Dilma Rousseff e a política do mundo da vida

08/10/2014
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O ‘mundo-da-vida’ é o terreno a partir do qual tais abstrações [da ciência] derivam, é o campo da própria intuição, o universo do que é intuível, ou ainda, um reino de evidências originárias, para o qual o cientista deveria se voltar para verificar a validade de suas idealizações, de suas teorias, posto que, a ciência interpreta e explica o que é dado imediatamente no ‘mundo-da-vida’”. (JURGEN HABERMAS)
 
 
Nos seus clássicos manuscritos econômicos-filosóficos, Karl Marx afirmou que as pessoas formam a sua consciência a partir do processo de produção dos seus meios de vida.
 
É somente através do entendimento desse processo que é possível compreender conceitos como alienação, além da percepção do mestre do socialismo revolucionário sobre a identificação do proletariado como categoria histórica.
 
Diferentemente do que pregava o marxismo vulgar da década de trinta, de bases soviéticas, o proletário não é o operário de fábrica, mas em essência um trabalhador alienado consciente dessa alienação. É, portanto, também uma categoria revolucionária.
 
Já a alienação possui pelo menos três acepções básicas: 1) a alienação como transferência da força de trabalho para o capitalista na forma de mercadoria; 2) a alienação como perda de identidade com aquilo que foi produzido; 3) a alienação como perda da compreensão da totalidade da vida.
 
Mas não são os operários, os únicos alienados. A burguesia e, especialmente a pequena-burguesia, a nossa classe média, também pode dar exemplos gigantescos de alienação, como o filósofo alemão demonstrou no excelente 18 Brumário de Luís Bonaparte.
 
Portanto, diferentemente do que afirmam tanto o sociológico Fernando Henrique Cardoso (FHC) como os meios de comunicação conservadores, o sucesso eleitoral de Dilma Rousseff no Nordeste e a sua menor aprovação em São Paulo não são explicadas pela falta de informação ou pela pobreza, mas pelo grau de compreensão que os eleitores dessas regiões possuem sobre a influência das ações do Governo Federal nas suas vidas.
 
Se a Bahia, por exemplo, é o Estado com o maior número de beneficiários do programa bolsa-família, São Paulo é o segundo colocado, e Pernambuco o terceiro. No primeiro Estado tivemos uma vitória arrasadora de Dilma. Em São Paulo predominância do tucano Aécio Neves, e em Pernambuco de Marina Silva.
 
Tais informações derrubam a assertiva da direita, especialmente dos tucanos e da Folha de São Paulo, de que o voto em Dilma é derivado do estômago, pois se tal informação fosse verdadeira, a candidata do PT também teria arrasado em São Paulo e em Pernambuco. Na prática, os discursos de Aécio, de Fernando Henrique Cardoso, de Marina, do PSDB, dos meios de comunicação e do conjunto dos candidatos de direita são, de fato, a destilação de preconceitos já entranhados nos grupos mais conservadores e reacionários da sociedade.
 
Uma análise mais detalhada dos fatos comprova que Dilma venceu nos locais onde as pessoas possuem uma maior percepção do impacto das ações do Governo Federal no seu mundo da vida, e onde a atividade de propaganda da mídia de oposição é menos efetiva.
 
Quem conhece Brasília e São Paulo, por exemplo, sabe que a população local passa mais tempo aprisionada nas gaiolas do ambiente de trabalho, sendo presas fáceis para a mídia de massa, especialmente da televisão, rádio e jornais. O paulistano médio de classe média sai de casa ouvindo a rádio Globo ou a CBN, chega ao trabalho e lê o noticiário da Folha e do Estado de São Paulo, volta para casa e assiste o Jornal Nacional, quando não o Jornal da Globo.
 
Em todos esses meios de comunicação temos um indiscutível discurso panfletário de baixo nível, e aquilo que os sociólogos pós-modernos chamam de “hiper-realidade”, ou seja, uma falsa realidade que é vivenciada, mas não vivida. É o mundo de Matrix.
 
Não por acaso muitos paulistanos culpam os moradores da Amazônia pela falta de água na cidade, na medida em que afirmação foi realizada pela Rede Globo no Fantástico, e depois reproduzida em série pela Folha, pelo Estadão, pela Época, Isto é e, obviamente, pela Veja.
 
Não consideram, por exemplo, que os governos tucanos de Covas, Alckmin e Serra jogaram toda a carga de consumo de água da grande São Paulo sobre o complexo da Cantareira, sem nenhum investimento para aperfeiçoamento do sistema durante todo o período desses governos.
 
Tais pessoas, também desconsideram que a expansão urbana de São Paulo nos últimos 40 anos foi realizada sobre nascentes e áreas de preservação permanente, onde o caso da represa Billings é exemplar. Desconsideram, ainda, que São Paulo é o Estado onde temos um dos maiores volumes de queimadas do país. E, por fim, também desconsideram que as bacias hídricas de São Paulo vêm do complexo do Paraná e do Cerrado Goiano e Mineiro, locais que serão administrados pelo PSDB até o final de 2014.
 
Aliás, o Bioma mais afetado pelo desmatamento no Brasil é o Cerrado, curiosamente abarcando regiões onde Aécio teve bons índices de votação. Nesses locais, onde o candidato tucano foi empurrado pelas oligarquias locais, existe sim forte impacto sobre as bacias hídricas do sudeste. Portanto, a crise hídrica de São Paulo é influenciada diretamente pelos governos tucanos do Paraná, de Minas, de Goiás, do Mato Grosso do Sul e, principalmente, de São Paulo. Jamais pelas árvores amazônicas.
 
E se levarmos o debate para a Amazônia, os Estados onde existe o maior volume de desmatamento são o Pará e Rondônia. O primeiro é administrado pelo PSDB, e o segundo por um de seus apoiadores.
 
O licenciamento ambiental florestal, salvo nas unidades de conservação Federais é de responsabilidade dos órgãos estaduais, e não do IBAMA. Logo, se o desmatamento e a destruição de biomas são uma chaga a ser enfrentada, ao mesmo tempo ganham com a omissão privatista dos tucanos, que submete os órgãos ambientais à “seca de recursos financeiros, humanos e materiais“.
 
Provavelmente essas informações não chegam à bem informada classe média paulistana, inclusive ao papa do tucanato, Fernando Henrique Cardoso.
 
Portanto o voto da desinformação não aconteceu nos “grotões” do interior, no nordeste ou entre os pobres, mas no mundo da hiper-realidade dos centros urbanos, onde as pessoas são massacradas por uma rede de desinformação de manchetes tão manipuladas como a da propaganda nazista de Goebbels.
 
No Norte e no Nordeste a situação é um pouco diferente. Embora existam grandes centros urbanos como Salvador, Recife, Fortaleza, Belém e Manaus, as informações são geradas principalmente por redes de comunicação comunitária, através do contato direto entre cidadãos. Há uma cultura colaborativa e um capital social muito maior, do que no isolamento dos condomínios urbanos.
 
Nos grandes centros há uma proliferação de jornalismo de baixo nível, mais barato e de fácil acesso, como o Diário Gaúcho, além dos programas policiais. Tais veículos fazem o marketing da violência, o medo faz o resto do serviço. É por isso que muitos moradores das grandes cidades veem o outro como inimigo, e não como amigo ou colaborador.
 
Por outro lado, o morador do sertão nordestino que na década de noventa vivia em extrema pobreza, sem água e sem destino, consegue perceber a diferença de ter água na sua casa por meio das cisternas do Programa Brasil Sem Miséria, criado por Dilma, ou pela transposição do São Francisco. Também deve estar feliz por receber luz elétrica em casa, através do Programa Luz para Todos, criado por Lula, e receber financiamento agrícola pelo PRONAF, assistência técnica e extensão rural, ou ainda ver o seu filho estudando numa universidade pública federal interiorizada com a expansão do ensino público realizada pelo PT, ou numa universidade privada com bolsa do Pró-uni. Também receber capacitação profissional através do PRONATEC. Além disso, deve perceber a diferença que o armazenamento de alimentos numa geladeira impacta na sua qualidade de vida.
 
Os votos de Dilma e do Partido dos Trabalhadores, portanto, são derivados da percepção imediata das ações do governo federal no seu meio de vida. São votos plenamente conscientes das mudanças sociais da última década. Não são votos por indicadores, mas derivados da realidade.
 
Tanto é verdade que Dilma não massacrou o PSDB apenas no Nordeste, mas no Rio Grande do Sul, em Minas e no Rio de Janeiro, sendo o último estado o maior polo da indústria naval brasileira.
 
No Rio Grande do Sul, por exemplo, Dilma obteve 60% dos votos na hoje rica do Polo Naval de Rio Grande e o Polo Eólico da Zona Sul. A população que amargou a maior onda de desemprego da sua história durante o mandato de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), hoje observa uma retomada da atividade econômica local, que inclui o maior mercado da construção civil do sul do país.
 
Observamos uma expressiva descentralização de investimentos federais no Governo de Dilma Rousseff, com o combate direto às desigualdades sociais e regionais. Tal medida teve impacto direto nas eleições, com a explosão dos votos nos principais campos de ação governamental.
 
O sucesso do próprio PSB em Pernambuco é fruto dos investimentos federais, tanto que Eduardo Campos surfou durante 10, dos 12 anos dos governos petistas com as obras de Suape, da refinaria Abreu e Lima, do Ciência sem Fronteiras, e uma série de outras ações federais, que foram abraçadas como suas pelo ex-governador pernambucano. Na verdade, são obras de Lula ou de Dilma.
 
É evidente que política não se faz com a cobrança da fidelidade política dos eleitores por vantagens pessoas obtidas com o sucesso material do governo. Quem gosta de fisiologia é a turma do carlismo, do movimento campista de Pernambuco, da tradicional família mineira de Aécio Neves, e de todas as oligarquias.
 
O que se pretende demonstrar com este texto, é que o sucesso de Dilma, do Partido dos Trabalhadores e de outros grupos e partidos de esquerda somente foi alcançado, tanto hoje como historicamente, com a exposição e execução de projetos com perspectivas distintas.
 
Por mais que estas diferenças possam ser percebidas pelas pessoas no mundo da vida, devem ser reiteradamente expostas, e isto é legítimo politicamente.
 
É dever das forças de transformação NIVELAR a campanha eleitoral POR CIMA, fazendo a contraposição entre ter um governo comprometido com a inclusão e o desenvolvimento, e o retrocesso à tragédia neoliberal da década de noventa.
 
Para isso, é preciso superar a hiper-realidade construída pela direita, através de pesquisas e dos meios de comunicação. Campanha eleitoral se ganha na Rua, no mundo real, no mundo da vida…
 
Foto: Dilma Rousseff no Polo Naval de Rio Grande/RS – fonte internet.
 
https://www.alainet.org/es/node/104074
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