Desafios aos países da CELAC
07/02/2014
- Opinión
Em nenhum outro Continente há, nas últimas três décadas, mudanças tão significativas quanto na América Latina e no Caribe. A II Cúpula da CELAC (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e do Caribe), reunida em Havana a 28 e 29 de janeiro, refletiu esse processo renovador e os desafios que se apresentam aos 33 países – com 600 milhões de habitantes - que integram o organismo criado, oficialmente, em Caracas, a 3 de dezembro de 2011.
Cuba propôs fortalecer a luta contra a pobreza, a fome e a desigualdade, e declarar o Continente “zona de paz”, livre sobretudo de armas nucleares.
A CELAC condenou o criminoso bloqueio dos EUA a Cuba; apoiou a soberania argentina sobre as Ilhas Malvinas; e respaldou a independência de Porto Rico e seu posterior ingresso no organismo.
Como instituição de articulação política, a CELAC tem o mérito de excluir a participação dos EUA e do Canadá, que sempre trataram a América Latina e o Caribe como seu quintal...
Após o fracasso do NAFTA (Tratado de Livre Comércio entre os EUA e o México, e o Chile como associado), e a rejeição da proposta da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) pela maioria dos países do Continente, este iniciou seu percurso por um caminho próprio. A América Latina e o Caribe atingiram, enfim, a sua maioridade.
Muitos fatores contribuíram para esse avanço. Primeiro, a resistência, a persistência e a permanência da Revolução Cubana, que não sucumbiu frente às agressões dos EUA nem em consequência da queda do Muro de Berlim e do esfacelamento da União Soviética.
Vieram, em seguida, a rejeição eleitoral aos candidatos que encarnavam a proposta neoliberal e a vitória daqueles identificados com as demandas populares, em especial dos mais pobres: Chávez, Daniel Ortega, Lula, Bachelet, Kirchner, Mujica, Correa, Morales etc.
Vários organismos foram criados para fortalecer a integração continental: ALBA, UNASUL, CARICOM, ALADI, PARLATINO, SICA etc.
Muitas dificuldades, entretanto, se configuram no horizonte. Nessa economia globalizada e hegemonizada pelo capitalismo neoliberal, a crise de moedas fortes, como o dólar e o euro, afetam negativamente os países do Continente. Embora haja avanços no combate à extrema pobreza, ainda hoje a região abriga 50 milhões de miseráveis; os salários pagos aos trabalhadores são baixos frente aos custos inflacionados das necessidades vitais; a desigualdade social cresce vertiginosamente (dos 15 países mais desiguais do mundo, 10 se encontram no Continente).
Na Europa, onde a crise econômica desemprega 30 milhões de pessoas, a maioria jovens, já não há uma esquerda capaz de propor alternativas. O Muro de Berlim desabou sobre a cabeça de partidos e militantes de esquerda, quase todos cooptados pelo neoliberalismo.
Nos países da CELAC, a histórica dependência de suas economias ao mercado externo dá indícios de uma crise que tende a se agravar. Os índices de crescimento do PIB caem; a inflação ressurge; e se agravam a desindustrialização e o êxodo rural com a consequente expansão do latifúndio.
Não basta ter discursos e políticas progressistas se não encontram correspondência e adequação nos programas econômicos. E nossas economias continuam sob pressão de países metropolitanos; de organismos inteiramente controlados pelos donos do sistema (FMI, Banco Mundial, OCDE etc.); de um sistema de tarifas, em especial do preço de alimentos, intrinsecamente injusto, e segundo o qual os lucros privados do mercado têm mais importância que a vida das pessoas.
Este dado da OXFAM, divulgado a 16 de janeiro deste ano, retrata bem o mundo em que vivemos: 85 pessoas no planeta possuem, juntas, uma fortuna de US$ 1,7 trilhão, a mesma renda de 3,5 bilhões de pessoas – metade da população mundial.
Todos os governos progressistas que, hoje, se congregam na CELAC, sabem que foram eleitos pelos movimentos sociais e pelos segmentos mais pobres que constituem a maioria da população. No entanto, será que há um efetivo trabalho de organizar os segmentos populares? Há uma metodologia que vá além de meras “palavras de ordem” (consignas) e que imprima senso revolucionário nos cidadãos? Os movimentos sociais são protagonistas de políticas de governos ou meros beneficiários de programas de caráter assistencialista e não emancipatório de combate à pobreza?
A cabeça pensa onde os pés pisam. Nossos governos progressistas correm o sério risco de se verem sucumbidos pela contradição entre política de esquerda e economia de direita, caso não mobilizem o povo para implementar reformas estruturais.
Como dizia Onelio Cardozo, as pessoas têm “fome de pão e de beleza”. A primeira é saciável; a segunda, infindável. Isso significa que o desejo humano, que é infinito, só deixará ser refém do consumismo e do hedonismo – tentáculos do neoliberalismo – se tiver saciado sua fome de beleza, ou seja, de sentido à existência, de emulação moral, de valores éticos capazes de moldar o homem e a mulher novos.
Isso não se alcança apenas com mais feijão no prato e mais dinheiro no bolso. E sim com uma formação capaz de imprimir em cada cidadão e cidadã a convicção de que vale a pena viver e morrer para que todos tenham vida, e vida em abundância, como disse Jesus (João 10, 10).
Retornamos, assim, à questão da educação política. Por natureza, o ser humano é egoísta. Porém, ninguém nasce reacionário, preconceituoso, machista ou racista. Tudo depende da educação recebida. É a educação que desperta em nós o altruísmo, a solidariedade, o amor, o senso de partilha e a disposição de sacrifícios em função dos outros.
À proposta de Raúl Castro, de combater a miséria, a fome e a desigualdade, eu acrescentaria a urgência de também combater a “pobreza de espírito” e saciar a “fome de beleza”, cultivando metodologicamente nas novas gerações e nos movimentos sociais o anseio de construção de um mundo de homens e mulheres novos.
- Frei Betto é escritor, autor de “A mosca azul – reflexão sobre o poder” (Rocco), entre outros livros.
https://www.alainet.org/pt/articulo/82989
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