Samba de uma nota só

02/03/2016
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 nelson barbosa ministerio da fazenda
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O tempo da política vai passando com velocidade acelerada e as diretrizes para a área econômica se mantêm praticamente as mesmas. Consolidou-se um amplo consenso no País a respeito dos prejuízos causados à sociedade pela insistência com que o governo de Dilma aceitou as determinações de Joaquim Levy para tentar superar a crise que enfrentamos.

 

A cabeça do economista conservador e diretor de banco privado não poderia mesmo proporcionar coisa diferente do que a agenda com que nos tortura diariamente o bloco do financismo. Contando com a ajuda benevolente e “desinteressada” dos grandes meios de comunicação, as colunas de economia e os assim chamados “especialistas” do mercado financeiro continuam insistindo na mesma tecla.

 

Pouco importa se a análise ortodoxa está equivocada e não encontra nenhum tipo de respaldo na realidade brasileira. Pouco importa se as bases do crescimento de nossos preços não estão associadas aos pressupostos da inflação de demanda. Pouco importa se a política de cortes orçamentários horizontais nas áreas sociais vai reforçar ainda mais a tendência à recessão e ao desemprego. Pouco importa se as principais causas de nossos gastos públicos estão ancoradas nas despesas com pagamento de juros da dívida pública.

 

Financismo é vitorioso na construção de sua narrativa.

 

O fundamental é não perder a hegemonia da narrativa a respeito da natureza da crise e das propostas para sua solução. E nesse quesito é preciso reconhecer que a estratégia do financismo tem sido exitosa. Afinal, as forças progressistas imaginavam que haviam logrado um tento com a já tardia saída de Levy do comando da economia e que estaria assim, finalmente, aberto o caminho para a implementação do programa que havia vencido as eleições em outubro de 2014.

 

Ledo engano ou triste ilusão? Cada qual que vista a carapuça que melhor lhe convier. Mas o fato objetivo é que expectativa da mudança rapidamente converteu-se em melancólica constatação da continuidade. A transferência de Nelson Barbosa para o Ministério da Fazenda não foi acompanhada de uma redefinição de metas e prioridades para política econômica. A essência da política econômica foi mantida, com a busca tresloucada do superávit primário a qualquer custo. Como ficamos sabendo a cada dia, isso significa a manutenção dos cortes orçamentários afetando as áreas sociais e os investimentos públicos, com as conhecidas consequências perversas para a retomada do crescimento e para a manutenção dos necessários mecanismos de proteção social.

 

Caminhando na contramão do que se imaginava ser a política de um governo liderado por um partido que pretende representar os trabalhadores, a área econômica recupera o discurso das forças de direita e introduz, na agenda do Palácio do Planalto, a necessidade de uma polêmica reforma da previdência social, em meio à já conturbada dinâmica do ajuste fiscal.

 

R$ 540 bi de juros e cortes no social.

 

Ocorre que os fundamentos da política monetária não foram sequer mencionados como elementos a serem alterados. A SELIC continua nas alturas e o Brasil se prepara para receber os Jogos Olímpicos já ostentando no peito, mais uma vez, a medalha de ouro antecipada no quesito taxas de juros. Com o estoque da dívida pública no valor de R$ 2,8 trilhões, a manutenção de taxa oficial de juros em níveis escandalosos só faz aumentar a sangria de recursos orçamentários para o regozijo do parasitismo da especulação.

 

Assim, infelizmente, seguimos desafinando em um samba de uma nota só, de qualidade questionável. O mais recente relatório de política fiscal do Banco Central oferece o panorama desolador para o mês de janeiro. Ali estão contidas as informações a respeito dos diferentes tipos de despesas efetuadas pelo governo. Apenas para os primeiros 31 dias desse ano foram consumidos R$ 56 bilhões do orçamento federal para o pagamento de juros vinculados à administração da dívida pública. Uma loucura! Para quem gosta de visualizar melhor as informações quantitativas, esse gasto correspondeu a R$ 2,8 bi por cada dia útil do primeiro mês do ano.

 

Se considerarmos o total dos últimos 12 meses, o total dispendido com essa rubrica de natureza meramente financeira foi de R$ 540 bi. Isso representa algo superior a 9% do PIB brasileiro. Um escândalo! Não por acaso, esse viés pró finança da política econômica manteve os bancos como os campeões nacionais dos resultados patrimoniais também durante o ano de 2015. Ora, impressiona o fato de que em um período marcado pelo aprofundamento da recessão, do desemprego e das falências de forma generalizada, as instituições financeiras sejam as únicas a exibirem vultosos ganhos em suas operações empresariais.

 

Os valores aqui considerados são muito superiores às inúmeras propostas de redução de despesas correntes ou mesmo de aumento de receitas anunciados pelo governo em seus discursos a respeito do tal do “compromisso com a austeridade”. Se a intenção do governo é mesmo enfrentar a questão fiscal de forma soberana e progressista, não se pode deixar de levar em consideração os dispêndios de natureza financeira.

 

É passada a hora de abandonar a repetição “ad aeternum” dos acordes enfadonhos da musiquinha monotônica e encarar o desafio de orquestrar um verdadeiro programa de recuperação do crescimento econômico, orientado para o modelo de desenvolvimento inclusivo e sustentável. Outras notas devem entrar e o Brasil precisa compor uma sinfonia que oriente o progresso a ser compartilhado pela maioria de sua gente.

 

Isso significa romper com a armadilha reducionista da busca insana do superávit primário e passar a administrar as finanças públicas de uma perspectiva mais ampla. Não existe argumento econômico, político ou social que justifique a utilização de uma política econômica a implicar o enorme sacrifício de quase todos os setores da sociedade e mantenha as benesses exclusivamente para o financismo.

 

A ilusão na política do bom mocismo.

 

Em nome de um suposto bom mocismo na condução da política econômica, o governo veio adotando medidas sucessivas para agradar aqueles que mais estão ganhando com a crise. No entanto, nem mesmo assim conseguiu escapar dos rebaixamentos promovidos pelas agências de “rating”. É mais do que conhecida a relação promíscua e incestuosa mantida por essas empresas e os demais poderosos do mundo da finança. Causa estranheza a desqualificação determinada de forma articulada por Standard & Poor`s, Moody`s e Fitch Ratings.

 

Como pode um País que destina mais de 9% de seu PIB ao pagamento de juros de seus títulos públicos ainda receber a marca de “mau pagador”? O fato é que esses setores nunca se darão mesmo por satisfeitos. Quanto mais a eles se oferece, mais exigentes eles se mantêm. Faz- se urgente uma mudança na orientação da política econômica, ainda que isso venha a desagradar aqueles que se locupletam com a farra do parasitismo financista. Entregar a reforma da previdência social, oferecer a exploração generosa do Pré Sal ou o estratégico setor de aviação civil não reduzirá a sanha do capital financeiro.

 

As alternativas existem e estão à disposição para conhecimento e debate. Aparentemente, o que falta é a velha e boa coragem política necessária para promover a mudança.

 

- Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.

 

Créditos da foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

 

02/03/2016

http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/Samba-de-uma-nota-so/7/35604

 

https://www.alainet.org/es/node/175758
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