O mito do fantasma norte-coreano

18/09/2017
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Nós vemos - e tememos – o programa nuclear norte-coreano como uma ameaça a todos os países do mundo, inclusive o nosso.

 

Ledo engano.

 

A briga é só entre EUA e Coreia do Norte. Nem uma única vez, o ditador Kim Jong- nu falou em atacar o Paraguai, o Thad, as ilhas Faroe ou qualquer outro país. Japão e Coreia do Sul são exceções. Eles receiam menos a nuclearização da Coreia do Norte do que uma guerra (nuclear ou não) entre os dois inimigos, sabem que, como vizinhos de um e aliados do outro, iria sobrar para eles.

 

A China é outro país preocupado com um eventual conflito bélico. Mas, veja bem, não se trata de medo, a preocupação da China é diferente: a causa não é a nuclearização do regime de Piongiang, mas as consequências de uma briga entre ele e Tio Sam. Beijing não está a fim de receber milhões de refugiados coreanos (do norte e do sul), fugindo do horror, em busca de segurança.

 

Claro, que uma guerra nuclear poderia atingir por tabela também o resto do mundo. Dizem os cientistas que os efeitos do lançamento de algumas bombas de hidrogênio poriam em risco a sobrevivência da raça humana. Mas, guerra não deve acontecer, nem Trump, nem Kim Jong nu são tão insanos. É simples assim.

 

Longe disso, ambos parecem bem espertos.

 

É inimaginável que Kim Jong-nu daria o primeiro tiro nuclear. Seu amor pelo poder absoluto e pelas honras e prazeres decorrentes não o tornam um candidato viável ao suicídio.

 

Seu plano não é mistério. Quer manter armas nucleares para assim poder proteger seu país de um inimigo potencial, os EUA, que, aliás, na guerra dos anos 50 destruíram dezenas de cidades norte-coreanas, matando 2 milhões de civis, a maioria norte-coreanos. Desde o fim das hostilidades, o povo do país comunista vive assombrado pelo fantasma de um repeteco dessa hecatombe, promovido pelas bombas e mísseis americanos. A posse dos engenhos nucleares é considerado uma garantia de que Washington , não iria se arriscar a sofrer uma retaliação, executada com os mesmos tipos de armas.

 

Possivelmente Kim Jong aceitaria interromper sua escalada nuclear em troca de um tratado de paz, no qual os EUA ficariam solidamente comprometidos a respeitar o regime norte-coreano e não os atacar, a não ser em condições especiais, claramente determinadas.

 

Não sei, para ver até onde o ditador irá, só entrando em tratativas diretas com eles.

 

Quanto a Trump, o objetivo é outro. Ele pretende forçar Kim Jong a pedir água, através de sanções que tornem a vida dos norte-coreanos insuportável (ou mesmo impossível ). O que lhe daria fartos créditos junto aos eleitores da América, ajudando o republicano a se reeleger.

 

Por enquanto, iniciar as negociações de um acordo, sem a prévia eliminação do programa militar nuclear de Piongiang, é inaceitável para The Donald. Não que ele esteja pensando muito na segurança dos EUA. Ele sabe que seu país e a Rússia, ambos abarrotados de armas nucleares, viveram em paz 40 anos de guerra fria, mesmo cultivando ódios e revanches na disputa do trono mundial. Admito que houve alguns riscos, mas guerra mesmo, jamais aconteceu.

 

Por que iria acontecer agora, quando a frágil Coreia do Norte, não passa de um mero mosquito cuja mordida até irrita, mas dificilmente poderia machucar a pele dura de Tio Sam.

 

Trump pode ser louco, mas não é estúpido, do contrário não estaria na Casa Branca.

 

No momento, The Donald precisa também do apoio da comunidade internacional para conseguir sanções da ONU capazes de ferir profundamente o seu rival e de o obrigarem a renunciar à bomba. É por isso que ele tem clamado urbi et orbi que não são só os EUA que estariam em perigo, mas todos os países do mundo.

 

Tem funcionado, a ONU, por unanimidade, vem dando aos EUA a munição pretendida para sua campanha anti- Piongiang. Até a China e a Rússia se dobraram, embora usando seu poder de veto para impedir que as coisas fossem longe demais.

 

Não contente com a boa vontade do resto dos países, o presidente americano ainda solicitou aos que tem relações com a Coreia do Norte, que as cortem sem demora. Ou seja, comprarem uma briga que não é deles.

 

O México foi o primeiro. Não quis desagradar Trump, justo no momento em que ele está falando na possibilidade de cancelar o acordo do NAFTA, fundamental para a economia mexicana. O Peru, logo o seguiu – talvez para evitar o lançamento de uma bomba H made in Piongiang sobre Machu- Pichu.

 

Logo muitos outros os devem imitar. Há que respeitar a maior potência econômica e militar do mundo. A história mostra que os EUA sabem ser generosos com os países fiéis em todas as horas e duros no trato daqueles que ousam ter opiniões diferentes.

 

A maioria das pessoas de fora da América costuma acreditar no que ela diz.

 

Afinal, depois de dezenas de anos sob a maciça influência do Cinema, Televisão, Rádio, histórias em quadrinhos, discursos de estadistas- aprendemos a respeitar o colosso do norte, altar da justiça e da Coca-Cola, os primeiros no avanço tecnológico, na coragem, na força militar, nos esportes, na economia, na ciência, nos jogos eletrônicos, nos rankings de tudo que há de bom.

 

Por vezes, chegamos, inconscientemente, a pensar como cidadãos dos EUA, assumindo suas posições, sentindo seus problemas como nossos, suas vitórias como da gente.

 

Natural, que quando Trump ruge advertências apocalípticas, a gente se esquece de que partem de uma figura duvidosa e o ouve com toda atenção. E treme.

 

Afinal, se trata de sua excelência, o presidente dos Estados Unidos da América (favor todos se levantarem).

 

Quando Trump pinta o regime da Coreia do Norte como um um fantasma tenebroso, pronto para antecipar o fim do mundo, nossa reação automática é de comprar as posições de The Donald.

 

No entanto, usar a razão é preciso.

 

Foi o que tornou a raça humana soberana na Terra, desde tempos extremamente recuados.

 

- Luiz Eça formou-se em Direito pela Universidade de São Paulo.

 

17 / 09 / 17

http://www.olharomundo.com.br/o-mito-do-fantasma-norte-coreano/

 

https://www.alainet.org/es/node/188121
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