Os evangélicos e o poder

18/01/2019
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Artigo publicado em espanhol na Revista América Latina en Movimiento No. 538: Brasil: ¿e agora? 18/12/2018

Passado o período eleitoral no Brasil, que resultou na expressiva vitória do candidato Jair Bolsonaro(PSL) no segundo turno com 57.797.847 votos (55,13%) contra Fernando Haddad(PT) que obteve 47.040.906 votos (44,87%), muitas organizações, movimentos, partidos e a esquerda em geral estão fazendo seus balanços, diagnósticos e avaliações para identificar os equívocos e os principais elementos que compõem essa derrota.

 

Algumas análises que já começam a se tornarem públicas, da qual o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) subscreve algumas delas, dão conta que a esquerda sofreu uma derrota eleitoral, política, mas sobretudo, e o que é mais grave, uma derrota ideológica.

 

Grande parte da população (eleitora de Bolsonaro) absorveu a ideia de que a corrupção nasceu com o Partido dos Trabalhadores(PT) e não é intrínseca ao sistema capitalista; que o problema da segurança pública será resolvido com uma arma para cada brasileiro; que o problema do desemprego é porque as empresas pagam muitos impostos e há muitas leis trabalhistas que penalizam os patrões, etc. Aí estão as grandes questões que povoaram a campanha eleitoral mas que não foram objeto de debates que aprofundassem os programas e políticas para resolvê-las.

 

Ao retirarem Lula da disputa eleitoral, sabidamente um candidato que aparecia como vencedor desse pleito em todas as pesquisas de opinião, os setores conservadores consolidaram seu plano de retomada do poder que começou com o golpe contra presidente Dilma Rousseff em 2016.

 

A massiva campanha das chamadas Fake News contra o candidato Fernando Haddad e o PT, organizada por equipes altamente especializadas na chamada psicologia das massas, e disseminadas nas redes sociais por potentes computadores foram um elemento novo e fundamental para a vitória de Bolsonaro.

 

Entretanto, as Fake News por si só não seriam capazes de germinar, florescer e multiplicar-se se não houvesse um campo fértil para essa empreitada. Aí entra em cena um dos setores em expansão mais organizados, coesos e conservadores de nossa sociedade contemporânea: os evangélicos.

 

O Brasil ainda é a maior nação católica do mundo. Segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE) de 2010, 64,6% da população se declararam católicos, no entanto esse número já foi bem maior e a causa dessa queda é que nos últimos anos cresce de maneira avassaladora o número de evangélicos que já são mais de 42 milhões de habitantes (22,2%).

 

Com uma capacidade de mobilização popular impressionante, as igrejas evangélicas foram aos poucos assumindo trabalhos de pastoral que antes era hegemonizado pela igreja católica, fundamentalmente com a população de baixa renda em todo país, mas principalmente nas grandes metrópoles disseminando sua teologia da prosperidade no lugar onde antes eram propagadas os fundamentos da teologia da libertação.

 

Mas o que se percebe é que tudo isso não é por acaso, o apoio a Bolsonaro é parte da estratégia das lideranças evangélicas para chegada ao poder. O governo Bolsonaro tem como principais bases de apoio: os militares, os neoliberais e os evangélicos. Portanto, será um governo extremamente conservador aplicando uma política Ultra neoliberal.

 

Poder econômico, midiático e político

 

O projeto de poder dos evangélicos fica mais evidente quando analisamos a construção de impérios empresariais das principais igrejas que se denominam pentecostais: Assembleia de Deus, Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), Igreja Mundial do Poder de Deus, Renascer em Cristo, Igreja Internacional da Graça de Deus. Essas igrejas se expandem no mundo todo e seus principais pastores já detém as maiores fortunas do país.

 

No campo comunicacional, os evangélicos são proprietários de grandes quantidades de concessões de rádios do país. Além de deterem programas de televisão nos principais canais e especialmente a IURD que detém a concessão da TV Record que é a segunda maior audiência do Brasil, somente atrás da poderosa Globo. Somam-se milhões de jornais impressos distribuídos gratuitamente diariamente em todo país, e portais na internet.

 

Os evangélicos criaram seus partidos e tem atuações importantes elegendo seus membros nas Câmeras Municipais, Estaduais, Federal e no Senado. No Congresso Nacional, a Frente Parlamentar Evangélica, mais conhecida como a “Bancada da Bíblia” é o front da defesa das pautas conservadoras. Temas como a diminuição da maioridade penal, lei contra o aborto, lei contra união homo afetiva, etc, são as pautas que ganham relevância com esses congressistas. A bancada da Bíblia votou em peso a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff.

 

O Rio de Janeiro, a segunda maior cidade do país é administrado pelo ex-senador Marcelo Crivella que é sobrinho de Edir Macedo, o todo poderoso pastor da IURD. Além de possuírem parques gráficos para produção de jornais, revistas e livros, agora começam a se expandirem para o ramo da educação privada, criando a primeira rede de universidade.

 

Após os 40 anos do início do pontificado de Karol Josef Wojtyla, o João Paulo II (1978-2005) que operou em articulação com Departamento de Estado dos Estados Unidos uma campanha contra bispos, padres, freiras e leigos ligado à Teologia da Libertação ou simplesmente adeptos do Conselho do Vaticano II em toda América Latina, o que se colheu foram extinções ou desarticulações das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), dos Conselhos Diocesanos e Paróquias onde se exerceria o evangelho preferencial pelos pobres.

 

A partir desse plano intencional de Roma, aliado aos imensos recursos financeiros dos EEUU para um novo tipo de missão Evangélica, observamos o surgimento dessa nova igreja que se expande baseado numa doutrina que defende a benção financeira e a riqueza material como único desejo de Deus.

 

Voltando avaliação do que fazer de acordo com os Movimentos Populares, diante desse quadro que se apresenta, a estratégia é recuperar a hegemonia da classe trabalhadora na sociedade. Para tanto, a tática está no campo da resistência ativa. Isso significa que se deve ampliar, fortalecer e retomar o trabalho de base; ampliar a construção da unidade em torno das lutas de massas; dinamizar e fortalecer os instrumentos de comunicações e de formação; apoiar a formação da Frente Democrática contrária às políticas repressivas, privatizantes e recessivas do novo governo.

 

Vivemos novos tempos. Uma breve leitura sobre nossa região, indica que estamos sob cerco fascista, conservador e autoritário. Mas a história de nossos povos sempre foi de luta e resistência, acumulando sabedoria para os dias difíceis e esse é o momento de, juntos com a classe trabalhadora, construir o amanhã.

 

Joaquín Piñero, membro da Direção Nacional do MST e da Coordenação Continental da ALBA Movimientos.

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/197635
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