras coisas, porque ninguém pode exigir uma posição ideológica mais consistente de uma menina de 16 anos. E talvez essa juventude a leve a esboçar ideais de uma consciência geracional que está ansiando uma mudança de paradigma que vá além das ideologias conhecidas, uma nova proposta que seja capaz de reunir a espécie humana e toda a natureza em outro tipo convivência, que, provavelmente, requer desenhar um novo pacto social, pautado pela viabilidade da vida e a coexistência entre as diferentes espécies e ecossistemas.

 

Não é que esse pacto exista ou que esteja sendo construído. Por enquanto é só um anseio. É que ela, o meu filho e muita gente dessa geração está esperando que nós, os adultos de hoje, sejamos capazes de fazer.

 

Isso e o que eles esperam, e se mostram dispostos a lutar, não pelas nossas ideologias, mas por esse novo paradigma. Lamentam não poder ser os que tomam essas decisões, e apenas sonham com elas. Esses sonhos não estão divididos por gretas ideológicas, mas sim expressados pelo discurso de uma Greta que conseguiu aglutiná-los.

 

Claro que essa juventude e esses sonhos – ambos sujeitos às mudanças de forma, com o passar do tempo –, carregam seu percentual de ingenuidade.

 

Também é evidente que Greta já está à mercê da aproximação dos oportunistas de sempre, que tentam colar em sua figura em nome dos seus próprios interesses, como se pode ver na verdade por trás das notícias falsas sobre ela – que asseguram que ela já foi comprada por esses interesses, ou sempre foi produto dos mesmos, quando em realidade, está somente sendo assediada.

 

Saberá ela se defender desses riscos? Terminará sendo moldada por eles? Qual será o futuro ideológico de Greta Thunberg? Minha resposta para isso é: não sei! A considero uma pessoa bem intencionada, e defensora de uma causa que tão real e legítima, mas que pode sim ser instrumentalizada por gente que vai deturpar seus objetivos e anseios mais importantes, e não seria a primeira vez na história.

 

Torço muito para que ela e seu movimento saibam se esquivar desses perigos e seguir adiante com seus sonhos e suas demandas. E também torço para que tenham sucesso, porque o meu filho, os nossos filhos e netos, e a viabilidade da vida no planeta em que eles vão viver depende dos resultados que esses sonhos possam produzir.

 

29/09/2019

https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Mae-Terra/A-ideologia-de-Greta/3/45358

 

https://www.alainet.org/es/node/202382
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