Ruínas institucionais e o auto-resgate de Lula

28/08/2017
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O Brasil se assemelha a uma cidade em ruínas. Ruínas, não produzidas por uma guerra, por lutas bravias, mas causadas por um grupo de bandoleiros que assaltou a cidade diante de uma população perplexa, cabisbaixa, indefesa, sem que ninguém a defendesse. Os bandoleiros não se cansam de promover devastações, de destruir a moral, os códigos de conduta, as leis, os costumes, o bom senso, a dignidade. Aos poucos vão ficando apenas escombros do que era um país minimamente organizado, com uma Constituição funcionando, com um mínimo de respeito entre os poderes e com freios às ambições dos predadores.

 

Agora tudo ruiu. Depois que o Planalto foi assaltado por Temer e sua quadrilha parece não haver limites em nenhuma instituição, os bens públicos são saqueados à luz do dia e os bandoleiros exibem o produto do saque à população como forma de supremo escárnio. O Supremo Tribunal Federal não está somente acovardado, mas é constituído por covardes que, primeiro, aceitaram a violação da Constituição e, depois, aceitaram ser pisoteados e desmoralizados por Gilmar Mendes que, repita-se, é conselheiro de Temer e concedente ligeiro de habeas corpus a criminosos. Sim, o crime organizado está dentro do que resta das instituições.

 

Na medida em que o golpe fracassou e que o caráter criminoso do governo foi sendo revelado, os bandoleiros decidiram tirar as máscaras e, despudorados, não se importarem com a continuada e pública prática de crimes. Neste grupo de bandoleiros, sequer existe um código de ética típico de organizações criminosas perduráveis, a exemplo da máfia. Nesse grupo, impera a desconfiança, a traição, a chantagem interna e a ganância pelo botim. Duas coisas os preocupam: o quanto podem ganhar e destruir até o final de 2018 e, encontrar formas para tentar se manterem no poder.

 

Depois de destruir os direitos, a dignidade e a moralidade, agora estão empenhados em destruir o patrimônio público ante o fracasso do que era considerada uma equipe econômica irretocável. O país corre o risco de caminhar para uma bancarrota. Sabe-se que a venda das empresas e bancos públicos não resolverá o problema do déficit. As privatizações não passam de mais uma forma de destruição do país.

 

O Brasil virou um território aberto da violência. No campo, fazendeiros, ruralistas, grileiros se sentem autorizados a intimidar e matar camponeses e índios. Mas como poderia ser diferente quando um dos principais ministros é grileiro e criminoso ambiental? Ao investir contra as reservas ambientais, o governo investe não apenas contra o futuro, mas contra a humanidade. Sob a soberania do Brasil, as reservas e florestas amazônicas deveriam ser um bem planetário preservado por todos. Os desmandos e a falta de limites de Gilmar Mendes e de Temer são tão assustadores que deixam perplexos até mesmo pessoas que apoiaram o golpe.

 

A unidade política que havia se constituído para derrubar Dilma se espatifou. Agora, procuradores e juízes de primeira instância se voltam contra o governo que produziram e contra ministros do STF. O governo se mantém com a entrega de verbas, com o perdão bilionário de dívidas previdenciárias e pelo vale tudo de negociatas criminosas que se instaurou em Brasília.

 

O PSDB está trincado e desmoralizado. As principais lideranças tucanas - FHC, Aécio Neves, José Serra e Alckmin - junto com Temer e Cunha, amargam as piores rejeições entre políticos, como mostra a pesquisa Ipsos. A sociedade não perdoa os santos de pau oco, a mentira e o cinismo. E muitos desses líderes, que combateram a ditadura, mancharam as suas biografias irremediavelmente. A novidade Dória também está se esfumando, seja porque ele abandonou a cidade de São Paulo, porque é um fascistóide ou ainda porque se revelou um traidor do patrono que o promoveu. O STF, Carmem Lúcia, o juiz Moro, o Ministério Público - tudo vem erodindo, comprovando que o golpe, a destruição da democracia e das instituições não deixa ninguém impune.

 

O auto-resgate de Lula

 

Ao perceber os riscos que corre e ao se deparar com a devastadora destruição do Brasil, Lula fez o que deveria ter feito desde o início de 2015, quando as articulações do golpe ficaram evidentes: foi para junto do povo. A História e os livros de filosofia política estão cheios de lições mostrando que não há fortaleza mais segura para um líder popular ameaçado do que o apoio do povo. Mas para que isto se torne resistência, luta, energia, força e mobilização, o líder precisa comandar e dirigir o povo como Lula está fazendo agora com a Caravana da Esperança. Os líderes dos partidos de esquerda deveriam fazer o mesmo movimento: ir para junto do povo, integrar-se com ele, adverti-lo dos perigos que corre e semear esperanças.

 

Ferozmente perseguido, caluniado todos os dias por grupos fascistas, Lula está condenado a não sair das ruas, das marchas, das caminhadas, das caravanas até que todo esse processo político e jurídico chegue ao fim. Lula só se salvará se conseguir fazer com que seus inimigos e os inimigos do Brasil sintam medo do povo. Queira-se ou não, ele é o único líder, neste momento, capaz de fazer com que perseguidores e bandoleiros sintam medo do povo. Levantar o povo, restituir-lhe o senso de dignidade e dar moral de combate aos ativistas progressistas e de esquerda e aos movimentos sociais devem ser os objetivos principais das caravanas de Lula. Nenhum exército combate se não for estimulado, se não estiver convencido da justeza das causas e se não tiver moral elevada.

 

Existe uma tarefa prévia às eleições e às discussões programáticas: barrar a destruição do Brasil e dos direitos, bloquear a violência institucional de pessoas tipo Gilmar Mendes e Temer, interditar a continuidade do golpe via distritão, parlamentarismo, semipresidencialismo e outras formas de degradação ainda maior das instituições políticas. Nestas lutas é possível construir a unidade dos progressistas e das esquerdas para 2018.

 

Lula tem um papel decisivo para liderar esse processo, mas precisa parar de acenar para os Sarneys da vida. Lula tem o dom da palavra e tem a sensibilidade capaz estabelecer uma identidade entre o sofrimento do povo e o seu sofrimento pessoal, a sua história sofrida. Lula, mais do que ninguém, conhece as emoções e os sentimentos das almas populares e consegue comunicar-se com elas, interligar-se a elas. Com suas palavras simples e metáforas toca as angústias das pessoas e sabe dizer o que fazer para melhorar a vida sem usar as fórmulas racionais abstratas que nós professores e intelectuais usamos. Persuadir significa ter a capacidade de convencer pela emoção e sensibilidade e expressar através delas conteúdos fundamentais para a existência.

 

Para resgatar-se definitivamente, Lula não pode repetir a experiência da conciliação e precisa apontar um novo sentido político para o Brasil. Não pode desconectar-se do sentido originário da sua história e da sua liderança política: estar junto com os trabalhadores e com o povo sofrido, pois esta é a única garantia de permanecer nas páginas da história como um líder autenticamente popular, que emergiu do seio do povo.

 

- Aldo Fornazieri é cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política

 

28 de Agosto de 2017

https://www.brasil247.com/pt/colunistas/geral/314174/Ru%C3%ADnas-institucionais-e-o-auto-resgate-de-Lula.htm

 

https://www.alainet.org/es/node/187686
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