Nos 6 anos do massacre de Curuguaty

Paraguaios exigem justiça e reforma agraria

18/06/2018
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Foto: Leonardo
Monica Severo
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“Justiça, terra e liberdade” exclamava a enorme inscrição cuidadosamente desenhada com pedras sobre a grama ao lado da rodovia que dá acesso ao acampamento de Marina Kue, em Curuguaty. Ao fundo, uma gigantesca bandeira do Paraguai vitaminava o espírito de combate que unia as centenas de lideranças populares, trabalhadores rurais, religiosos e intelectuais reunidas para denunciar a farsa jurídica.

 

Nos corações e mentes, a recordação do sexto aniversário da carnificina, ocorrida em 15 de junho de 2012, quando 324 policiais armados de fuzis, capacetes, cavalos e até helicóptero, tropas de elite treinadas pelo exército norte-americano, cercaram menos de 60 camponeses – metade deles mulheres, idosos e crianças – e que resultou, uma semana depois, na deposição do presidente Fernando Lugo.

 

Foi no solo sagrado de Curuguaty, lembrou o Monsenhor Mario Melanio Medina, onde perderam a vida 17 paraguaios, 11 camponeses e seis policiais, vítimas de um “conflito” artificialmente provocado por franco-atiradores. O objetivo? “Manter uma situação em que mais de 90% das terras são controladas por apenas 3% dos proprietários”. Para o Monsenhor, “nossa fé em Deus nos leva a fé em nossa luta e em nossa organização. Seguimos lutando, pois lutamos pela vida dos mais pobres, que são as vidas mais caras para Jesus”. O religioso disse que espera o governo de Mario Abdo Benitez, que assume no próximo 15 de agosto, solucione o mais rapidamente possível a questão de Curuguaty. Dois terços de sua palavra foram ditas em Guarani, o idioma dos povos originários e falado majoritariamente pela gente mais humilde.

 

É para garantir a continuidade desta lógica irracional que só atende aos interesses das transnacionais e do latifúndio que quatro trabalhadores continuam sendo mantidos atrás das grades, condenados por “homicídio doloso”, “associação criminosa” e “invasão de imóvel alheio” sem que os juízes nada tenham conseguido provar contra os inocentes. Ainda assim, Rubén Villalba (condenado a 35 anos de prisão), Luis Olmedo (20 anos), Arnaldo Quintana e Néstor Castro (18 anos) são mantidos na desumana prisão de Tacumbú, penitenciária com capacidade para 1.400 pessoas e que abriga atualmente mais de 4.200.

 

De forma didática, a renomada historiadora e professora universitária Margarita Durán Estragó fez uso da palavra para explicar como a área de Curuguaty pertencia ao Estado e que era objeto de Reforma Agrária, nada justificando, portanto, a intervenção determinada pela “Justiça”. A ação militar se deu a pedido da família do senador Blas Riquelme, do Partido Colorado, o mesmo do ditador Alfredo Stroessner, que governou o país em função dos interesses dos Estados Unidos entre 1954 e 1989.

 

“O massacre ocorrido em Curuguaty foi a maior violação de direitos humanos já ocorrida em nosso país desde a ditadura de Stroessner. Que justiça podemos esperar diante de tanta e tamanha desigualdade? Aqui estamos para nos juntar por uma causa e pensar em um Paraguai melhor para todos”, declarou Oscar Ayala, da Coordenadoria de Direitos Humanos do Paraguai (Codehupy).
 
O EXEMPLO DE GUILLERMINA

 

Representando o movimento de solidariedade aos camponeses de Curuguaty, a ex-presa política Guillermina Kanonnikoff relacionou as dezenas de ativistas que se somaram aos familiares das vítimas, colaboradores que têm se dedicado a manter viva a luta. Luta que se materializa. Trata-se, por exemplo, de construir uma escola, garantir salário para os professores e merenda para as crianças. Trata-se de ocupar um espaço, em frente ao Palácio de (in)Justiça,  mantendo acessa a chama da denuncia na Barraca da Resistência, que subsiste há 24 meses.

 

Demonstrando que “não há limite para o cansaço quando se luta, coletivamente, pela construção do futuro”, Guilhermina citou as significativas presenças do senhor Humberto Ortega, a quem assassinaram o único filho; dos Castro, a quem mataram um filho e prenderam outros dois. Lembrou do irmão do jornalista Pablo Medina, executado após ter documentado com uma foto panorâmica a invasão policial, comprovando que os camponeses não realizaram “emboscada” alguma; “entre as muitas famílias aqui presentes, que somam órfãos e dor”.  “Acima de tudo, são gente que nos ensina como se constroem os sonhos”, assinalou Guillermina, que junto a seu companheiro Raul é referência de dignidade e vozes firmes contra a ausência de Estado.

 

Em sua intervenção, o escritor Hugo Pereira condenou ”a extrema violência movida pelo extrativismo armado contra indígenas e camponeses, acusados de subversivos e terroristas para que a riqueza continue concentrada em poucas mãos, para que a estrangeirização, que já atinge 20% das terras paraguaias, continue avançando”. “É uma lógica de criminalização, a mesma usada contra os sem-terra no Brasil pela União Democrática Ruralista (UDR)”, assinalou.

 

A lógica do lucro fácil faz com que 94% da produção nacional de alimentos estejam reservados à exportação, encarecendo e empobrecendo a dieta da população paraguaia, também vitimada pela superexploração da sua mão de obra. Assim, pelos próprios levantamentos oficiais, a pobreza atinge um entre cada três paraguaios, com a pobreza extrema localizada no campo, que concentra 40% da população. Dos 2.169,792 habitantes da área rural, 1.044.509  (39,72%) são pobres, e dos 387.242 seres humanos oficialmente mergulhados na extrema pobreza, 320.069 (12,17%) estão no campo.

 

Na missa realizada no presídio de Tacumbú, o Pai Oliva, referência da Igreja e do movimento de solidariedade, reiterou que após uma condenação confirmada por diferentes instâncias da Justiça, o povo paraguaio está agora à espera da cassação, uma vez que está demonstrado que “o julgamento seguiu uma cartilha escrita desde fora”. “Tudo isso se confirma pelo uso que lhe deram: desbancar a um governo legal e legitimamente constituído. E faz pensar que o massacre foi criado, ou ao menos usado, para um objetivo político”, declarou.

 

No começo da noite, manifestantes marcharam pelo centro de Assunção até a Praça da Democracia para exigir “reforma agrária, urgente e necessária” e a libertação dos camponeses de Curuguaty. Coordenador do Congresso Democrático do Povo, Ermo Rodriguez destacou a determinação de “derrotar a narcopolítica e conquistar um novo Paraguai, sem presos políticos, sem corrupção nem usurpação de terras”. E colocando mais uma vez sua bela voz em defesa dos que lutam, Ricardo Flecha embalou os presentes para que se somem, para vencer e avançar.

 

17/06/2018

https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Luta-no-Campo/Paraguaios-exigem-justica-e-reforma-agraria%A0nos-6-anos-do-massacre-de-Curuguaty/53/40626

 

https://www.alainet.org/es/node/193556

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