Bases militares dos EUA: controvérsia e polêmica histórica

07/01/2019
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A possibilidade de o governo do Brasil ceder espaço territorial para instalação no país de uma base militar dos Estados Unidos é desnecessária e inoportuna na opinião de três generais e três oficiais superiores, segundo a revistas Veja. Admitida em entrevista ao SBT pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo chanceler Ernesto Araújo como uma questão a ser estudada no futuro, a ideia não se afina com a política nacional de Defesa. Na prática, a iniciativa pode ser um fator complicador nas delicadas discussões bilaterais para uso do Centro de Lançamento de Alcântara, da Força Aérea, no Maranhão.

 

A posição do complexo e as condições climáticas favoráveis na maior parte do ano contribuem para redução significativa dos custos da operação comercial do transporte espacial para posicionamento de satélites. Os americanos gostariam de um aluguel de longo prazo. Os brasileiros querem vender serviços em regime de cooperação – todavia, sem ceder o controle da base.

 

O chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, afirmou, durante encontro do Grupo de Lima — bloco de países latino-americanos que pressionam a Venezuela a ceder aos intentos golpistas da direita —, que o presidente Jair Bolsonaro “não exclui a possibilidade” da instalação de uma base militar americana no Brasil. Segundo Araújo, caso isso aconteça, faria parte de “agenda mais ampla” do país com os Estados Unidos. “O presidente não exclui esse tipo de possibilidade. Temos todo interesse em aumentar a cooperação com Estados Unidos em todas as áreas. Isso é algo que tem que ser conversado. Não haveria problema na questão de uma presença desse tipo”, afirmou Araújo.

 

Admirador de Trump

 

Bolsonaro foi questionado sobre o tema em entrevista ao SBT e afirmou que a instalação poderia ocorrer no futuro. O presidente admitiu uma aproximação bélica com os Estados Unidos. “A questão física pode ser até simbólica”, disse Bolsonaro. De acordo com o chanceler, o tema poderia ser discutido até março, caso Bolsonaro encontre o presidente Donald Trump, em viagem oficial. “(A base) seria parte de uma agenda muito mais ampla que queremos ter com Estados Unidos, que creio que os Estados Unidos querem ter conosco. Então, quando tivermos essa visita, esperamos que a tenhamos como o presidente quer, até março, haverá uma agenda que cobrirá além de cooperação e defesa, segurança, temas de comercio e economia”, afirmou.

 

Bolsonaro voltou a se manifestar favoravelmente à instalação de uma base militar dos Estados Unidos em território brasileiro. Defensor da aproximação diplomática e comercial com os Estados Unidos e admirador de Trump, Bolsonaro disse considerar o povo americano “amigo” e vinculou um possível acordo futuro com o país a questões de segurança nacional. Bolsonaro afirmou que existe interesse dos Estados Unidos em instalar uma nova base militar na América do Sul, dois dias depois de receber o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, em audiência reservada no Palácio do Planalto.

 

Questionado se havia tratado do tema com autoridades americanas, Bolsonaro disse apenas que países vizinhos ao Brasil estão sendo prospectados para receber a unidade militar. “Nós temos que nos preocupar com nossa segurança, com a nossa soberania, e eu tenho o povo americano como amigo”, disse Bolsonaro, depois de participar da cerimônia de transmissão do Comando da Aeronáutica, na Base Aérea de Brasília.

 

O Ministério da Defesa, no entanto, disse que desconhece qualquer tratativa desse tipo. A assessoria do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, informou que ele “não tem conhecimento de qualquer tratativa nesse sentido e que não tratou do tema com o presidente”. O Ministério disse que não seria possível avaliar vantagens e desvantagens para as Forças Armadas brasileiras “sem ter conhecimento de possíveis condicionantes envolvendo o tema”.

 

Cooperação militar

 

O jornal O Globo diz que “analistas” avaliam a declaração de Bolsonaro como um novo alinhamento na área de defesa entre Brasília e Washington, em contraposição aos governos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, que buscaram articular na União de Nações Sul-Americanas (Unasul) uma arquitetura contrária à presença militar americana. Segundo Matias Spektor, da FGV em São Paulo, uma base se traduziria em altos custos financeiros. Para justificá-los, seria necessário um cenário no qual o governo americano tentasse uma intervenção militar ou defender a região de outra potência.

 

Na entrevista, Bolsonaro disse: “Sabemos a intenção da ditadura do Maduro, e o Brasil tem que se preocupar”. “Bolsonaro tenta se consolidar como o principal aliado de Trump na América Latina, enquanto os Estados Unidos dão sinais de que a região voltou ao radar por conta do aumento das presenças chinesa e russa. Uma base transformaria de vez a dinâmica regional. Não há outro país latino que vá neste sentido. Criaria suspeitas em relação ao Brasil entre os vizinhos, por um lado, mas, por outro, transformaria o Brasil em aliado dos Estados Unidos”, diz Spektor.

 

As Forças Armadas mantêm acordos com organizações militares estrangeiras para receber grupos de treinamento especializado – por exemplo, em disciplinas de guerra na selva – ou para exercícios combinados de combate aéreo. Os Estados Unidos têm cooperação militar também com outros países sul-americanos, como Peru e Colômbia, onde mantêm bases militares.

 

Hoje não há bases militares dos Estados Unidos ativas na América do Sul. A última foi desativada em 2009 no porto equatoriano de Manta, depois da negativa do então presidente Rafael Correa de renovar o seu uso. No Brasil, a base em Natal que serviu aos americanos na Segunda Guerra Mundial deixou de ser usada pelos americanos em 1945. Durante os anos finais da Segunda Guerra Mundial, a aviação dos Aliados, liderada pelos Estados Unidos em larga proporção, negociou a construção em Parnamirim, no Rio Grande do Norte, de uma gigantesca base aérea. Duas pistas, 700 prédios, 4.600 combatentes e tráfego diário de 400 a 600 aeronaves para lançar ataques contra objetivos no norte da África e sul da Europa.

 

Combates ao Nazi-fascismo

 

Em 1945, nos termos do acordo firmado entre os presidentes Getúlio Vargas e Franklin Roosevelt, aviões e pessoal americanos saíram das instalações. Nos quatro anos de operação conjunta da base, a população da capital, Natal, dobrara de 40.000 habitantes para 80.000. Documentos do Departamento de Estado registram uma tentativa de prorrogação do pacto de colaboração, em 1946, por um período de 50 anos. A chancelaria do Brasil informou a Washington que a então recém-criada FAB tinha planos próprios para o conjunto. Ao longo do tempo, nenhum outro tratado do mesmo tipo foi negociado.

 

As bases norte-americanas no Brasil chegaram no âmbito da participação brasileira nos combates ao nazi-fascismo, com a Força Expedicionária Brasileira (FEB). No começo da década de 1940, os ventos que sopravam da conjuntura faziam tremular as bandeiras democráticas e progressistas com intensidade cada vez maior. Segundo o chanceler Osvaldo Aranha, 90% da população brasileira eram pró-aliados, a força mundial que se organizava para dar combate ao avanço nazi-fascista. O governo brasileiro vinha de uma refrega que o obrigou a ser mais claro sobre suas posições internacionais.

 

Discursando a bordo do encouraçado Minas Gerais, em 11 de junho de 1940, Getúlio Vargas dissera que o Brasil havia criado “um regime adequado às nossas necessidades”, fazendo considerações interpretadas como elogios ao governo alemão e ao italiano. O ditador da Itália, Benito Mussolini, chegou a enviar um telegrama ao presidente brasileiro cumprimentando-o por ver “a nova realidade histórica europeia como realmente é, e não como querem as chamadas democracias”.

 

Irritado com a repercussão de suas palavras, Getúlio Vargas decidiu fazer novo pronunciamento, em 29 de junho, enfatizando que as críticas ao seu discurso de 11 de junho partiram daqueles que interpretaram suas palavras “com comentário falseado e a publicação tendenciosa de frases isoladas”.

 

Defesa do hemisfério

 

Imediatamente após o imbróglio, o presidente determinou que o Brasil entabulasse conversações com os Estados Unidos para a defesa do hemisfério. Os norte-americanos temiam um ataque do Japão, uma das peças do Eixo nazi-fascista, e pretendiam aparelhar bases militares em Natal e Fernando de Noronha. O que era temor virou realidade no final de 1941, quando os japoneses atacaram Pearl Harbor. Os norte-americanos passaram à situação de beligerantes e apressaram o governo brasileiro nas negociações para permitir o uso das bases de Belém, Natal e Recife. Getúlio Vargas concordou. Estava aberta a porta para uma guinada radical da política externa brasileira.

 

Nos primeiros meses de 1942, o Brasil deu demonstrações inequívocas de que estava caminhando para se aliar aos que combatiam o nazi-fascismo. Em 22 de janeiro, o governo decretou a pena de morte para certos atos de sabotagem. Pouco tempo depois, o arquipélago Fernando de Noronha foi declarado zona militar. Nos primeiros dias de fevereiro, Vargas decretou medidas de precaução contra possíveis ataques aéreos e assinou o decreto que instituiu a base de Natal. Em 7 de março, tomou a medida mais importante — a formação da Comissão de Defesa Nacional, presidida pelo chanceler Osvaldo Aranha, com poderes extraordinários. Em meados de agosto, quando o Brasil já havia perdido uma razoável quantidade de vidas, cargas e navios, o governo reconheceu a situação de beligerância com as nações agressoras — Alemanha, Itália e Japão.

 

O ato foi precedido de manifestações de rua, com faixas e slogans de protestos contra o Eixo nazi-fascista. O povo queria a guerra. Pela primeira vez o Brasil se engajaria em um conflito daquelas proporções e todos os brasileiros foram chamados a colaborar. Os efetivos e os reservistas das categorias armadas foram convocados. As mulheres se organizavam em enfermarias de guerra e participavam de cursos ministrados pela Cruz Vermelha Brasileira. Nas escolas primárias, unidades de trabalho explicavam o que era a guerra e organizavam os estudantes em “hortas da vitória”, despertando neles a consciência patriótica e o compromisso com o abastecimento do país. Medidas foram tomadas em todas as frentes para preparar o Brasil diante do agravamento do conflito mundial.

 

Depois da guerra, as bases norte-americanas foram motivo de um duro embate entre a direita e o Partido Comunista do Brasil, então com a sigla PCB. Na sessão de 26 de março de 1946 da Assembleia Nacional Constituinte, o senador comunista Luiz Carlos Prestes ocupou a tribuna para desfazer a insidiosa campanha de deturpações das suas palavras sobre a posição dos comunistas brasileiros numa hipotética guerra com a União Soviética e de insultos ao PCB, mas não se limitou a contestar as infâmias e denunciou a verdadeira intenção das bases militares dos Estados Unidos em território nacional naquela nova conjuntura.

 

Bola de neve

 

Ao levantar a voz contra a presença norte-americana no país, o PCB mobilizou uma grande massa para mostrar que os ataques a Prestes eram parte de um plano orquestrado pelo imperialismo contra a soberania do país. No Rio de Janeiro, um comício realizado em Iarajá contou com a presença de trinta mil pessoas, segundo os organizadores. Mesmo com as ameaças da polícia, a massa compareceu para ouvir Prestes. Em 22 de abril de 1946, duzentas mil pessoas participaram de outro comício, este preparado com mais tempo e mais recursos, realizado na Esplanada no Castelo. No dia seguinte, Prestes falou para trezentas mil pessoas no Vale do Anhangabaú, em São Paulo.

 

No Norte e Nordeste, segundo Diógenes Arruda Câmara, a campanha também foi um sucesso. “Os comunistas procuraram ver como não seriam isolados. O desafio era evitar que Juracy Magalhães (o senador que levantou as calúnias contra Prestes) fizesse uma bola de neve. Não foi difícil. Taticamente, a saída foi o seguinte: nós movimentamos toda a máquina partidária no Brasil inteiro, principalmente da Bahia ao Pará, do Norte-Nordeste, e fizemos uma campanha de massas para que os americanos entregassem as bases militares e navais, que ainda estavam ocupadas por eles desde o período da guerra. E dissemos: Fora, americanos! Fora americanos das nossas bases e de nosso país!”, disse.

 

O movimento foi de tal importância que se criou no meio do povo um ódio contra os americanos que eles não podiam sair na rua. Americanos recebiam navalhadas nas ruas de Salvador e Belém. Na Bahia, disse Arruda, algumas baianas haviam se casado com oficiais americanos e ficaram isoladas. A irmã da famosa miss Marta Rocha era uma delas. “A juventude na Bahia fez um movimento de repúdio de tal maneira que a moça teve de ser mandada para os Estados Unidos. Foi um movimento verdadeiramente impressionante, de sentimento antiamericano que surgiu no nosso povo. Legítimo. Foi a nossa saída. Isso representou uma grande conquista para o povo brasileiro, porque os americanos queriam permanecer nas bases navais e nas bases aéreas”, arrematou Arruda.

 

05/01/2019

http://www.vermelho.org.br/noticia/317878-1

 

https://www.alainet.org/es/node/197381
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