Uma revolução cidadã no Equador

23/01/2007
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Alberto Acosta, novo ministro de Energia, defende auditoria da dívida externa e afirma que governo de Rafael Correa está comprometido com processo de transformação radical da sociedade

 

O novo ministro de Energia do Equador, Alberto Acosta, nasceu em Quito, é economista e sempre se vinculou ao movimento intelectual da esquerda política do Equador. Foi assessor do Movimento Pachakutik (ligado aos movimentos indígenas) e de várias organizações sociais.

 

Docente, catedrático e investigador do Instituto Latino-americano de Investigações Sociais (Ildis), da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso), é autor de vários livros. Seu temperamento e convicções radicais se refletem em investigações e editoriais sobre dívida externa, dolarização e exploração petrolífera, integração energética e sua última paixão: a emigração.

 

Alberto Acosta é um ponto de referência, com suas análises sobre as lutas contra a exploração das petroleiras como contra o Tratado de Livre Comércio TLC.

Como você vê os aspectos sociais e econômicos da conjuntura atual do Equador?

 

Alberto Acosta: O Equador vive um momento que se caracteriza pela arrecadação massiva de recursos provenientes de várias fontes. No cenário internacional, nestes últimos anos e particularmente na atualidade, fomos especialmente favorecido. Temos preços de petróleo muito altos que geram renda adicional à economia. Estas arrecadações petroleiras, além disso, têm aumentado de maneira vertiginosa. Calcula-se que em 2006 haja uma arrecadação adicional de 900 milhões de dólares e lá por 2007 poderia chegar inclusive aos 2 bilhões de dólares (se forem mantidos os preços atuais), por efeito das reformas da lei de hidrocarbonetos que permitiram uma participação proporcional ao Estado nos ganhos extraordinários provocados pelo aumento dos preços de petróleo. Mas essa participação proporcional, é necessário dizer que, é ainda demasiada generosa para as empresas transnacionais.

 

A economia equatoriana também está recebendo um importante fluxo de recursos provenientes do trabalho de nossos compatriotas no exterior. Os emigrantes estão mandando cada vez mais dinheiro para a economia geral. Segundo o Banco Central, estima-se para as remessas de 2005 1,7 bilhões de dólares. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) calcula depósitos perto de 2 bilhões de dólares.

Uma terceira quantia de recursos que também fluem para a economia equatoriana tem a ver com o aumento do endividamento externo privado. Quando começou a dolarização em 2000, o endividamento externo privado beirava os 2 bilhões de dólares. Na atualidade, estaria superando 8 bilhões de dólares. Então, por isso, temos um novo aumento de arrecadação.

 

Entretanto, a economia equatoriana, em muitos aspectos, está em um processo de recessão. A maior parte dos recursos está sendo canalizada às atividades de exportação primária, mesmo petróleo e outras atividades primárias, que são muito reduzidas em impacto macroeconômico de geração de emprego e com pequena vinculação ao resto da economia.

 

O Equador atravessa uma situação de "maldição da abundância" e poderíamos dizer definitivamente que somos um país pobre, mas rico em recursos naturais. Rico em recursos naturais com uma sociedade que não conseguiu integrar a atividade exportadora ao resto da economia, que não foi capaz de distribuir de forma igualitária a renda gerada pelas exportações, uma sociedade em que não há esquemas para fortalecer os processos democráticos. Estamos vendo, então, que as características desta sociedade aprofundam-se : o clientelismo, o autoritarismo, o rentismo, a voracidade dos grupos dominantes.

Você já participou de um projeto de investigação sobre a emigração equatoriana na Europa...

 

Acosta - Nos últimos 6 anos, como consequência da grave crise de 1999-2000, depois como resultado da dolarização que agravou as condições de vida, de pobreza, de miséria, de desigualdade da sociedade equatoriana, cresceu o número de equatorianos que fugiram deste "paraíso dolarizado". A economia não tem melhorado para a maioria da população, apesar dos aspectos que mencionei inicialmente, e isso está provocando uma explosão migratória não somente aos Estados Unidos, mas também à Europa. O primeiro destino segue sendo Espanha e, depois, a Itália.

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Como você vê o processo de endividamento do Equador também em perspectiva desta nova Comissão Nacional de Auditoria da Dívida Externa?

 

Acosta - Neste momento, o processo de endividamento irá entrar em uma fase diferente e será menos necessário controlar novos créditos dos organismos internacionais de crédito que nos emprestavam dinheiro para pagar a dívida. O Equador se endividava para pagar a dívida. Isto pode diminuir graças aos novos recursos que a economia está recebendo, sobretudo do petróleo.

 

Mas fica claro que não vamos resolver a questão da dívida da noite para o dia e que os problemas irão seguir latentes. O fato de decidirmos pagar a dívida não elimina os riscos de um novo massivo e corrupto endividamento, mas o agrava, e isso é uma das tarefas que deveria estar presente na Comissão Nacional de Auditoria da Dívida Externa, que considero uma das coisas mais importantes e interessantes dos últimos tempos.

A criação dessa comissão deve ser vista como o resultado de uma pressão da sociedade civil. Distintas organizações sociais, movimentos indígenas, camponeses, profissionais, distintas fundações, temos pressionado para gerar um ambiente de transparência na administração da dívida externa.  Agora temos de nos preocupar se esta comissão está adequadamente organizada, preparada para assumir este desafio. Não é questão de ter uma comissão e acreditar que tornarão tudo transparente; é possível que a comissão não tenha peso político suficiente, é possível que não tenha o peso técnico suficiente se não for apoiada pelas pessoas que conhecem o assunto.

 

Com o novo governo Correa temos que garantir frutos adequados porque acreditamos que a auditoria é uma tarefa fundamental. Eu responderia aos governos da Itália e da Espanha, que estão propondo processos de troca de dívida por investimento social: vamos trocar esta dívida. Mas, primeiro, faremos uma auditoria para que não transformar dívida corrupta em projetos sociais.

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O cancelamento da dívida pela Noruega abre um precedente fundamental…

 

Acosta - O caso da Noruega é uma das manifestações mais claras disso porque o governo chegou ao Parlamento e disse que se trata de uma dívida vergonhosa, para não dizer abertamente, uma dívida corrupta. Emprestou-se dinheiro para o Equador, e outros países, comprar uns navios pesqueiros para favorecer os estaleiros noruegueses onde se fabricam estes navios.

 

Hoje, nem sabemos onde estão esses navios, estão desaparecidos.  Não só há corrupção nesse processo dentro da Noruega, como também no Equador, já que a corrupção está nos dois lados: o dos devedores e o dos credores.

 

Neste sentido, acredito que o governo norueguês tem dado um sinal histórico porque está anulando esta dívida. Vai contra o Clube de Paris (organização extra-oficial dos países ricos credores), e como esta dívida é corrupta, nós não podemos transformá-la em investimento social.

Qual a posição do presidente Correa sobre o Tratado de Livre Comercio (TLC) com os Estados Unidos?

 

Acosta - Correa pode dar respostas importantes aos povos do Equador. É uma pessoa jovem, capaz, com muito carisma. Decidiu levar adiante uma proposta de mudança e conta com o respaldo de algumas forças políticas e sociais que estão comprometidas com processos de transformação radical e revolucionária. O governo Correa se insere em um contexto internacional de mudança com a oportunidade de sintonizar-se com movimentos de transformação profunda que há em muitos países da América Latina. Não podemos assinar o TLC com os Estados Unidos; não podemos seguir assegurando benefícios às empresas transnacionais de petróleo, não podemos atender às demandas dos credores da dívida externa; não podemos nos vincular à lógica bélica-guerrilheira do Plano Colômbia. Estão em jogo muitas coisas importantes para construir uma verdadeira democracia no Equador. Acreditamos em um novo governo progressista que aposta na mudança por meio de uma revolução cidadã que vamos construir junto ao presidente Correa".

 

- Cristiano Morsolin é educador italiano do Observatorio Independiente sobre la Región Andina Selvas

Fonte: Brasil de Fato


http://www.brasildefato.com.br

 


https://www.alainet.org/es/node/118893
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