Nem messias nem salvadores
- Opinión
“O português vinha encontrar na América tropical uma terra de vida aparentemente fácil; na verdade dificílima para quem quisesse aqui organizar qualquer forma permanente ou adiantada de economia e de sociedade.” (Gilberto Freyre. Casa-grande e senzala.)
Uma solução decisiva para o Brasil é improvável. Se ela estivesse apenas numa fórmula matemática, eu pediria consultoria ao brilhante mas descrente físico inglês Stephen Hawking. Ou tentaria a sorte com uma das centenas de cartomantes embusteiras que iludem pessoas no Brasil em troca de dinheiro. Por essa via, eu perguntaria se Aécio Neves faria mesmo melhor que Dilma Rousseff se ele tivesse vencido as disputadas eleições presidenciais.
A realidade é que uma solução categórica para o Brasil não está nas mãos de Aécio, nem de Dilma, nem de algum messias ou salvador. Ela está com você, leitor, a partir do momento em que sua fé deixar de ser cega e sua instrução assegurar cidadania e ética a você e a seu entorno. Até esse ponto, sem dúvida aludo ao assunto da educação, tão basilar para que o Brasil saia do atoleiro e brasileiros arregacem as mangas pensando no futuro.
Nesse ínterim, há que valorizar labores construtivos e realizar reformas íntimas. Não é possível avançar enquanto brasileiros relegam desejos instrutivos e vivem de aparências. Brasileiros preocupam-se exageradamente com o que se pensa deles e delas, fingem ter o que não têm, compram a crédito mesmo que não possam pagar a conta, e incomodam-se com outras pessoas que apontam seus erros e suas condutas desregradas.
É difícil reorientar um adulto no Brasil no que se refere a práticas tão banais quanto atirar lixo na lixeira para manter calçadas e ruas limpas, evitar ruído excessivo desde seus veículos em vias públicas e na vizinhança após altas horas, e coletar dejetos de seus animais de estimação quando a passeio em logradouros públicos. Uma sociedade bem instruída e organizada não precisa de leis nem de fiscais que garantam a ordem. Basta que o bom senso e a boa instrução interiorizem em cidadãos regras básicas de convivência.
Teríamos uma situação ideal em que seres que recebem boa instrução repassam-na a seus filhos, seus colegas, seus aprendizes. Não obstante, a corrupção grassa não somente em esferas de governo, como estamos fartos de ouvir. Ela também afeta os pilares da família, do labor e da escola. Pais, colegas e professores desorientados são exemplos ruins aos outros.
Desse modo, somente um grupo pequeno de pessoas bem-intencionadas não endireitaria o Brasil. Porém, sementes promissoras espargem-se num campo assaz generoso para que meio-cidadãos tornem-se cidadãos plenos. Não se trata de formar um foco civilizatório repelente e segregador, como a Europa produziu em abundância, mas de unir e conciliar. O Brasil não é uma extensão da Europa, como tentaram fazer nos Estados Unidos e no Canadá, mas uma Arca de Noé que acolhe e recepciona o mundo.
Antes que essa mensagem verdadeiramente civilizadora que emana do Brasil fique clara, há desafios tremendos que batem na porta de todo brasileiro. Refiro-me, por exemplo, à mentalidade que supervaloriza o papel salvador das elites, mas despreza e oculta o dos marginais. É nesse clima que se compadece pelo falecimento de celebridades, como o filho do governador quando cai de helicóptero e atores de novela. Porém, nota-se a indiferença a tantos jovens que deixam a vida por causa da violência em favelas.
É evidente que um cidadão não se forma apenas pela intenção boa e transformadora de professores que instruem seus aprendizes em escolas, enquanto um número de pais embriagam-se, agridem familiares e dão exemplos perniciosos às crianças. Mas uma faísca de luz já seria um bom começo, ainda que a solução para o Brasil seja um esforço mancomunado.
A educação, além disso, é um processo constante, sem idade para acabar, que se nutre reciprocamente entre pessoas, e sem certezas de superioridade ou inferioridade. Ela é relativa, e para que se concretize é necessário que se ajustem regras públicas e se padronizem planos familiares.
Primeiramente, pensemos em como queremos ser tratados.
Em seguida, temos que desconfiar de messias e salvadores.
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