Bush recebe Lula em Camp David
02/04/2007
- Opinión
O 31 de março pode ser um dia importante para o futuro da América Latina, sobretudo do ponto de vista simbólico. George W. Bush recebe o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o sindicalista no qual boa parte do continente depositou suas esperanças de mudança em janeiro de 2003, quando se tornou presidente do Brasil.
Camp David é um lugar especial. Poucos presidentes do mundo são recebidos na residência presidencial dos Estados Unidos; apenas os personagens mais destacados e em circunstâncias certamente especiais. Ali se acertou o desembarque aliado na Normandia na 2ª Guerra Mundial; na residência se reuniram várias vezes os presidentes Dwight Eisenhower e Nikita Kruschev para abordar problemas da guerra fria e as relações entre os Estados Unidos e a União Soviética. Ali se acertou a invasão a Cuba em 1961. Em setembro de 1978 - depois de 12 dias de negociações entre o presidente Anwar el-Sadat (Egito) e o primeiro ministro Menachem Begin (Israel) com a mediação de Jimmy Carter na residência presidencial- se firmou a paz entre ambos países, no que ficou conhecido como os Acordos de Camp David.
Poucos lugares no mundo têm a ressonância deste pequeno espaço nos arredores de Washington. Ali estará Lula (nosso Lula) conversando com Bush, rodeados por bucólicas colinas e bosques. O encontro já estava acertada quando Bush emprendeu seu recente giro latino-americano por Brasil, Uruguai, Colômbia, Guatemala e México. Esse giro representou, certamente, uma inflexião nas relações entre Estados Unidos e Brasil focalizadas agora no etanol. Mas foi muito mais que isso: uma antecipação do que pode vir, do clima instalado na região que supõe uma inflexão de larga duração. E isso vai mais alem dos acordos firmados ou dos que podem firmar-se agora em Camp David. São sinais, guinadas, ademanes que têm tanta importância como os feitos duros e puros porque os antecipam, indicam caminhos.
As atitudes de governos de esquerda como o de Lula e o de Tabaré Vázquez para com o governo de Bush estão dando fôlego às direitas do continente que cada vez pedem mais e estão agora em condições de aplicar uma revanche, em função do fracasso da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) na Cumbre de Mar del Plata, em novembro de 2005. "Qualquer acordo bilateral com os Estados Unidos reproduz, em sua devida escala, o mesmo conteúdo da ALCA: seguridade hemisférica e livre comércio", afirma Luis Fernando Novoa, sociólogo e membro da ATTAC, no Correio da Cidadania. É essa a orientação adotada que se desprende também das afirmações do ministro brasileiro, Celso Amorim, ao indicar que "precisamos de um acordo Mercosul-Estados Unidos" com base em "acordos bilaterais tomando como modelo o etanol".
Tabaré Vásquez foi na mesma direção quando disse a Bush que "apostamos num processo de integração aberta" e agora defende que "desde a Terra do Fogo até o Alasca temos que ser um só continente". Sem dúvida, o espírito de Mar del Plata ficou para trás e agora estamos num novo tempo histórico. Como será este tempo, ainda não sabemos, mas podemos estar seguros que a iniciativa está passando das mãos dos movimentos sociais e governos mais antimperialistas da região às elites e aos governos mais suscetíveis a fazer pactos com Washington com base num rigoroso livre comércio.
O que podemos chamar de "primavera progressista" do continente teve alguns momentos significativos que vale a pena recordar. As insurreições populares bolivianas entre 2000 e 2005, o "argentinazo" de dezembro de 2001, o levante indígena e popular equatoriano contra o Tratado de Livre Comércio (TLC), no começo de 2006, para mencionar apenas alguns marcos, além dos contundentes triunfos eleitorais das esquerdas na Venezuela, Equador, Uruguai, Brasil e Nicarágua. Devemos recordar, também, das afirmações feitas no "Consenso de Buenos Aires" entre Lula e Néstor Kirchner, em outubro de 2003, quando afirmaram sua "vontade de intensificar a cooperação bilateral e regional para garantir a todos os cidadãos o pleno gozo de seus direitos e liberdades fundamentais, incluindo o direito ao desenvolvimento, no marco da liberdade e justiça social". Lembremos também do NÃO rotundo à ALCA que os cinco países do Mercosul impuseram a Bush em Mar del Plata.
Os acordos que Brasil e Estados Unidos estão fazendo agora - além do que o Uruguai busca com a superpotência - são problemáticos em si mesmos porque isolam cada vez mais Venezuela e Cuba, debilitam os itinerários que parecem buscar Bolívia e Equador e têm o "valor agregado" de que pavimentan um novo ciclo de acumulação de capital, no qual as transnacionais estadunidenses tiveram um papel destacado.
É bom dizer com clareza: nós que lutamos por mudanças estamos na defensiva. E necessitamos tomar consciência da situação para atuar em conseqüência. Um bom caminho é o que as centrais sindicais e movimentos populares de Brasil fizeram, com seu encontro no último 25 de março em São Paulo. Um editorial do Correio da Cidadania crê que "pode ser um marco histórico importante de uma nova fase da luta popular", já que poderiam abordar algumas debilidades que puseram os movimentos na defensiva "desde que Fernando Henrique Cardoso quebrou a espinha dorsal do sindicato dos petroleiros, há dez anos". Também afirma que nossa luta "continuará sendo de resistência por muito tempo, porque as forças da burguesia são muito superiores".
Prova disso é que o segundo governo Lula formou um ministério consideravelmente mais à direita que no seu primeiro governo. Sintoma dos novos tempos: direitização acima, reorganização e clareza abaixo.
- Raúl Zibechi é membro do Conselho de Redação do Semanário Brecha de Montevidéu e docente na Multidiversidade Franciscana de América Latina
Fonte: Brasil de Fato
http://www.brasildefato.com.br
Camp David é um lugar especial. Poucos presidentes do mundo são recebidos na residência presidencial dos Estados Unidos; apenas os personagens mais destacados e em circunstâncias certamente especiais. Ali se acertou o desembarque aliado na Normandia na 2ª Guerra Mundial; na residência se reuniram várias vezes os presidentes Dwight Eisenhower e Nikita Kruschev para abordar problemas da guerra fria e as relações entre os Estados Unidos e a União Soviética. Ali se acertou a invasão a Cuba em 1961. Em setembro de 1978 - depois de 12 dias de negociações entre o presidente Anwar el-Sadat (Egito) e o primeiro ministro Menachem Begin (Israel) com a mediação de Jimmy Carter na residência presidencial- se firmou a paz entre ambos países, no que ficou conhecido como os Acordos de Camp David.
Poucos lugares no mundo têm a ressonância deste pequeno espaço nos arredores de Washington. Ali estará Lula (nosso Lula) conversando com Bush, rodeados por bucólicas colinas e bosques. O encontro já estava acertada quando Bush emprendeu seu recente giro latino-americano por Brasil, Uruguai, Colômbia, Guatemala e México. Esse giro representou, certamente, uma inflexião nas relações entre Estados Unidos e Brasil focalizadas agora no etanol. Mas foi muito mais que isso: uma antecipação do que pode vir, do clima instalado na região que supõe uma inflexão de larga duração. E isso vai mais alem dos acordos firmados ou dos que podem firmar-se agora em Camp David. São sinais, guinadas, ademanes que têm tanta importância como os feitos duros e puros porque os antecipam, indicam caminhos.
As atitudes de governos de esquerda como o de Lula e o de Tabaré Vázquez para com o governo de Bush estão dando fôlego às direitas do continente que cada vez pedem mais e estão agora em condições de aplicar uma revanche, em função do fracasso da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) na Cumbre de Mar del Plata, em novembro de 2005. "Qualquer acordo bilateral com os Estados Unidos reproduz, em sua devida escala, o mesmo conteúdo da ALCA: seguridade hemisférica e livre comércio", afirma Luis Fernando Novoa, sociólogo e membro da ATTAC, no Correio da Cidadania. É essa a orientação adotada que se desprende também das afirmações do ministro brasileiro, Celso Amorim, ao indicar que "precisamos de um acordo Mercosul-Estados Unidos" com base em "acordos bilaterais tomando como modelo o etanol".
Tabaré Vásquez foi na mesma direção quando disse a Bush que "apostamos num processo de integração aberta" e agora defende que "desde a Terra do Fogo até o Alasca temos que ser um só continente". Sem dúvida, o espírito de Mar del Plata ficou para trás e agora estamos num novo tempo histórico. Como será este tempo, ainda não sabemos, mas podemos estar seguros que a iniciativa está passando das mãos dos movimentos sociais e governos mais antimperialistas da região às elites e aos governos mais suscetíveis a fazer pactos com Washington com base num rigoroso livre comércio.
O que podemos chamar de "primavera progressista" do continente teve alguns momentos significativos que vale a pena recordar. As insurreições populares bolivianas entre 2000 e 2005, o "argentinazo" de dezembro de 2001, o levante indígena e popular equatoriano contra o Tratado de Livre Comércio (TLC), no começo de 2006, para mencionar apenas alguns marcos, além dos contundentes triunfos eleitorais das esquerdas na Venezuela, Equador, Uruguai, Brasil e Nicarágua. Devemos recordar, também, das afirmações feitas no "Consenso de Buenos Aires" entre Lula e Néstor Kirchner, em outubro de 2003, quando afirmaram sua "vontade de intensificar a cooperação bilateral e regional para garantir a todos os cidadãos o pleno gozo de seus direitos e liberdades fundamentais, incluindo o direito ao desenvolvimento, no marco da liberdade e justiça social". Lembremos também do NÃO rotundo à ALCA que os cinco países do Mercosul impuseram a Bush em Mar del Plata.
Os acordos que Brasil e Estados Unidos estão fazendo agora - além do que o Uruguai busca com a superpotência - são problemáticos em si mesmos porque isolam cada vez mais Venezuela e Cuba, debilitam os itinerários que parecem buscar Bolívia e Equador e têm o "valor agregado" de que pavimentan um novo ciclo de acumulação de capital, no qual as transnacionais estadunidenses tiveram um papel destacado.
É bom dizer com clareza: nós que lutamos por mudanças estamos na defensiva. E necessitamos tomar consciência da situação para atuar em conseqüência. Um bom caminho é o que as centrais sindicais e movimentos populares de Brasil fizeram, com seu encontro no último 25 de março em São Paulo. Um editorial do Correio da Cidadania crê que "pode ser um marco histórico importante de uma nova fase da luta popular", já que poderiam abordar algumas debilidades que puseram os movimentos na defensiva "desde que Fernando Henrique Cardoso quebrou a espinha dorsal do sindicato dos petroleiros, há dez anos". Também afirma que nossa luta "continuará sendo de resistência por muito tempo, porque as forças da burguesia são muito superiores".
Prova disso é que o segundo governo Lula formou um ministério consideravelmente mais à direita que no seu primeiro governo. Sintoma dos novos tempos: direitização acima, reorganização e clareza abaixo.
- Raúl Zibechi é membro do Conselho de Redação do Semanário Brecha de Montevidéu e docente na Multidiversidade Franciscana de América Latina
Fonte: Brasil de Fato
http://www.brasildefato.com.br
https://www.alainet.org/pt/active/16675?language=en
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