De Quito, no Dia D, um retrato da encruzilhada equatoriana

29/09/2007
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No momento da eleição da Assembléia Constituinte, o artigo O Equador às urnas, de Eduardo Tamayo G., ajuda a lançar luz sobre o enfrentamento deste domingo e a \'\'encruzilhada equatoriana\'\'. No texto do jornalista, escritor e homem de internet residente em Quito, o leitor brasileiro também encontrará material para pensar sobre outras realidades, bem menos distantes que a equatoriana.

Hoje, 30 de setembro, mais de 9 milhões de equatorianos e equatorianas acorrerão às urnas para eleger 130 membros da Assembléia Constituinte, com plenos poderes, encarregada de elaborar a nova Constituição e transformar o marco institucional do Estado. Estas eleições tém diferenças substanciais com os processos anteriores, onde se impunha o poder do dinheiro. Introduzem elementos novos que podem abrir condições igualitárias e democráticas para a participação de atores políticos distintos.

Novidades eleitorais: paridade de gênero

O Estado destinou US$ 30 milhões ao financiamento da propaganda eleitoral na mídia e em peças publicitárias de todos os movimentos e partidos que participam da contenda. Ficaram proibidas as \'\'doações, presentes e dádivas\'\', segundo o Estatuto da Assembléia, aprovado no referendo do último dia 15 de abril.

Cabe indicar, porém, que o Prian (Partido Renovador Institucional Ação Nacional), encabeçado pelo magnata bananeiro Alvaro Noboa, não cumpriu este dispositivo: entregou remédios e camisetas a eleitores, embora não na mesma escala de ocasiões anteriores.

Quanto à partilha das cotas publicitárias pelo Tribunal Supremo Eleitoral, foram registradas falhas e queixas de partidos, movimentos e veículos de comunicação que se sentiram prejudicados; mas elas deverão ser corrigidas em processos futuros, enquanto o princípio igualitário deve se manter, assinalam analistas políticos.

Cabe dizer que também se garantiu, pela primeira vez, a participação paritária das mulheres. Previu-se uma representação de 50% nas listas, de forma alternada.

Apresentam-se igualmente com candidatos à Assembléia Constituinte os emigrados equatorianos, que residem principalmente na Espanha e nos Estados Unidos. Dos 130 constituintes que serão eleitos para a Assembléia, sem serão votados por distritos eleitorais provinciais, 24 em todo o país e seis pelos residentes na Europa, EUA, Canadá e América Latina.

Aprofunda-se a tendência de mudança

O cenário eleitoral foi marcado por uma explosão de candidaturas (3.224 inscritos em 497 chapas), tanto dos partidos como aos novos movimentos políticos e cidadãos. Isso indica que tanto a votação como a apuração dos votos e a proclamação dos resultados terão certa complexidade, embora também seja a expressão do pluralismo que houve na contenda.

Com uma direita debilitada, uma esquerda fragmentada e um povo com grandes expectativas de mudança, o movimento que se perfila como o vencedor é o Acordo Pátria Altiva e Soberana (País, na sigla em espanhol), do presidente Rafael Correa, que obteria maioria absoluta da Constituinte, conforme algumas pesquisas.

Este resultado marcaria uma continuidade e um aprofundamento da tendência para a mudança, que permitiu a Rafael Correa ganhar a Presidência da República e o referendo de 15 de abril, onde 82% dos votantes disseram \'\'Sim\'\' à instalação de uma Assembléia Constituinte com plenos poderes.

O cumprimento das promessas de campanha empresta credibilidade a Rafael Correa. Seus enfrentamentos com os bancos, a mídia e a direita não abalaram sua popularidade, que beira os 75%, o que abre a possibilidade de que seu movimento se imponha na disputa eleitoral.

Acosta prega o ataque à iniqüidade

O primeiro candidato a constituinte da lista nacional do Acordo País, Alberto Acosta, explicou para correspondentes da imprensa estrangeira alguns dos delineamentos que o País seguirá na Assembléia Constituinte. Para Acosta, esse processo visa atacar o problema das iniqüidades de todo tipo que imperam no Equador – sociais, econômicas, regionais, de gênero, etc. Trata-se também, assinalou, de rumar para uma maior politização, no sentido de se fortalecer a participação dos cidadãos e aprofundar o processo democrático.

Com relação às críticas que a direita e a maioria dos meios de comunicação fazem ao governo de Rafael Correa – no sentido de que ele estaria favorecendo o Acordo País –, Alberto Acosta disse que nenhuma lei proíbe o presidente de dar opiniões, e que não se usou recursos públicos para favorecer o movimento.

Acosta, que já foi ministro da Energia do atual governo, assinalou que seu movimento vai propor à Constituinte que os atuais deputados \'\'saiam de férias não remuneradas\'\'. E que ela deverá criar uma comissão legislativa, já que a existência de dois poderes legislativos causou tensões no Equador em 1997-1998, tal como na Colômbia em 1991 e na Bolívia atualmente.

O governo Rafael Correa encarregou o Conselho de Universidades e Escolas Politécnicas (Conesup) de elaborar um rascunho da Constituição, que já está concluído e servirá de insumo à elaboração da nova Constituição.

Para o ministro de Governo, Gustavo Larrea, a nova Constituição deve estabelecer a gratuidade da saúde e da educação, aspectos que devem ser considerados como direitos e não mercadorias. A atual Constituição, vigente desde 1998, abriu caminho para a privatização destes serviços.

A degringolada da direita

\'\'Aparentemente, a direita e os partidos tradicionais em geral terão uma degringolada bastante grande. Isto me parece a culminação de um processo de divórcio entre o sistema político partidário e a sociedade equatoriana, o sentimento das grandes maiorias, que estiveram fora da expressão institucional representativa do Estado, e, portanto, fora dos discursos dos grandes meios de comunicação\'\', disse à Alai o sociólogo Mario Unda.

A direita, representada pelo Prian, o Partido Social-Cristão (PSC), a União Democrata-Cristã (UDC) e o Partido Sociedade Patriótica (PSP), liderado pelo ex-presidente Lucio Gutiérrez, puseram toda a carne no espeto. O multimilionário Alvaro Noboa, três vezes candidato presidencial, encabeça a chapa constituinte nacional de seu partido. Já Gilmar Gutiérrez, irmão de ¬Eucio, ocupa o primeiro lugar nas listas do PSP. E pelo PSC aparece como candidato o ex-vice-presidente Blasco Peñaherrera.

Estes partidos se opuseram à Assembléia Constituinte, de braços dados com a grande mídia. Agora, irão à Assembléia para tentar deter e esmagar o projeto de reformas que Correa encabeça, conforme já manifestaram.

Quanto a outros agrupamentos que antes ocupavam o espaço do centro, como a Esquerda Democrática (ID, na sigla em espanhol, social-democrata) e a Rede Ética e Democracia (RED), dirigida por León Roldós, ex-candidato presidencial e cabeça da chapa nacional dos assembleístas, foram se deslocando progressivamente para a direita.

Dilemas das forças de esquerda

Em relação aos agrupamentos de esquerda (Partido Socialista, Pachakutik, Pólo Democrático) e dos movimentos sociais, Undo assinala: \'\'O governo também vai ocupando o espaço que vai sendo deixado pelas posições de esquerda dos movimentos sociais e da esquerda política. Estes tiveram uma atuação pouco de acordo com o avanço da mobilização social neste período. Por exemplo, parecem-me um desperdício certas manifestações de algumas figuras importantes do Pólo Democrático, como Eduardo Delgado, de se lançar numa oposição ao governo, num momento em que estava bastante claro para todo mundo que o conflito fundamental era entre o governo e a direita.\'\'

E ele agrega: \'\'Eu, particularmente, creio que a idéia de ir gerando um campo popular e de esquerda que se diferencie do governo é acertada. Mas não se pode marcar diferenças com o governo atacando-o neste momento. A maneira de se diferenciar dele é enfocando primeiramernte a luta contra a direita, que está claramente na consciência da maioria da população.\'\'

As propostas das nacionalidades indígenas

Apoiar certas teses pelas quais a esquerda tem lutado e que foram recolhidas pelo governo, como o repúdio ao Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos, à presença militar norte-americana na base de Manta e ao Banco Mundial, não deve ser obstáculo para se criticar o governo em temas como a mineração, em que \'\'está bastante claro (que) a posição do governo é bastante mais próxima das empresas multinacionais mineradoras e não das comunidades que estão lutando contra a atividade da mineração\'\', diz Mario Unda.

Sejam quais forem os resultados das eleições, a Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie) elaborou algumas propostas que serão entregues à Assembléia que se instalará possivelmente no final do mês de outubro, na cidade de Montecristi, berço do revolucionário Eloy Alfaro. Nelas figura como eixo \'\'a construção de um Estado plurinacional; a nacionalização e não privatização da biodiversidade e dos recursos naturais; que os serviços sejam tratados não como mercadorias mas como responsabilidade pública; e a construção de um modelo econômico-social solidário, ecológico, equitativo, soberano, planificado e incluente\'\'.

Hoje o Equador se encontra numa encruzilhada. Ou se ratifica as esperanças de mudança, ou o país permanece enleado nas redes dos interesses dos grupos minoritários que resistem a abandonar seus privilégios.

Fonte: http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=25947



https://www.alainet.org/es/node/124265
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