Portaria 160 asfixia o sindicalismo

18/11/2004
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Restabelecida no final de setembro, em decorrência de uma ordem judicial, a Portaria 160 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) está causando uma verdadeira convulsão no sindicalismo e pode ser a pá de cal no combalido Fórum Nacional do Trabalho (FNT) e nas suas "propostas de consenso" de reforma sindical. A portaria – editada atabalhoadamente pelo ministro Ricardo Berzoini em 13 de abril de 2004; suspensa em 3 de maio pela portaria 180 após intensa pressão das centrais; e agora reeditada graças à ação civil impetrada pelo Ministério Público Federal – representa duro golpe na organização dos trabalhadores. Diferentemente da legislação vigente, que garante o desconto em folha das contribuições confederativa e assistencial e dá o direito do trabalhador questionar a cobrança através de cartas de rejeição, essa portaria determina que o desconto só poderá ser feito com a prévia autorização por escrito dos não-sindicalizados. Desta forma, ela praticamente torna inviável a cobrança dessas contribuições e asfixia financeiramente o sindicalismo brasileiro, tornando-o ainda mais frágil diante das investidas patronais e, pior, da ameaça de uma reforma regressiva na legislação trabalhista. Além de violar a atual Constituição, a portaria aborta as negociações do FNT que previam um sistema de transição para a nova forma de custeio do sindicalismo. Segundo vários estudos, essas contribuições compulsórias atualmente são vitais para o funcionamento dos sindicatos. Pelos cálculos do sociólogo Adalberto Moreira Cardoso, o imposto sindical, que foi rebatizado de "contribuição" no regime militar e equivale a um dia de salário, tem hoje reduzido peso na sustentação das entidades [1]. Já as contribuições voluntárias não garantem a sua sobrevivência devido ao baixo nível de sindicalização no Brasil, agravado na última década pela explosão do desemprego e da informalidade. Inviabilizadas as contribuições, a tendência é que boa parte dos 11 mil sindicatos de trabalhadores demita funcionários, feche suas subsedes e reduza sua atividade sindical; alguns inclusive podem ir à falência! Diante desse desastre, o sindicalismo deixou de lado suas divergências e partiu para o ataque. Na quinta-feira passada, mais de 200 dirigentes de várias entidades e distintas correntes realizaram um protesto no Senado exigindo a revogação imediata da portaria. Pouco antes, Força Sindical, SDS e CGTB anunciaram a sua retirada do FNT como forma de repúdio "à traição do ministro Berzoini" – a CGT já havia saído do fórum por discordar dos rumos da reforma sindical. Mesmo a CUT, única central que se mantém no FNT e única ausente no protesto em Brasília, promoveu várias reuniões no ministério e uma audiência com o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, em 3 de novembro, solicitando a revogação da medida. Frutos da pressão Há males que vêem para o bem! A pressão do sindicalismo, que angariou apoios de vários parlamentares, já trouxe alguns efeitos positivos. O próprio MTE se apressou em emitir uma nota oficial informando que "discorda da determinação judicial em suspender a Portaria 180 e tem envidado todos os esforços legais para reverter a decisão. Entende também que a Justiça Federal não soube compreender os esforços deste ministério e das centrais em encontrar solução negociada e transitória face aos problemas gerados para as entidades sindicais". Apesar disso, a nota reafirma que "a decisão judicial deve ser cumprida" e ainda traz uma chantagem velada: "A solução definitiva dependerá da aprovação da reforma sindical" [2]. O efeito mais positivo da pressão sindical, porém, foi o anúncio de que o governo Lula não pretende mais priorizar a sua explosiva reforma trabalhista. "Não temos mais condições de construir um consenso entre entidades de empresários e trabalhadores a tempo de remeter a reforma trabalhista para o Congresso com tempo hábil para ser aprovada", comunicou o ministro Ricardo Berzoini [3]. Segundo fontes oficiais, "o governo teria desistido de fazer a mudança, uma das principais reivindicações dos empresários brasileiros, porque provocaria um grande desgaste político nesta segunda metade do mandato... A estratégia é não mexer nesse assunto para não prejudicar a imagem política e os objetivos eleitorais" [4]. Esses resultados alentadores, entretanto, não devem aplacar a justa chiadeira do sindicalismo. No caso da reforma trabalhista, o patronato já sentiu o baque e prepara o contragolpe. Armando Monteiro, presidente da Confederação Nacional da Indústria, garantiu que o empresariado aumentará a pressão sobre o governo Lula. "A lei trabalhista é anacrônica, extremamente rígida, e estimula conflitos e a informalidade. O que predomina no mundo hoje é o contrato de trabalho negociado entre as partes", argumentou. Nessa cruzada pela precarização do trabalho, a burguesia está coesa e tem o poderoso apoio dos organismos mundiais do capital financeiro, como o FMI, que possuem forte poder de chantagem e atração sobre o atual governo. Já no que se refere à reforma sindical, o ministro Berzoini parece decidido a emplacá-la – mesmo sob as críticas de distintas correntes e com a saída de várias centrais do FNT. A própria portaria 160 não foi uma escorregadela do governo; faria parte da estratégia para forçar a reforma colocando a faca no pescoço dos setores mais reticentes. "Sindicalistas, especialistas em mercado de trabalho e advogados trabalhistas consideram que a edição da portaria foi uma forma encontrada para o governo 'minar', no Congresso, os lobbies de sindicatos e centrais que resistem a mudanças na estrutura sindical" [5]. A reação, no entanto, foi no sentido contrário, elevando a revolta, a pressão e a unidade do sindicalismo. O ideal é manter o mesmo rumo, pois, como diz outro ditado popular, quem não chora não mama! * Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e organizador do livro "A reforma sindical e trabalhista no governo Lula" (Editora Anita Garibaldi). Notas: 1- Adalberto Moreira Cardoso. "Sindicatos, trabalhadores e a coqueluche neoliberal". Editora FGV, 1999. 2- "Nota de esclarecimento". Ministério do Trabalho e Emprego, 27/10/04. 3- Geralda Doca. "Reforma trabalhista na gaveta". O Globo, 15/11/04. 4- "Reforma trabalhista não sai no governo Lula". Zero Hora, 15/11/04. 5- Claudia Rolli e Fátima Fernandes. "Reforma deve inibir abusos', diz Berzoini". Folha de S.Paulo, 15/11/04.
https://www.alainet.org/es/node/110882
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