Sistema mundial: Um universo em expansão

01/09/2009
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 A publicação do livro, “O mito do colapso do poder americano”, no final de 2008, e em particular, a publicação do meu ensaio sobre “O sistema inter-estatal capitalista, no início do século XXI”, incluído no livro, provocou muitas críticas que contém em comum, a mesma dificuldade de entender o meu argumento sobre as relações entre o poder, o capital e as guerras, dentro do sistema mundial. Meu artigo parte de uma hipótese central sobre o movimento de longo prazo do “sistema inter-estatal capitalista”, desde sua formação, na Europa, durante o “longo século XIII”, até o início do século XXI. Uma hipótese que me permite compreender e diagnosticar a conjuntura internacional que estamos vivendo, desde a década de 1970.
 
Do meu ponto de vista, é possível identificar, nesta longa duração da história do sistema mundial, “quatro momentos em que ocorreu uma espécie de “explosão expansiva”, dentro do próprio sistema. Nestes “momentos históricos”, houve primeiro um aumento da “pressão competitiva” dentro do “universo”, e depois, uma grande “explosão” ou alargamento das suas fronteiras internas e externas.
 
O aumento da “pressão competitiva” foi provocado – quase sempre - pelo expansionismo de uma ou várias “potências” líderes, e envolveu também, um aumento do número, e da intensidade do conflito, entre as outras unidades políticas e econômicas do sistema. E a “explosão expansiva” que se seguiu, projetou o poder destas unidades ou “potências” mais competitivas, para fora de si mesmas, ampliando as fronteiras do próprio “universo”. A primeira vez que isto ocorreu, foi no “longo século XIII”, entre 1150 e 1350. O aumento da “pressão competitiva”, dentro da Europa, foi provocado pelas invasões mongóis, pelo expansionismo das Cruzadas, e pela intensificação das guerras “internas”, na península ibérica, no norte da França, e na Itália. E a “explosão expansiva” que seguiu, se transformou numa espécie de “big bang” do “universo” de que estamos falando, o momento do nascimento do primeiro sistema europeu de “guerras e trocas”, com suas unidades territoriais soberanas e competitivas, cada uma delas, com suas moedas e tributos. A segunda vez que isto ocorreu, foi no “longo século XVI”, entre 1450 e 1650. O aumento da “pressão competitiva” foi provocado pelo expansionismo do Império Otomano e do Império Habsburgo, e pelas guerras da Espanha, com a França, com os Países Baixos e com a Inglaterra.
 
É o momento em que nascem os primeiros estados europeus, com suas economias nacionais, e com uma capacidade bélica muito superior a das unidades soberanas, do período anterior. Foi a “explosão expansiva” deste embrião do sistema inter-estatal europeu – para fora da própria Europa - que deu origem ao “sistema mundial moderno”, liderado, inicialmente, pelas potências ibéricas, e depois, pela Holanda, França e Inglaterra. A terceira vez que isto ocorreu, foi no “longo século XIX”, entre 1790 e 1914. O aumento da “pressão competitiva” foi provocado pelo expansionismo francês e inglês, dentro e fora da Europa, pelo nascimento dos estados americanos, e pelo surgimento, depois de 1860, de três potências políticas e econômicas - Estados Unidos, Alemanha e Japão – que cresceram muito rapidamente, e revolucionaram a economia capitalista, e o “núcleo central” das grandes potências.
 
Logo em seguida, houve uma terceira “explosão expansiva” que assumiu a forma de uma “corrida imperialista” entre as grandes potências, que trouxe a África e a Ásia, para dentro das fronteiras coloniais do “sistema mundial moderno”. Por fim, desde a década de 1970, está em curso uma quarta “explosão expansiva” do sistema mundial. Nossa hipótese é que – desta vez - o aumento da pressão dentro do sistema mundial, está sendo provocado, pela estratégia expansionista e imperial dos Estados Unidos, depois dos anos 70, pela multiplicação dos estados soberanos do sistema, que já são cerca de 200, e, finalmente, pelo crescimento vertiginoso do poder e da riqueza dos estados asiáticos, e da China, muito em particular.”(Fiori, 2008, p: 22 e 23)
 
Minha pesquisa sobre as relações entre a geopolítica e a geo-economia do sistema mundial, começou há mais de 20 atrás, com o estudo da “crise dos 70” e a “restauração liberal-conservadora” da década de 80, e seguiu com o acompanhamento das transformações internacionais das décadas seguintes. A impossibilidade de entender esta conjuntura a partir de si mesma me levou à uma longa viagem no tempo, até as origens do “sistema inter-estatal capitalista”, para conseguir entender suas tendências de longo prazo. Comecei pelas “guerras de conquista” e pela “revolução comercial” que ocorreram na Europa nos séculos XII e XIII, para chegar até à formação dos estados e das economias nacionais européias e o início de sua vitoriosa expansão mundial, a partir do século XVI. Como é sabido, na Europa, ao contrário do que aconteceu nos impérios asiáticos, a desintegração do Império Romano e, depois, do Império de Carlos Magno provocou uma fragmentação do poder territorial e um desaparecimento quase completo da moeda e da economia de mercado entre os séculos IX e XI. Nos dois séculos seguintes, entretanto – entre 1150 e 1350 – aconteceu a grande revolução que mudou a história da Europa, e do mundo: foi naquele período que se forjou no continente europeu , uma associação indissolúvel e expansiva, entre a “necessidade da conquista”, e a “necessidade de produzir excedentes” cada vez maiores, que se repetiu, da mesma forma, em várias unidades territoriais soberanas e competitivas, que foram obrigadas a desenvolver sistemas de tributação e criar suas próprias moedas, para financiar suas guerras de conquista.
 
As guerras e os tributos, as moedas e o comércio, existiram sempre, em todo tempo e lugar, a grande novidade européia foi a forma em que se combinaram, somaram e multiplicaram em conjunto, dentro de pequenos territórios altamente competitivos, e em estado de permanente preparação para a guerra. Na Europa, a preparação para a guerra, e as guerras propriamente ditas, se transformaram na principal atividade de todos os seus príncipes, e a necessidade de financiamento destas guerras, se transformou num multiplicador contínuo da dívida publica e dos tributos. E, por derivação, num multiplicador do excedente e do comércio, e também, do mercado de moedas e de títulos da dívida, produzindo e alimentando – dentro da Europa - um circuito acumulativo absolutamente original, entre os processos de acumulação do poder e da riqueza.
 
 Não há como explicar o aparecimento desta necessidade européia da acumulação do poder e do excedente produtivo, apenas a partir do “mercado mundial” ou do “jogo das trocas”. Mesmo que os homens tivessem uma propensão natural para trocar – como pensava Adam Smith – isso não implicaria necessariamente que eles também tivessem uma propensão natural para acumular lucro, riqueza e capital. Porque não existe nenhum fator intrínseco à troca e ao mercado que explique a necessidade compulsiva de produzir e acumular excedentes. Ou seja, a força expansiva que acelerou o crescimento dos mercados e produziu as primeiras formas de acumulação capitalista não pode ter vindo do “jogo das trocas”, ou do próprio mercado, nem veio, nesse primeiro momento, do assalariamento da força de trabalho. Veio do mundo do poder e da conquista, do impulso gerado pela “acumulação do poder”, mesmo no caso das grandes repúblicas mercantis italianas, como Veneza e Gênova.
 
 Agora bem, do meu ponto de vista, o conceito de poder político tem mais a ver com a idéia de fluxo do que com a de estoque. O exercício do poder requer instrumentos materiais e ideológicos, mas o essencial é que o poder é uma relação social assimétrica indissolúvel, que só existe quando é exercido; e para ser exercido, precisa se reproduzir e acumular constantemente. A “conquista”, como disse Maquiavel, é o ato fundador que instaura e acumula o poder, e ninguém pode conquistar nada sem ter poder, e sem ter mais poder do que o que for conquistado. Num mundo em que todos tivessem o mesmo poder, não haveria poder. Por isso, o poder exerce uma “pressão competitiva” sobre si mesmo, e não existe nenhuma relação social anterior ao próprio poder.

Além disto, como a guerra é o instrumento em ultima instancia da conquista e da acumulação do poder, ela se transformou num elemento co-constitutivo deste sistema de poderes territoriais que nasceu na Europa, e que depois se expandiu pelo mundo. Por isso, a origem histórica do capital e do sistema capitalista europeu é indissociável do poder político e das guerras, e a teoria sobre a formação deste “universo europeu” tem que começar pelo poder e pelas suas guerras, pelos tributos e pelo excedente, e pela sua transformação em dinheiro e em capital, sob a batuta do poder dos soberanos. O fator endógeno ou primeiro princípio que move este universo é exatamente esta força da compulsão sistêmica e competitiva que leva à acumulação sem fim do poder e do capital. E do meu ponto de vista, o poder tem precedência lógica, dentro desta relação simbiótica, a despeito que a acumulação de capital tenha adquirido uma “autonomia relativa” muito grande e cada vez mais complexa, com o passar dos séculos.
 Mais tarde, depois do “longo século XVI” e da formação na Europa dos seus primeiros estados nacionais” se mantiveram estas mesmas regras e alianças fundamentais, que haviam se estabelecido no período anterior. Com a diferença que, no novo sistema de competição, as unidades envolvidas eram grandes territórios e economias articulados num mesmo bloco nacional, e com as mesmas ambições expansivas e imperialistas. O objetivo da conquista não era mais a destruição ou ocupação territorial de outro Estado, poderia ser apenas a sua submissão econômica. Mas a conquista e a monopolização de novas posições de poder político e econômico seguiu sendo a mola propulsora do novo sistema. No novo sistema inter-estatal, a produção do excedente e os capitais de cada país passaram a ser uma condição indispensável de seu poder internacional. E foi dentro dessas unidades territoriais expansivas que se forjou o “regime de produção capitalista”, que se internacionalizou de mãos dadas com estes novos impérios globais criados pela conquista destes primeiros estados europeus.
 
E depois do século XVI, foram sempre estes estados expansivos e ganhadores que também lideraram a acumulação de capital, em escala mundial. Alem disto, a chamada “moeda internacional” sempre foi a moeda destes estados e destas economias nacionais mais poderosas, transformando-se num dos principais instrumentos estratégicos, na luta pelo poder global.
 
 A expansão competitiva dos “Estados-economias nacionais” europeus criou impérios coloniais e internacionalizou a economia capitalista, mas nem os impérios, nem o capital internacional eliminaram os Estados e as economias nacionais. Neste novo sistema inter-estatal, os Estados que se expandiam e conquistavam ou submetiam novos territórios também expandiam seu território monetário e internacionalizavam seus capitais. Mas, ao mesmo tempo, seus capitais só puderam se internacionalizar na medida em que mantiveram seu vínculo com alguma moeda nacional, a sua própria ou a de um Estado nacional mais poderoso. Por isso, se pode dizer que a globalização econômica sempre existiu e nunca foi uma obra do “capital em geral”, nem levará jamais ao fim das economias nacionais. Porque de fato, a própria globalização é o resultado da expansão vitoriosa dos “Estados-economias nacionais” que conseguiram impor seu poder de comando sobre um território econômico supranacional cada vez mais amplo, junto com sua moeda, sua dívida pública, seu sistema de crédito, seu capital financeiro e suas várias formas indiretas de tributação.
 
 Da mesma forma, do meu ponto de vista, qualquer forma de “governo mundial’ é sempre uma expressão do poder da potência, ou das potências que lideram o sistema inter-estatal capitalista. Muitos autores falam em “hegemonia” para referir-se à função estabilizadora desse líder dentro do núcleo central do sistema. Mas esses autores não percebem – em geral - que a existência dessa liderança ou hegemonia não interrompe o expansionismo dos demais Estados, nem muito menos, o expansionismo do próprio líder ou hegemon. Por isso, toda potencia hegemônica é sempre, ao mesmo tempo, é auto-destrutiva, porque o próprio hegemon acaba desrespeitando as regras e instituições que ajudou a criar para poder seguir acumulando seu próprio poder, como se pode ver no caso americano, depois do fim da Guerra Fria. Donde, é logicamente impossível que algum pais “hegemônico” possa estabilizar o sistema mundial, como pensam vários analistas internacionais. Neste universo em expansão que nasceu na Europa, durante o “longo século XIII”, nunca houve nem haverá “paz perpétua”, nem sistema políticos internacionais estáveis. Porque se trata de um “universo” que precisa da preparação para guerra e das crises para poder se ordenar e “estabilizar”. E através da história, foram quase sempre estas guerras e estas crises que abriram os caminhos da inovação e do “progresso”, na história deste sistema inventado pelos europeus.
 
 É nesta visão do sistema mundial e não apenas em opiniões e vaticínios, que se funda a minha avaliação sobre o “mito do colapso americano”. A mesma visão que me autoriza pensar que os fracassos político-militares norte-americanos do início do século XXI, e a atual crise econômica mundial não apontam para o fim do “regime de produção capitalista”, nem para uma “sucessão chinesa” na liderança mundial que deverá seguir nas mãos dos Estados Unidos. O que não quer dizer obviamente que esta liderança americana seja definitiva, ou que o sistema mundial não esteja vivendo uma transformação gigantesca. Como já disse no livro e no início deste artigo: do meu ponto te vista, está em curso uma grande “explosão expansiva” do sistema inter-estatal capitalista, e uma nova “corrida imperialista” entre as grandes potencias, que deverá se intensificar nos próximos anos. Mas este não é um mundo “sombrio”, com pensam alguns Críticos, é apenas o mundo em que nascemos.
 
 
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