Assange, Manning, Snowden, Greenwald e a nova teologia jurídica

27/01/2020
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Glenn Greenwald e Edward Snowden
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Julian Assange se notabilizou publicando as informações que recebeu sobre as atividades criminosas de um grande Banco. Algum tempo depois, ele ganharia uma projeção internacional ainda maior ao receber e divulgar segredos de guerra e diplomáticos dos EUA que lhe foram fornecidos por Bradley Manning.

 

Na mesma época em que a internet foi transformada numa poderosa ferramenta a serviço da fiscalização dos abusos governamentais, os EUA começaram a estruturar um novo serviço de coleta, estocagem e análise massiva de informações. Inspirado pela saga de Assange e Manning, o agente Edward Snowden decidiu furar o olho do Big Brother norte-americano fornecendo provas de sua existência e potencial opressivo a Glenn Greenwald e Laura Poitras.

 

As vidas desses quatro heróis da modernidade nunca mais seriam as mesmas.

 

Depois de desfrutar imenso prestígio, Assange acabou sendo enredado numa perseguição judicial fraudulenta que o levou a se refugiar durante vários anos na Embaixada do Equador em Londres. Ao ser expulso dela, o fundador do Wikileaks foi preso pelas autoridades inglesas. Ele está definhando numa prisão e tudo indica que Assange está fadado a morrer ou a ser morto para preservar os acordos geopolíticos e diplomáticos entre a Inglaterra e os EUA.

 

Bradley Manning foi preso, torturado e condenado a apodrecer na prisão. Após cumprir pena por algum tempo, ele foi perdoado por Barack Obama e colocado em liberdade. Entretanto, Manning voltou à prisão porque se recusou a testemunhar contra Julian Assange. A Justiça dos EUA também o condenou a pagar uma multa elevadíssima em virtude de sua recusa de colaborar com a perseguição criminal do blogueiro que revelou ao mundo os crimes de guerra do US Army e os abusos do US Departament of State.

 

Mais cuidadoso do que o informante do Wikileaks, Edward Snowden preferiu entregar pessoalmente em Hong Kong as informações secretas que coletou sobre o Big Brother da NSA. Após a divulgação jornalística do escândalo ele conseguiu viajar para a Rússia antes de ser preso e entregue às autoridades dos EUA. Exilado por tempo indeterminado, Snowden tem esperança de voltar a morar no seu país. Mas se ele fizer isso agora ou nos próximos anos o mais provável é que ele seja preso e condenado à morte por traição.

 

Greenwald deu seguimento à sua bem sucedida carreira jornalística. Ele voltou a se tornar o centro das atenções ao denunciar na imprensa internacional a fraude do Impeachment contra Dilma Rousseff. Após o golpe “com o Supremo com tudo”, Greenwald voltaria a incomodar as autoridades brasileiras. Isso ocorreu quando ele começou a divulgar mensagens trocadas por celular entre procuradores do MPF e membros da Justiça Federal comprovando a existência de uma verdadeira conspiração para prejudicar a candidatura de Lula.

 

Os danos causados pela Vaza Jato às pretensões políticas de Deltan Dallagnol e Sérgio Moro são evidentes. A imagem positiva construída para eles pela imprensa foi destruída por Greenwald e pelo The Intercept. Ambos não podem mais alimentar a esperança de ganhar uma vaga no STF. Todos os processos em que Moro e Dallagnol combinaram ações em segredo para prejudicar a defesa dos réus serão inevitavelmente anulados. As mensagens que eles trocaram também serão utilizadas no processo movido por Lula contra o Brasil no Comitê de Direitos Humanos da ONU.

 

A vingança política do MPF não tardou. Há alguns dias um procurador denunciou Greenwald como co-autor dos crimes praticados pelos hackers que forneceram a ele as informações que comprometem a higidez jurídica da Lava Jato. A evidente criminalização do jornalismo já começou a ser denunciada dentro e fora do Brasil.

 

Os grandes jornais norte-americanos, ingleses e europeus saíram em defesa de Greenwald. Ele também está sendo defendido por uma parte da imprensa brasileira. Atores e atrizes de Hollywood e políticos norte-americanos, ingleses e europeus estão fazendo campanha na internet em favor do jornalista do The Intercept.

 

Numa situação normal, o processo criminal movido contra Greenwald seria imediatamente trancado. O problema é que desde 2015 nós estamos vivendo sob uma intensa e crescente anormalidade política e jurídica. A banda podre do MPF e do Judiciário aderiu ao golpe de 2016 e tem feito tudo que pode para aprofundar a anomia jurídica e expandir o regime de exceção.

 

O STF continua dividido. Em alguns casos aquele Tribunal faz cumprir a Constituição Cidadã; em outros, a maioria dos Ministros inventa um pretexto para não aplicar o texto constitucional. Quando Luiz Fux assumir a presidência do STF a balança da injustiça pode esmagar Greenwald. E para piorar a situação do norte-americano, Jair Bolsonaro já deixou bem claro que deseja expulsá-lo do Brasil.

 

Assange, Manning, Snowden, Greenwald e Poitras comprometeram os planos autoritários hegemônicos e criminosos dos EUA. De todas as pessoas mencionadas aqui, apenas a última não foi perseguida pela Justiça.

 

Laura Poitras mora em Berlin e não tem sido incomodada pelas autoridades alemãs. No caso específico dela, a tolerância jornalística da Alemanha também pode ser interpretada como uma demonstração de gratidão. Afinal, Poitras revelou ao mundo que a NSA espionava a primeira ministra Angela Merkel. Desde então as relações diplomáticas entre alemães e norte-americanos ficaram abaladas. A eleição de Trump não facilitou uma reaproximação entre os dois países.

 

A maneira como as autoridades estão tratando os casos de Assange, Manning, Snowden e Greenwald indica que ocorreu uma evidente degradação dos padrões jurídicos ocidentais. Os Sistemas de Justiça dos EUA, da Inglaterra e do Brasil foram transformados em apêndices políticos do Pentágono e da Casa Branca.

 

O fundador do Wikileaks ficou preso numa Embaixada sem ter sido condenado e está sendo lentamente assassinado para garantir a sagrada unidade diplomática entre a Inglaterra e os EUA. Manning faliu e entra e sai da prisão porque se recusa a prestar depoimento sobre um crime do qual foi perdoado. Snowden foi condenado ao exílio para conservar a vida. Greenwald corre o risco de ser condenado e preso ou simplesmente deportado porque está sendo criminalmente processado.

 

Com a ajuda dos procuradores e dos juízes o autoritarismo está se consolidando como único método de governança política. A livre circulação de informações indispensáveis ao exercício da cidadania passou a ser tratada como uma coisa perigosa. Os limites crescentes impostos ao jornalismo provocam e aceleram a degradação dos regimes democráticos. A censura direta, indireta ou disfarçada está voltando a ser considerada desejável ou inevitável.

 

Nas profundezas deste abismo irradiado dos EUA para os seus satélites podemos ver a politização da religião. A Bíblia foi transformada num instrumento de ataque para sabotar, limitar ou refogar princípios constitucionais seculares erigidos à mais de um século para possibilitar a existência e o fortalecimento da democracia. É fato, nesse momento será inútil defender a defesa da liberdade com argumentos racionais. O fundamentalismo religioso se caracteriza pela irracionalidade e ela é impermeável ao método racional do Direito. Uma nova teologia precisa ser concebida.

 

No princípio era a Justiça. E ela se fez luz. E isso foi bom. Sob a luz da justiça a verdade foi revelada, vista e compartilhada por todos. E isso foi melhor. Pois onde a verdade emerge dos fatos e pode predominar todo conflito humano pode resultar numa paz justa entre os cidadãos. Será banido para as profundezas do espaço sideral aquele que quiser recriar a escuridão, que repetir mentiras à exaustão e que espalhar injustiças entre os homens. Amém.

 

25/01/2020

https://jornalggn.com.br/artigos/assange-manning-snowden-greenwald-e-a-nova-teologia-juridica-por-fabio-de-oliveira-ribeiro/

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/204403
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