Casamento de inocentes presos reforça o movimento de solidariedade a Curuguaty

01/08/2017
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O casamento de meus amigos paraguaios Luis Olmedo e Dolores López virou manchete de jornal no último sábado em Assunção. Mantendo a tradição da mídia venal, o matrimônio de pequenos agricultores só pode ganhar destaque, com foto e tudo, quando é tema criminal: “Um casal julgado no caso Curuguaty diz sim no cárcere”.

 

A concorrida cerimônia aconteceu dentro da capela do complexo penitenciário de Tacumbú, cheia de familiares e amigos dos inocentes, responsabilizados pelas mortes de seis policiais e 11 agricultores em Marina Kue, Curuguaty, no dia 15 de junho de 2012. A acusação aos camponeses desviou o foco dos franco-atiradores que, devidamente treinados por militares estadunidenses, alvejaram negociadores de ambos os lados para forçar o conflito e pôr fim ao governo de Fernando Lugo.

 

“Cúmplice de homicídio” sem nunca ter sido sequer identificada por nenhuma testemunha, foto ou filmagem, quem via o sorriso farto irradiado no vestido branco de Dolores López esquecia da sua condenação de seis anos. Nem a do seu amado. Contente, caminhou decidida ao encontro do noivo. Condenado a 20 anos por “tentativa de assassinato, invasão de imóvel alheio e associação criminosa”, Luis Olmedo era só alegria, pensando no país sem cercas sonhado para a família.   

 

Dolores se vestiu na própria penitenciária. “Não havia ali nem mesmo um espelhinho com que pudesse se ver com seu traje de noiva. Mas isso foi só um detalhe, porque tudo correu maravilhosamente bem, apesar das grades que nos separavam do mundo dos ‘livres’”, relatou a renomada historiadora Margarita Durán Estragó. Um dos pilares do movimento de solidariedade aos camponeses, Margarita estave acompanhada por vários expoentes da campanha popular, como o líder religioso Pai Oliva e Guillermina Kanonnikoff, referência da luta contra a ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989).

 

“Que o melhor presente destas bodas seja a liberdade tão merecida e esperada, tanto e tanta como a terra e a justiça”, enfatizou Guillermina, ao lado de Arnaldo Quintana e Néstor Castro (ambos condenados a 18 anos) e Luis Olmedo (a 20 anos).

 

Esperança

 

Resoluto, encarnando um mundo de esperanças, o líder camponês Rubén Villalba - sobre quem pesa uma condenação de 35 anos - 30 anos de prisão com mais cinco de “medidas de segurança” - colocou um punhado de terra ante o altar. Ali, ao alcance das mãos, estava o símbolo da luta pela reforma agrária nas terras públicas de Marina Kue, ilegalmente invadidas e apropriadas pela família Riquelme graças às relações promíscuas com Stroessner e com o promotor do caso, Jalil Rachid.

 

Emocionados, camponeses que já cumpriram a pena compareceram devidamente paramentados, ao mesmo tempo em que familiares dos caídos reforçavam a presença simbólica dos 11 camponeses que tombaram em Curuguaty. Lembravam Adolfo Castro, de 28 anos, que se rendeu ao ver que os policiais haviam levado o seu filho de três anos, quando foi abatido com um tiro no rosto; Avelino Espínola (Pindu), 54 anos, agarrado pelo pescoço, rendido e executado; Fermín Paredes González, 28 anos, que, ferido, pediu ajuda, mas de nada adiantou; Andrés Riveros, 67 anos, que abriu os braços já entregue e disse ter fumo, quando foi abatido; Delfín Duarte, 56 anos, morto com um tiro na boca; Francisco Ayala, 38 anos, com um tiro na cabeça; Luis Agustín Paredes González, 26 anos, que teve a massa encefálica destruída; Luciano Ortega, 18 anos, filho único, morto enquanto buscava a mãe, após ter colocado o pai a salvo. Foram igualmente abatidos a tiros – e recordados -  De los Santos Agüero Romero, 23 anos, que auxiliava o pai na produção agroecológica, Arnaldo Ruiz Díaz, 35 anos, e Ricardo Frutos Jara, 42 anos.

 

Vale ressaltar que no massacre de Curuguaty havia menos de 60 agricultores no local (metade deles idosos, mulheres e crianças), cercados por 324 policiais fortemente armados, dispondo até de helicóptero. Contra qualquer razoabilidade, instalou-se artificialmente o “confronto” que levou uma semana depois à deposição de Lugo, inviabilizando por completo qualquer processo de redistribuição de terra ou de renda. Resultado: um grupo de camponeses foi condenado por “tentativa de assassinato, invasão de imóvel alheio e associação criminosa”. E a reforma, novamente sentenciada, a esperar.

 

Orquestração

 

Antecipando-se às repercussões positivas do matrimônio, apenas um dia antes, 28 de julho, o jornal de maior circulação no país, o ABC Color, sustentado pelo agronegócio, estampava na capa: “Constatam depredação em Marina Kue”. A canalhice da reportagem, empenhada em transformar os camponeses que resistem no local em vândalos, fez com que os Membros Familiares do Massacre de Curuguaty fizessem um comunicado, levantando a voz para “desmentir a informação mal intencionada do ABC”. “Agora querem fazer crer que somos ‘depredadores’, os mesmos que em 2012 nos qualificaram como ‘invasores’. Naquele então, poderes econômicos, motivados por interesses inconfessáveis, optaram por derrubar um governo legitimamente estabelecido para o que perpetraram um massacre de inocentes, nossos familiares. Não somos nem invasores nem depredadores, mas camponeses trabalhadores que estamos ocupando estas terras que nos pertencem e estamos cultivando mandioca, milho, batata, feijão, alimentos para a subsistência de nossas famílias”.

 

No comunicado, os familiares também solicitaram que a Secretaria de Meio Ambiente respeite seus direitos como paraguaios, “verifique o local e faça informes que sejam reais e concretos”. “Há cinco anos, ou seja, desde o início, temos levantado nossa voz de protesto, criticando a injustiça do julgamento e pedindo sua imediata anulação. Apelamos à opinião pública para que se una conosco e levante a voz ante o mundo: Não podemos ficar em silêncio frente à condenação de inocentes de tantos anos de privação à liberdade”.

 

Solidários aos camponeses, manifestantes voltaram a erguer cartazes em frente ao Tribunal de Justiça de Assunção, defendendo a anulação do julgamento: “o governo rouba, a polícia mata, a imprensa mente e o povo sofre”.

 

E o que foi do dia seguinte do casamento? Como nos relatou Margarita: “No domingo, bem cedinho, um policial já esperava Dolores fora da penitenciária para levá-la de volta à sua prisão domiciliar. Em Marina kue…”

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/187221
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