Moeda única como instrumento de integração da América do Sul

17/02/2006
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Esta tese surgiu com um propósito defensivo. Apenas no seu desenvolvimento é que adquiriu a forma propositiva com que, no fim, acabou revestida. O sentido defensivo se deveu ao fato de que estivemos muito próximos, no Mercosul, de um projeto de moeda comum ancorado em princípios neoliberais. De fato, na reunião em Ushuaia, Argentina, em 1998, os quatro presidentes do Mercosul formalizaram um acordo para iniciar os procedimentos para a instituição da moeda comum do Mercosul, a partir da convergências das políticas fiscais e monetárias dos países membros. Isso foi apresentado como embrião da moeda comum sul-americana. Só quem não conhece a tradição de política econômica externa do Brasil e de seus vizinhos sul americanos subestima o significado de compromissos como os de Ushuaia. Os tratados internacionais são normalmente iniciados, negociados e concluídos pelo Executivo e apenas formalmente submetidos ao Congresso Nacional, que em geral os aprova sem emendar. O Mercosul, por exemplo, é uma construção quase inteiramente dos executivos regionais. Nenhum de nossos povos foi consultado a respeito, sequer indiretamente. Felizmente, teve um sentido benigno. Mas o projeto da moeda comum estava seguindo o mesmo caminho, que poderia ter terminado em fato consumado, e de forma nada benigna. O que embaraçou a intenção política de levar adiante o projeto de moeda comum no Mercosul foi a crise financeira de 98/99 no Brasil e, em seguida, a crise econômica e política de ainda maior profundidade na Argentina. Desapareceram temporariamente as condições econômicas e políticas para implantação do plano. Entretanto, quando consultei alguns registros de negociações a respeito, fiquei surpreso em saber quão avançadas elas haviam estado. No Brasil, o economista Fábio Giambiagi, do BNDES, uma espécie de propagandista oficioso do projeto que havia sido abraçado com grande entusiasmo pelo Governo FHC, publicou uma série de estudos pelo banco sugerindo inclusive uma cronologia de implantação da moeda única. Embora cada um desses estudos levasse a expressa ressalva de que não se tratava de opinião oficial do BNDES, sua simples publicação lhe garantia uma circulação privilegiada na administração pública brasileira. No quadro atual do subcontinente não há a mais remota condição política para a retomada do projeto de moeda comum nos termos propostos em Ushuaia, que requeriam a convergência das políticas macroeconômicas no marco neoliberal. O que se pretendia era ancorar a moeda única em políticas fiscais e monetárias extremamente restritivas, copiadas literalmente e a-criticamente do Tratado de Maastricht, que criou a União Européia, e do Pacto de Estabilidade e Crescimento, que instituiu o euro. Essas políticas, embora continuem sendo adotadas e aprofundadas pelo Brasil, estão sendo repelidas com sucesso pelos Governos argentino e venezuelano, o que afasta, ao menos temporariamente, a possibilidade de convergência do Mercosul no rumo neoliberal. Se está afastada a hipótese, pelo menos por enquanto, de uma moeda única contracionista no Mercosul, por que não especularmos prospectivamente sobre a possibilidade de uma moeda única desenvolvimentista, na região e no subcontinente sul americanos? Esta tese gira em torno dessa proposta. Baseia-se no mesmo pressuposto que se exige, em geral, para a unificação monetária, isto é, na necessidade de uniformização das políticas macroeconômicas dos países aderentes ao acordo da moeda comum, porém no marco do desenvolvimentismo e da promoção do Estado de bem estar social ancorado em políticas de pleno emprego – tal como aconteceu originalmente na Europa Ocidental. A inspiração, de fato, nos vem da Europa. Porém não da Europa do euro. Vem da Europa do EPU (European Payments Union), a moeda contábil comum que funcionou como âncora do desenvolvimento comercial intenso entre os países europeus ocidentais no pós-guerra, entre 1950 e 1958, antes mesmo, portanto, da constituição do Mercado Comum Europeu. Num tempo de aguda escassez de dólares, essa moeda contábil viabilizou o comércio regional numa escala realmente extraordinária, favorecendo o sistema produtivo e abrindo caminho para o projeto de integração regional, inclusive na indústria básica e na infra-estrutura, cujo resultado material, social e político testemunha um dos maiores sucessos civilizatórios contemporâneos, combinando democracia política e democracia social. No caso da Europa Ocidental, razões geopolíticas, políticas, sociais e econômicas conspiraram favoravelmente ao projeto unificador. Procuro mostrar na tese que a motivação primária do projeto de um destino comum europeu ocidental apoiava-se simultaneamente em questões de segurança externa e interna, o que, paradoxalmente, implicava o resgate das prerrogativas tradicionais do Estado nacional, ao mesmo tempo em que implicava a cessão pelos Estados nacionais de prerrogativas que favoreciam ao projeto comum. No campo da segurança externa, nenhum país democrático europeu ocidental, individualmente, poderia fazer face ao que se apresentava, na época, como ameaça soviética. Entretanto, o que contou efetivamente para a construção do projeto comum foi a idéia de que a segurança interna dependia fundamentalmente da construção de um projeto social europeu. No campo político, a contribuição certamente decisiva para o projeto veio de três grandes líderes de inspiração política comum, operando coordenadamente: Roberto Schumann, na França, De Gaspari, na Itália, e Adenauer, na Alemanha. Todos os três partilhavam a origem católica progressista e uma visão de futuro da Europa Ocidental que passava fundamentalmente pela promoção de uma política de bem estar social ancorada na promoção do pleno emprego – de forma a fazer face ao socialismo em expansão. Os Estados Unidos desempenharam um papel decisivo sob três ângulos. No plano externo, pela garantia da segurança européia face à ameaça soviética, real ou imaginária. No plano econômico, pelo apoio direto do Plano Marshall à reconstrução européia. E, no plano financeiro, por uma atitude tolerante em relação às políticas monetárias não ortodoxas (não conversibilidade, controle de capitais) e aos arranjos de pagamentos (EPU) internos que possibilitaram à Europa Ocidental uma extraordinária expansão comercial intra-bloco, a despeito do dólar escasso. De fato, como procuro mostrar na tese, a atuação norte-americana no imediato pós-guerra no que diz respeito a políticas monetárias foi consideravelmente pragmática, com poucas concessões à ortodoxia, o que deu margem de manobra monetária inclusive a países do Terceiro Mundo como o Brasil. A atitude norte-americana mudou radicalmente nas últimas décadas, sobretudo a partir dos anos 80, como todos sabemos. Superposto à liberação financeira e ao movimento de capitais em escala global, os Estados Unidos tentam impor ao resto do continente um projeto de livre comércio que cristalizaria, se efetivado, as assimetrias econômicas e sociais entre o Norte e o Sul do continente. E nós, brasileiros e argentinos, que somos o coração do projeto de integração do subcontinente, no nosso caso a despeito do que determina a Constituição, ainda não conseguimos desenhar um verdadeiro projeto de integração na América Latina ou, mais realisticamente, na América do Sul. O Mercosul é um acordo de livre comércio com tarifa externa comum. Não contém em si um programa de integração produtiva e de infra-estrutura. A moeda de circulação regional é o dólar norte-americano, cuja disponibilidade depende de saldos comerciais com o resto do mundo ou de financiamentos externos. Em conseqüência, são limitadas as perspectivas de expansão do comércio regional, além de sujeitas a riscos de concorrência predatória, já que nos falta um programa de integração e de especialização produtiva. A evidência disso está nas próprias estatísticas do comércio regional. Dados da Organização Mundial do Comércio assinalam que as exportações internas no Mercosul como proporção das exportações totais passaram de 8,9% em 1990 para 20,5% em 1995 e 21,0% em 2000, desabando para 11,9% em 2003. Apenas como referência para comparação, na União Européia (dos 15) os números correspondentes foram 64,9%, 64,0%, 62,4% e 61,9%. As importações internas ao grupo como proporção ao PIB evoluíram, no Mercosul, de 14,5% para 18,1%, 19,8% e 19,0%. Na União Européia, foram de 63,0%, 65,2%, 60,3% e 61,7%, respectivamente. Naturalmente não são dados diretamente comparáveis, tendo em vista a própria escala dos blocos, mas não é difícil deduzir pelo menos parte da diferença no comércio interno à alta integração econômica, num caso, e a sua absoluta falta, no outro. O livre comércio, sozinho, não é capaz de promover o desenvolvimento econômico e social dos povos. O que faz do Mercosul um bloco subdesenvolvido dentro do subdesenvolvimento, sem grandes perspectivas, é justamente a ausência de um projeto de integração econômica que possibilite o planejamento da especialização produtiva, contando com o suporte de um programa de desenvolvimento da infra-estrutura com adequado financiamento, não dependente de liquidez e de concessões internacionais. A moeda única pode vir a ser um instrumento central de integração e de desenvolvimento regional da América do Sul, a partir do Mercosul. Ela funcionaria, inicialmente, como moeda contábil, para estimular o comércio e o financiamento do desenvolvimento da infra-estrutura comum. Seria operada por um Banco Central desenvolvimentista, articulado a um Banco de Investimento Regional. O arranjo monetário deveria ser de tal ordem que os investimentos de infra-estrutura na região poderiam ser financiados por emissão da moeda comum, na proporção dos gastos em moeda local. Apenas o saldo resultante de importações de fora do bloco seria financiado em divisas fortes, principalmente dólar e euro. O caráter desenvolvimentista do Banco Central da América do Sul seria derivado de suas relações com os tesouros dos países integrantes do bloco, na medida em que se preparasse o terreno para a conversão da moeda contábil em moeda plena. Seria estabelecido, progressivamente, um orçamento comum de investimentos em infra-estrutura e indústria básica, financiado por receitas tributárias dos países membros e empréstimos dentro do bloco. Disso resultaria a criação de um mercado monetário e financeiro na moeda comum, aqui denominada Inca, que absorveria progressivamente os mercados monetários e financeiros dos países membros. A programação monetária e financeira determinaria o quanto do orçamento comum seria coberto por receita tributária (convergindo para uma certa faixa do PIB nacional), o quanto seria em empréstimos nas moedas dos países membros, e o quanto em divisas fortes. O Banco Central comum estabeleceria uma taxa básica de juros para regular o nível de liquidez da economia regional de forma a assegurar o crescimento auto-sustentável da produção e a favorecer o pleno emprego. O mercado monetário seria dissociado do mercado financeiro, de forma a dar eficácia à taxa básica de juros no controle da liquidez. Já a taxa de colocação dos títulos públicos, para financiamento do orçamento comum, seria resultante de ação coordenada entre os tesouros regionais, modulando a política tributária, e o Banco Central, que interviria no mercado em defesa de sua taxa básica de juros mediante emissão e enxugamento de moeda no mercado aberto. Um banco central desenvolvimentista é um banco central que opera num padrão muito próximo do Sistema de Reserva Federal (FED) dos Estados Unidos. Minha tese é que é possível ter um banco central comum desse tipo mesmo que ele não emita moeda inicialmente de curso internacional fora do bloco. A precondição é o controle do movimento de capitais, necessário pelo menos enquanto o bloco não tenha acumulado um volume de reservas internacionais em moeda forte capaz de contrabalançar os movimentos de capitais especulativos e as sangrias de divisas por nacionais em momentos de crise. O controle de capitais foi um recurso de política monetária admitido nos acordos de Bretton Woods e generalizadamente aplicado pelos países centrais e periféricos no pós-guerra. O desenvolvimento sócio-econômico da Europa Ocidental se fez a sua sombra. Somente nas últimas décadas, no marco da ressurgência do liberalismo econômico sob a forma de neoliberalismo, a liberalização financeira, a partir dos Estados Unidos e da Inglaterra, tornou-se uma política econômica de caráter mundial, abarcando todos os países desenvolvidos e parte considerável do mundo em desenvolvimento, com a significativa exceção dos emergentes da Ásia. Por trás da liberalização financeira existe o fenômeno dos gigantescos déficits comerciais norte-americanos. Sua contrapartida são imensos superávits de alguns de seus parceiros comerciais, cujo aumento considerável de reservas em dólar possibilita uma relativa liberdade de política econômica sem risco de crises cambiais. Para os países que não conseguem fazer elevados saldos comerciais com o resto do mundo – caso de quase toda a América Latina e de grande parte do Leste Europeu, e, em especial, da América do Sul -, a liberalização financeira se traduz inexoravelmente em perda de autonomia da política econômica, em especial da política monetária e fiscal. De fato, como é notório o exemplo brasileiro das duas últimas décadas, para manter estável o balanço de pagamentos em regime de liberalização financeira, as taxas de juros devem ser elevadas a patamares extremamente elevados, ao que deve se superpor uma política fiscal de extrema rigidez (realização de superávits primários), supostamente para garantir a confiabilidade monetária e fiscal perante os investidores internos e internacionais que estão sustentando as reservas e a dívida pública. Isso significa uma política econômica permanentemente contracionista, elevando as taxas de desemprego a níveis sem precedentes e a uma queda contínua da renda do trabalho. É importante notar que mesmo a União Européia embarcou num processo de políticas fiscais restritivas, determinadas, em última instância, pela liberalização financeira. O bloco é superavitário comercialmente apenas na margem, o que implica a exposição a eventuais crises cambiais, como na França em 1983. Para conciliar a liberalização financeira com algum grau de estabilidade cambial e de preços, a política fiscal-monetária cristalizada no Tratado de Maastricht, que criou a União Européia, e no Tratado de Estabilidade e Crescimento, que implementou o euro, determinou níveis máximos de convergência da política fiscal em 3% do PIB para o déficit orçamentário nominal, e de 60% do PIB para a dívida pública. Em conseqüência das políticas econômicas restritivas, os índices de desemprego nos países mais populosos da Europa Ocidental alcançam os maiores níveis desde a Grande Depressão, em torno de 10%. Isso apenas não se refletiu em crise social em razão dos amplos instrumentos de proteção social a desempregados e seus dependentes que caracterizam o estado de bem estar social europeu. Em contrapartida, nos países em desenvolvimento, políticas neoliberais importadas dos países desenvolvidos resultam em grande sofrimento social, assim como em total falta de perspectiva para a juventude. No caso brasileiro, 47% dos desocupados são jovens de idade entre 15 e 24 anos. O projeto de moeda comum desenvolvimentista para a América do Sul deve ser visto como um instrumento de resgate sócio-econômico da região. É na integração regional que estão nossas esperanças de retomada de crescimento a altas taxas, essencial para darmos conta dos nossos problemas sociais, principalmente do alto desemprego e subemprego. O Brasil está desafiado a liderar esse processo, junto com Argentina e Venezuela, pela razão simples de que não conseguiria um desenvolvimento equilibrado no subcontinente caso se desenvolvesse sozinho. De fato, com nossos milhares de quilômetros de fronteiras comuns, virtualmente abertas, não podemos pensar em ser uma ilha de prosperidade no meio de um subcontinente miserável. Ademais, a integração e a especialização produtiva, por si mesmas, melhorariam nossas perspectivas de crescimento. As etapas sugeridas para a integração sub-continental se espelham na vitoriosa experiência da Europa Ocidental. Neste caso, primeiro houve o acordo de pagamentos, com a moeda contábil comum; depois, a integração da indústria básica, sobretudo carvão e aço; paralelamente, a especialização industrial, pela qual a Alemanha se tornou o grande supridor de bens de capital para o resto do bloco ao mesmo tempo em que abria seu mercado para a produção de bens de consumo de seus parceiros; finalmente, como condição fundamental para o Tratado de Roma, que instituiu o mercado comum, ficou consagrado o princípio da uniformização das políticas sociais “por cima” – isto é, quem estivesse à frente estabeleceria o padrão para os demais. Dessa forma, o projeto de integração que poderia ter-se confinado às elites econômicas e políticas européias tornou-se efetivamente em integração em benefício dos povos da Europa Ocidental. Procurei construir a tese a partir de uma visão indutiva do fenômeno monetário. A moeda fiduciária contemporânea tem valor interno porque é o meio de pagar os tributos impostos pelo Estado que a emite. O valor externo da moeda, ou sua conversibilidade, depende fundamentalmente da capacidade produtiva e de geração de saldos comerciais da respectiva economia. A soberania monetária reside nos graus de liberdade da política econômica relativamente à promoção do desenvolvimento econômico e do Estado do bem estar social com pleno emprego, a partir notadamente dos instrumentos de política monetária, cambial e fiscal. O valor da moeda internacional é a expressão do poder global da economia emissora. A política monetária como instrumento de promoção do pleno emprego opera sobretudo no sentido de viabilizar investimentos produtivos em moeda interna e de assegurar um nível adequado de liquidez da economia, mediante manipulação do poder emissor e da taxa básica de juros, de forma a assegurar condições de crescimento econômico auto-sustentável de acordo com a capacidade máxima da economia. No Brasil, a política monetária é embaraçada pela figura da moeda financeira, que distorce a relação entre poupança e meio de pagamento, entre taxa de juros, liquidez e crescimento, e deturpa o sentido da dívida pública no tempo, tornando a sua maior parte virtualmente à vista. Moeda comum desenvolvimentista não significa moeda inflacionária. A política monetária deverá ser articulada com a política fiscal de forma a assegurar o adequado financiamento dos investimentos regionais de infra-estrutura e indústrias de base sem forçar em excesso a capacidade produtiva e, portanto, a inflação de custos. O planejamento do investimento regional será fundamental nesse sentido. Por outro lado, em situação de alto desemprego, tendência à baixa da renda do trabalho e ociosidade no parque produtivo, a instância de planejamento regional aceitará o aumento do déficit público como instrumento anti-cíclico de promoção da retomada do crescimento, sem risco de inflação, tendo em vista a situação da demanda agregada. Na situação oposta, quando amplos setores da economia estiverem próximos do pleno emprego, com a demanda aquecida e a capacidade ociosa esgotada, será eliminado o déficit e implementado o equilíbrio orçamentário. O exemplo mais notório dessa política fiscal-monetária anticíclica, sem entrar no mérito da qualidade do gasto público, são os sucessivos governos norte-americanos desde a Grande Depressão, sejam eles democratas ou republicanos, coroando com o do presidente Clinton nos 90. O modelo de política fiscal-monetária que se tem em vista nesta tese está exposto no Anexo. Baseia-se na teoria de finanças funcionais, de Abba Lerner, tal como apresentada recentemente por L. Randall Wray. Tomei como referência o Brasil, para facilitar uma comparação direta com os Estados Unidos, mas o objetivo último é o Banco Central da América do Sul. Obviamente, como a América do Sul, na eventualidade da união monetária, ainda não será uma união política, as relações entre Banco Central e tesouros nacionais não serão idênticas às do FED com o Tesouro dos Estados Unidos. Contudo, desde que se adote o princípio de um orçamento comum de investimentos em infra-estrutura e indústria básica, a relação entre as duas instâncias será preservada, de forma eficaz, por um período de transição, até que se pense na união política. O que se pretende aqui, como proposta, não é a integração econômica por si mesma. É a integração como instrumento de promoção social dos povos sul-americanos. Em termos econômicos, o Brasil, como produtor de bens de capital e como mercado de produtos manufaturados, pode desempenhar para o resto do bloco o papel que a Alemanha desempenhou em relação a seus parceiros europeus. A partir dessa macro-especialização, e do planejamento comum da indústria básica, sobretudo energética, e da infra-estrutura logística, o planejamento comum estabeleceria também as alternativas de especialização industrial e produtiva que melhor atendam aos países do bloco, individualmente e em comum. Só assim o projeto de integração deixará de ser um programa da elite diplomática e econômica para tornar-se o sonho possível das populações sul-americanas. A metodologia por mim empregada é a análise funcional dos sistemas monetários e fiscais contemporâneos, a fim de estabelecer suas conexões com a economia real e as determinações sociológicas e políticas subjacentes. Com isso se procura construir um modelo teórico de política monetária que responda aos três objetivos básicos da soberania econômica anteriormente referidos, a saber, a promoção do desenvolvimento econômico, do pleno emprego e do bem estar social, num marco de relativa estabilidade dos preços (relativa, porque a estabilidade absoluta não tem fundamento empírico). Recorre-se a análises comparativas para determinar relações relevantes para o desenvolvimento e o bem-estar social entre os processos monetários, fiscais e cambiais, tendo por principais focos de referência os Estados Unidos, a Europa do euro, a Grã-Bretanha, e o Brasil. A bibliografia de referência está centrada em L. Randall Wray, particularmente Trabalho e Moeda Hoje (2003) , para a análise funcional da moeda; John Maynard Keynes, Treatise on Money (1953) , relativamente à moeda estatal; Eric Helleiner, States and the Reemergence of Global Finance (1994) , sobre a reconstituição do Sistema Financeiro Internacional no pós-guerra; Alan S. Milward, The European Rescue of the Nation-State (1992) , sobre a construção do Estado de bem-estar social na Europa Ocidental, e Michael Hudson, Super Imperialism (2003) , sobre o manejo do Sistema Financeiro Internacional pelos Estados Unidos, sempre centrado nos próprios interesses nacionais, na condição inicial de grande credor e, posteriormente, de grande devedor mundial. A tese reconhece que situações geopolíticas específicas numa época específica da história européia, depois da tragédia da guerra, contribuíram decisivamente para a construção da Europa comum. Essas situações são desconhecidas da América do Sul contemporânea. Contudo, é patente o crescimento em vários níveis – no acadêmico, no empresarial e no político – da consciência da integração sul americano como um destino necessário e benigno, tendo em vista sobretudo os desastres do neoliberalismo no subcontinente. Obviamente, haverá resistências. Mas serão superados se o projeto da integração da América do Sul transcender as elites, e se tornar um projeto dos povos da região. Rio de Janeiro, 17 de janeiro de 2006. http://www.desempregozero.org.br/artigos/moeda_unica_como_instrumento.php

https://www.alainet.org/es/node/114337
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