Um país em busca da independência

11/01/2013
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Há uma década governando o Brasil, PT aplica programa de crescimento econômico, mas modelo frágil mantém desigualdade estrutural
 
No mundo em que a economia cons­titui o motor da história, toda modica­ção nesse campo é a que costuma gerar maior expectativa. Emprego, salário e preços estão no centro das preocupações da classe trabalhadora. 
 
Ao assumir a presidência da Repúbli­ca em 2003, de forma inédita na histó­ria brasileira, o operário Luiz Inácio Lu­la da Silva e seu Partido dos Trabalhado­res (PT), articulados a um grande e hete­rogêneo bloco de poder, herdaram o de­sao de emergir o país de uma profunda e grave crise cambial. Além disso, era ne­cessário iniciar um processo de reversão do baixo crescimento, da miséria e das desigualdades sociais, pontos marcantes do subdesenvolvimento nacional. 
 
O capital político conferido pelas ur­nas, naquela que foi considerada uma das maiores vitórias do atual período demo­crático – mais de 61% dos votos no se­gundo turno – não resultou em mudan­ças drásticas na orientação da política econômica de então. De lá para cá, o go­verno viu aliados históricos desembarca­rem de seu projeto, atravessou escânda­los políticos, mas acabou obtendo indi­cadores de crescimento econômico, co­mo emprego e salário que, no seu conjun­to, deram enorme popularidade à gestão, catapultando outras duas vitórias eleito­rais seguidas, com o segundo mandato de Lula (2007-2010) e a chegada de Dilma Rousseff à presidência para mais quatro anos (2011-2014). 
 
Brasil de Fato conversou com eco­nomistas de diferentes percepções pa­ra tentar compreender o sentido do programa econômico executado pelo PT no governo federal ao longo de uma déca­da. Para uns, o partido optou pelo sim­ples “continuísmo” e teria aprofundado a face liberal da economia, consolidando uma posição “subalterna” do país no cenário internacional. Internamente, na vi­são desses mesmos especialistas, o cresci­mento com distribuição de renda não seria tão vigoroso como se apregoa. 
 
Para outros, o governo estaria deslo­cando, de forma gradual, o eixo do de­senvolvimento econômico do setor ­nanceiro para o setor produtivo. Além disso, seriam signicativas a ampliação de direitos sociais e a incorporação de imensas populações no consumo, fortalecendo o mercado interno. Todos eles concordam, porém, com o caráter alta­mente dependente e ainda frágil da eco­nomia brasileira. 
 
Cartilha da dependência 
 
Para quem esperava uma inexão imediata da política econômica brasi­leira a partir de 2003, surpreendeu-se com a linha ortodoxa adotada pelo en­tão ministro da Fazenda, Antônio Pa­locci, e o presidente do Banco Central à época, Henrique Meirelles. No primeiro semestre de governo, além de um cor­te de R$ 12 bilhões no orçamento geral da União, os brasileiros viram o governo subir os juros para pagamento da dívi­da pública (taxa Selic) para estratosféri­cos 26,5% ao ano. O superávit primário, saldo das receitas sobre despesas do go­verno (exceto os juros da dívida) foi ele­vado de 3,75% para 4,25%, expressando o compromisso do governo com a remu­neração do capital nanceiro. Palocci queria retomar a conança dos merca­dos ainda abalados pela crise cambial de 1999 e pelo “temor” da chegada de Lu­la ao poder. 
 
“A declaração de prosseguimento da política macroeconômica foi explicitada na tristemente famosa Carta aos Bra­sileiros, que o Lula apresentou antes das eleições”, critica o economista Pau­lo Passarinho, ao se referir ao documen­to que o então candidato do PT divulgou se comprometendo, entre outras coisas, a manter as bases vigentes da economia. “É o mesmo compromisso que havia sido acertado por Fernando Henrique e sua equipe na virada do ano 1998 pa­ra 1999 e que tinha sido, inclusive, rea­rmado no acordo extraordinário com o FMI em 2002. O que nós temos, na ver­dade, é a aplicação plena de um receitu­ário do Banco Mundial. Há uma linha de continuidade que os governos FHC, Lula e Dilma encarnam”, reitera. 
 
Para Guilherme Delgado, economis­ta, pesquisador e servidor aposentado do Instituto de Pesquisa Econômica Aplica­da (Ipea), o governo cou pelo menos três anos se havendo com a repercussão da crise anterior, para só depois montar um “novo esquema de fazer política econômi­ca”, que seria o início de outros ciclos da economia durante o governo do PT. Isso teria sido percebido no modo como se li­dou com a mais grave das crises capitalis­tas, em 2008. “A gestão da crise nancei­ra internacional praticamente preservou a economia de uma recessão profunda. Foi uma gestão pelo lado do crédito, do gasto público, da manutenção do paco­te de direitos sociais e o aquecimento do consumo. Porém, não se mudou nada da engenharia econômica e nanceira pree­xistente, com juros altos e câmbio utu­ante”, explica. 
 

Distribuição de renda 
 
Alardeada como uma das maiores ben­feitorias da era PT, o processo de redistri­buição de renda é visto com ponderação pelos economistas entrevistados. Gui­lherme Delgado aponta avanço no que chama de “aplicação das regras consti­tucionais dos direitos sociais, revitaliza­da pela política de salário mínimo, mui­to mais importante do que nos outros go­vernos. Isso melhora a igualdade, princi­palmente no sentido de ampliar a capaci­dade de consumo das massas”. 
 
Na visão do economista Paulo Passari­nho, o que tem acontecido é um processo inverso, de maior concentração da rique­za e da renda ao longo dos últimos anos. “A melhor prova disso é observarmos a estrutura tributária brasileira e a estrutu­ra scal. A primeira diz respeito à manei­ra como o Estado arrecada os impostos e a segunda se refere à forma como se in­veste os recursos. Ora, a principal parcela da carga tributária advém da taxação dos preços finais cobrados dos consumidores e quem consome mais, proporcionalmente ao que ganha, acaba pagando mais impostos. É o caso do pobre, que consome tudo o que ganha”, compara.
 
Passarinho observa que a única redução da desigualdade em termos de renda se deu entre a grande massa de trabalhadores assalariados, que passou a ganhar salários menos díspares. Quanto às classes sociais mais ricas, a diferença em termos de renda foi ampliada, confirma o economista.
 
“A maneira como o Estado gasta seus recursos beneficia os ricos, detentores de riquezas monetárias. Basta ver que metade do orçamento da União é direcionado à quitação de despesas financeiras. Se [esse orçamento] fosse gasto em programas de saúde, educação, transporte público, se retornasse ao cidadão na forma de recursos públicos, isso representaria distribuição de renda. Porém, a maior parte dos recursos arrecadados é destinada ao pagamento de débitos financeiros decorrentes do que eu chamo da indústria da dívida pública, que beneficia a uma parcela de endinheirados”, aponta.
 
- Pedro Rafael de Brasília (DF)
 
https://www.alainet.org/es/node/163908
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