Colômbia: entre a ansiedade de Biden e a perturbação de Uribe

Os Estados Unidos apoiam o desespero terrorista do uribismo, mas acreditam que devem estabelecer alguns limites para evitar que as coisas fiquem fora de controle.

08/07/2021
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O Departamento de Estado dos Estados Unidos observa com grande inquietação como se desenvolver certos movimentos na América Latina que extrapolam seu controle e que podem afetar seu sistema de dominação regional.

 

Em alguns países que são os principais baluartes, onde predominam a antidemocracia e o neoliberalismo, uma soma de ações motiva esse mal-estar norte-americano. No Chile, a Assembleia Constituinte elegeu uma mulher indígena mapuche como sua presidenta e um advogado constitucional com clara disposição progressista como vice-presidente, sinalizando assim o curso de possíveis debates que podem levar a uma constituição realmente democrática após 48 anos do que foi a ditadura de Pinochet (1973-1990) e um pós-ditadura sujeitado à carta magna deixada pelo regime anterior. Além disso, com a proximidade das eleições presidenciais (que ocorrerão em novembro), está o perigo do candidato comunista Daniel Jadue, que lidera todas as pesquisas e envia um forte alerta de preocupação para Washington.

 

Em outros cenários, a vitória eleitoral de Pedro Castillo no Peru e a eventual eleição de Lula no próximo pleito presidenciais no Brasil, que acontecerá em 2022, apontam para que a região caminhe por um curso indesejado para os Estados Unidos. Até o final do próximo ano, pode haver uma correlação de forças totalmente diferente da atual.

 

Mas onde o nervosismo do governo dos Estados Unidos parece estar concentrado é na Colômbia. Neste país, além das condições já mencionadas sobre o seu sistema político e econômico, se acrescenta o fato de que é o único da região que é membro da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Nesse sentido, assim como Israel na Ásia Ocidental, desempenha o papel de porta-aviões, a base que permite a presença e intervenção militar de Washington na região. Os dois países recentemente citados são os pontos de mais alto interesse da potência do norte. Os Estados Unidos os utilizam de forma evidente, como plataformas cruciais na manutenção do seu domínio estratégico global.

 

Nesse sentido, a paciência dos Estados Unidos com a Colômbia parece estar diminuindo, e com ela cresceu sua preocupação. Uma série de eventos recentes são uma expressão disso. Em maio, poucos dias após assumir o cargo de chanceler, a vice-presidente Marta Lucía Ramírez foi forçada a viajar a Washington para informar sobre a deplorável situação dos direitos humanos no país. Depois de visitar a CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), ela anunciou que informou o Secretário de Estado, Anthony Blinken, sobre os resultados da reunião. Nesse ponto, eles nem mesmo fazem um esforço para esconder sua subordinação a Washington.

 

Não é que os Estados Unidos estejam preocupados com as múltiplas mortes que ocorrem diariamente na Colômbia, ou com os assassinatos de líderes sociais e defensores dos direitos humanos, mas eles precisam manter as aparências. Isso foi revelado pelo presidente Joe Biden no telefonema que fez ao presidente Iván Duque, em 28 de junho. O Palácio de Nariño (sede do governo colombiano) escondeu esta parte da conversa no comunicado oficial, mas a Casa Branca não o fez, e acabou expondo o mandatário sul-americano – em um evento não acidental. Obviamente, o objetivo era gerar pressão sobre Bogotá. Embora não seja do seu agrado, Biden é obrigado a agir dessa forma, pressionado pelo lobby progressista do Partido Democrata ligado a Bernie Sanders, sem o qual não teria conquistado a vitória eleitoral.

 

Anteriormente, uma série de eventos gerados em Bogotá confundiram Washington, que não consegue decifrar os desígnios do regime de Álvaro Uribe – ex-presidente, caudilho da extrema-direita padrinho político de Duque. O Departamento de Estado considerou inconcebível que Duque tenha nomeado Juan Carlos Pinzón Bueno como o novo embaixador da Colômbia nos Estados Unidos. Se trata do sobrinho de Jorge Eliecer Bueno Sierra, narcotraficante colombiano condenado à prisão perpétua naquele país por tráfico de drogas. A nomeação foi confirmada em segunda e última instância e deixou o gabinete de Blinken “contra a parede”, pois se viu no dilema de ter que fazer vistas grossas à loucura de seu aliado, ou rejeitar a nomeação, evidenciando a falta de tato de Duque.

 

Washington também observou que o atual governo colombiano é rejeitado por quase 80% da população, ao mesmo tempo que cerca de 75% dos cidadãos apoiam as manifestações que já duram mais de dois meses.

 

Nesse contexto, e embora a principal preocupação do governo Biden com relação à América Latina seja coibir a irrefreável migração indocumentada para seu território, a situação na Colômbia parece tirar o sono do governo.

 

Uma incomum “ponte aérea” entre Washington e Bogotá, inaugurada em 22 de junho pelo almirante Craig Faller, chefe do Comando Sul, e continuada pelo diretor da CIA em 30 de junho, mostra o nível da preocupação imperial com a situação de seu aliado. Entretanto, a Casa Branca também entende, com certo ar de malícia, que tais acontecimentos também poderiam ser usados, posteriormente, em seu projeto de agressão permanente contra a Venezuela.

 

Dois fatos de autoria duvidosa que não foram esclarecidos, e que também motivaram explicações imprecisas – que, coincidentemente, ocorreram perto da fronteira com a Venezuela – parecem indicar o uso que os Estados Unidos querem dar à instabilidade na Colômbia e à incapacidade de seu governo, a fim de criar condições para eventuais operações armadas de qualquer tipo contra a Venezuela. Tanto a explosão de um carro-bomba dentro de uma base militar localizada em Cúcuta, que deixou 36 feridos, no dia 15 de junho, quanto o atentado ao helicóptero em que o presidente viajava com dois de seus ministros, em 26 de junho, na mesma cidade, estão cercados por um mistério absoluto e aumentam as dúvidas sobre os autores e as intenções que poderiam ser perseguidas com tais eventos.

 

Os Estados Unidos apoiam o desespero terrorista do uribismo, mas acreditam que devem estabelecer alguns limites para evitar que as coisas fiquem fora de controle. Estão mirando nas eleições presidenciais do próximo ano. Imediatamente, após o primeiro ataque, a Casa Branca decidiu agir: a viagem de Faller teve como objetivo saber até que ponto pode haver incapacidade do governo local de controlar a situação e os riscos que isso acarreta. Como se as autoridades colombianas não pudessem resolver a questão, Faller informou que o FBI (Departamento Federal de Investigações dos Estados Unidos) seria a instituição que investigaria o atentado, para “esclarecer os fatos, localizar os responsáveis %u20B%u20Be assim garantir que sejam levados à justiça”. Tal decisão seria baseada no fato de que no quartel atacado havia soldados americanos, que fazem parte da força de ocupação que opera naquele país.

 

Poucos dias depois, em 30 de junho, o embaixador colombiano em Washington, Francisco Santos, com sua costumeira falta de sabedoria – e em um papel de liderança que busca desesperadamente sua salvação política, após sua próxima saída do cargo –, anunciou que o diretor da CIA (Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos), William Burns viajaria ao seu país em uma missão “delicada” e obviamente secreta. Não pode passar despercebido a ninguém que, em pouco mais de uma semana, o principal chefe militar dos Estados Unidos no hemisfério, o diretor da mais importante agência de inteligência estrangeira, e o próprio presidente Biden, com seu telefonema para Duque, se interessaram pela Colômbia. Isso leva a uma situação incomum para qualquer país do mundo, a menos que haja eventos de consequências imprevisíveis ocorrendo lá.

 

No dia seguinte ao da visita de Burns, o panorama continuou ficando cada vez mais turvo, com a chegada à Colômbia, em 1° de julho, de seis aviões F-16 da Força Aérea dos Estados Unidos, mais especificamente ao Comando Aéreo de Combate No. 5, localizado em Rionegro, departamento de Antioquia.

 

No entanto, o que os dois governos escondem é que a preocupação dos Estados Unidos é na verdade dada pelo aumento da produção e exportação de cocaína da Colômbia. Em março, a Casa Branca certificou a Colômbia pelos resultados no combate às drogas em 2020. No documento, os Estados Unidos lembram que o governo de Iván Duque prometeu reduzir a safra em 50% até o final de 2023, ou seja, garantir que os hectares plantados não ultrapassem 100 mil e que a produção de cocaína seja inferior a 450 toneladas.

 

No entanto, e paradoxalmente, apenas três meses depois, em 25 de junho, três dias após a visita de Faller e cinco antes da visita de Burns, o Escritório de Política Nacional de Controle de Drogas da Casa Branca publicou seu relatório anual sobre o cultivo de folha de coca e a produção potencial de cocaína na região andina. O informe apurou um aumento histórico na Colômbia no ano passado, próximo aos 15%. Nesse sentido, destaca-se que a Colômbia bateu recordes em cultivos ilícitos e potencial de produção de cocaína, atingindo os maiores níveis da última década, com um aumento próximo a 15% em 2020, em comparação com o ano anterior.

 

O relatório indica que durante o ano passado, o país atingiu a cifra máxima de 245 mil hectares de plantações de folha de coca, após ter registrado 212 mil hectares em 2019. Também passou de 936 para mais de 1000 toneladas de produção potencial de cocaína, muito longe dos números para que Duque havia prometido.

 

Nesse contexto, a missão "delicada" de Burns teve como objetivo discutir o assunto com o governo colombiano e, muito provavelmente, entregar listas com nomes e sobrenomes de generais, parlamentares, ministros e magistrados envolvidos no narcotráfico, o que sacudiu a governabilidade do país, colocando seu sistema político em xeque, diante da evidente perturbação de Washington.

 

Tanto a Colômbia quanto os Estados Unidos precisam sustentar o comércio de drogas. Para a Colômbia, esse mercado significa emprego para centenas de milhares de camponeses, o que de outra forma aumentaria de forma significativa a marginalização e a pobreza no país, levando a uma maior instabilidade e crise. Portanto, o narcotráfico serve para injetar recursos em sua economia por meio de canais ilegais – por meio do comércio paralelo gerado por este negócio – e também legais – através do Plano Colômbia, pelo qual os Estados Unidos investem no país justamente com a desculpa de combater o narcotráfico.

 

No caso dos Estados Unidos, a DEA (Departamento Antidrogas) atua como a entidade reguladora que controla a quantidade de droga que pode circular no mercado. Se esse valor for reduzido, a violência interna aumenta, devido aos desequilíbrios produzidos pela queda da oferta, os preços sobem, gerando grande desconforto, ansiedade e violência entre os milhões de consumidores do norte do país. Ao contrário, se a oferta aumenta, o mercado é inundado, aumentando o número de consumidores e com isso cresce também o crime e as despesas de saúde para a conturbada economia dos Estados Unidos.

 

Em 1979, a DEA desenvolveu a Operação Greenback com o objetivo de investigar e controlar as rotas pelas quais fluem as grandes quantias de dinheiro produzidas por esse comércio ilegal. Porém, tal operação foi suspensa e esquecida sem explicação quando as auditorias começaram a ocorrer em importantes instituições financeiras e do mercado imobiliários nos Estados Unidos. Vale dizer que essa operação foi liderada pelo então vice-presidente e secretário antidrogas George Bush, que, mais tarde se tornaria presidente. Desde então e até agora, faltam informações confiáveis %u20B%u20Bsobre os bilhões de dólares oriundos do narcotráfico que circulam pelo sistema financeiro dos Estados Unidos e que ajudam a sustentar o chamado “american way of life”, sem que sucessivos governos tenham feito nada para evitar isso, porque sem esse dinheiro o país simplesmente entraria no caos.

 

Assim, os Estados Unidos atuam por necessidade, por um lado, para sustentar a estabilidade interna, e por outro, defendem seus interesses hegemônicos na região, se valendo do governo colombiano e das fichas criminais de alguns dos seus mais recentes presidentes. Essa é a verdadeira preocupação dos Estados Unidos. Para evitar contratempos, fará de tudo, desde preparar um substituto favorável que recupere a governabilidade do país nas eleições de 2022, mantendo as vistas grossas para as violações dos direitos humanos, os contínuos assassinatos e matanças diárias no país, e utilizando o território colombiano para ações armadas, tentativas de assassinato e operações secretas contra a Venezuela.

 

 Tradução de Victor Farinelli

 

08/07/2021

https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Pelo-Mundo/Colombia-entre-a-ansiedade-de-Biden-e-a-perturbacao-de-Uribe/6/51009

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/212994
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