Civilização ou barbárie?

21/09/2018
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O quadro de outubro próximo, visto pura e simplesmente do ponto de vista eleitoral, ou seja, na sua aparência, ensejará, a escolha entre o capitão e a alterativa representada por Fernando Haddad ou Ciro Gomes.

 

Na primeira hipótese, teremos a transição, pela via eleitoral (anunciada para o segundo turno), do Estado autoritário para a ditadura fascista, aqui (como em toda parte) apoiada, em suas origens, por grandes contingentes populares (açulados pela grande imprensa e pelo neopentecostalismo primitivo) e por poderosos setores econômicos e militares, espalhados nas tropas e nos comandos entre oficiais superiores da reserva (os mais falantes) e da ativa.

 

O caráter politico-ideológico de nossos dias (inédito na vida republicana, seja pela contundência do discurso da extrema-direita, seja pelo apoio popular por ele alcançado) repete as características gerais das experiências do fascismo – cujo centro é a violência e a irracionalidade que conheceram seus extremos com o nazifascismo na primeira metade do século passado, medrando em uma Europa e uma Ásia abertas ao totalitarismo. Deu no que deu. Em face daquelas experiências, todavia, a ameaça representada pelo crescimento eleitoral do capitão traz o ineditismo de rejeitar alguns dos tópicos mais sagrados do catecismo fascista, a saber, a defesa do Estado e a pregação nacionalista, o que aumenta a surpresa com a qual é recebido o apreço que lhe dedicam as Forças Armadas que, também entre nós, sempre perfilaram o discurso de defesa dos interesses nacionais, incluindo as soberanias econômica e política.

 

Na segunda hipótese, pela qual lutamos, isto é, a eleição de Haddad ou Ciro, não obstante a vitória eleitoral, poderemos ou não haver assegurado a continuidade da via democrática. É o ponto de partida, essencial, conditio sine qua non para a restauração democrático-representativa, mas estaremos ainda muito distantes do ponto de chegada. Pois o novo presidente precisará ganhar – política e eleitoralmente – em condições de poder tomar posse (que estará ameaçada como estiveram as de Getúlio, de JK e de Jango), e, uma vez empossado, precisará de forças e poder governativo, o que, por exemplo, não foi dado ao Getúlio Vargas das eleições de 1950, a João Goulart (recomendo a leitura de 1964 na visão do ministro do trabalho de João Goulart, Almino Affonso) em 1961 e, mais recentemente, a Dilma Rousseff.

 

A ex-presidente, consabidamente, começou a cair (condenada à ingovernabilidade como passo preparatório para o impeachment) quando sagrou-se vencedora por pequena margem de votos, e teve a legitimidade de sua vitória, límpida, contestada pelo PSDB, herdeiro da tradição golpista levada ao extremo entre nós pelo lacerdismo e pela UDN. Adita-se, como igualmente uma consequência da vitória parca em votos, de que resultou a minoria parlamentar, a atuação desastrada do governo na eleição para a presidência da CD daquele ano, em que se sagrou vencedor, e poderoso, em todos os sentidos, o meliante Eduardo Cunha. Essa contestação, no caso das eleições deste ano, já foi pré-anunciada, em dobradinha, pelo comandante do Exército e ecoada pelo seu candidato. O general Villas Boas, em entrevista ao Estadão (9/9/2018) declara, sem rebuços nem meias palavras, que a “Legitimidade de novo governo pode até ser questionada”. Por quem, cara pálida? Diz o general que se o capitão não for eleito poderá dizer que sua campanha foi prejudicada pelo atentado e, por outro lado, os eventuais derrotados poderão alegar que o vitorioso foi beneficiado pelo atentado. Ou seja: a legitimidade será contestada por quem perder e, como sempre haverá um perdedor… E, em tal hipótese, a que papel se reservam as tropas comandadas hoje pelo general Villas Boas? Contestação daqui, contestação dali…

 

Do seu leito de hospital, o capitão candidato do general já declara que sua derrota será o atestado de uma rotunda fraude eleitoral, e anuncia, desde já, suas suspeitas relativas ao sistema fundado das urnas eletrônicas, vigente desde as eleições de 1996, e por meio do qual ele mesmo se elegeu cinco vezes, e outras vezes, em seu nepotismo eleitoral, já elegeu dois ou três filhos. Em síntese e em resumo, é não apenas fundamental interromper a caminhada do capitão, mas impor-lhe uma derrota eleitoral que, pelos seus números, ateste a consagração, pelo país, da via democrática, tão arduamente reconquistada em 1985 após 21 anos de ditadura militar, com todo o seu elenco característico de violações: supressão das liberdades, imposição da censura, cassações de mandatos eletivos, atentados terroristas, prisões, sequestros, tortura e assassinatos, ademais de corrupção larvar.

 

Por isso mesmo os candidatos do campo democrático precisam assumir a responsabilidade de identificar o adversário comum. Antes de mais nada, Haddad e Ciro devem evitar a autofagia que só beneficiará o inimigo de todos, o projeto fascista, e assim fugir da idiotice levada a cabo pelos marqueteiros de Dilma Rousseff que, em 2014, demonizando e desconstituindo a candidatura de Marina Silva, levaram seu eleitorado e o de Eduardo Campos para o colo de Aécio Neves, com os resultados conhecidos.

 

Desta feita, porém, está claro como a luz do dia que o país está sendo chamado para decidir entre democracia e fascismo, entre civilização e barbárie, e todos estamos sendo postos em face de uma definição que não comporta dúvida, tergiversações e meios termos. Não há espaço para um ‘centro’ politicamente autista, indiferente ao futuro do país: todos seremos responsáveis pelo governo que a voz das urnas ditará em outubro.

 

A mobilização emocional, a característica da presente campanha de Haddad, pode cativar votos, o que é vital no processo eleitoral, mas não assegura a mobilização das massas no segundo tempo inevitável, o da governabilidade. Para tal, os discursos de campanha dos candidatos do campo democrático não podem abdicar da politização, da defesa clara de teses e da exposição igualmente clara dos desafios que aguardam o futuro governo, a saber, se se tratará, como desejamos, de um governo tão forte quanto necessário para enfrentar os arreganhos das vivandeiras dos quartéis e a insaciabilidade das forças econômicas retrógradas.

 

O governo democrático que nascer das urnas precisará estar fortalecido, política e eleitoralmente, vale dizer, carecerá do apoio claro e manifesto das grandes massas, para adquirir condições de realizar o compromisso, a ser assumido claramente na campanha, de, garantindo o império da democracia e da Constituição (o que também significa fazer retornar certos Poderes às suas ‘caixinhas’), revogar as medidas antipopulares e antinacionais do governo ilegítimo, que vive, desde o nascimento, seus estertores.

 

Para isso nosso governo precisará de capacidade de negociação com as forças políticas – como logrou Juscelino, enfrentando seguidas insurreições militares e seguidas tentativas de impeachment –, mas, nas circunstâncias atuais, precisará, acima de tudo, e até para lograr a construção de uma base político-partidária, do apoio das massas, que, mobilizadas no processo eleitoral, deverão permanecer mobilizadas durante todo o governo, sustentando-o (o que Dilma Rousseff não logrou), e assegurando-lhe condições objetivas de realizar as promessas de campanha, sem o que nada terá valido a pena.

 

O novo governo, que necessita ser um governo forte, e somente será um governo forte se respaldado, repito mil vezes, em manifesto e sistemático apoio popular, não poderá descartar, como segurança para sua estabilidade e força para a realização de seus compromissos, a convocação e realização de consulta plebiscitária sobre seu projeto, apresentado claramente na campanha eleitoral, fortalecendo-o, assim, em face, por exemplo, de um Congresso hostil e de um Poder Judiciário extraviado dos limites constitucionais, extravasando os limites de sua competência.

 

O apoio popular, organizado, ativo, será a defesa e o ataque em face de uma imprensa sem compromissos éticos, e de uma ordem partidária falida, como o atestam a ascensão do candidato fascista (amparado em um partido de existência apenas jurídica, mas sustentado pelas estruturas militares espalhadas país afora) ), o desmilinguir-se do candidato tucano e a irrelevância do candidato do ex-PMDB, que já foi de Ulisses Guimarães – o estadista das ‘Diretas-já’ e da ‘Constituição cidadã’, e hoje é um valhacouto chefiado por Michel Temer, o energúmeno.

 

 

A chantagem de sempre – Grita em manchete de sua página B1 o Estadão: “ Influência eleitoral. Disparada da moeda americana reflete a preocupação dos investidores com o rumo das eleições, que também levou a Bolsa a recuar 0,58% e fez os juros futuros registrarem máximas, com taxas de 10% em janeiro de 2021”.

 

Marielle, sempre – Quando a polícia fluminense e a força militar interventora anunciarão os nomes dos mandantes e dos executores do assassinato da vereadora Marielle Franco? Ficaremos esperando, assim de braços cruzados, até que chacina caia no esquecimento? O PSOL, pelo menos, poderia nos dizer o que está fazendo.

 

Estratégia petista- Aguarda-se que o PT explique as estratégias adotadas para as eleições para governador de São Paulo e Rio de Janeiro.

 

set 21, 2018

 

- Roberto Amaral é escritor e ex-ministro de Ciência e Tecnologia

 

Leia mais em: www.ramaral.org

 

https://www.alainet.org/es/node/195470
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