Economistas lançam manifesto contra política econômica
15/06/2003
- Opinión
Economistas ligados ao PT ou que apoiaram a candidatura de Luiz
Inácio Lula da Silva à Presidência lançam hoje,
simultaneamente, no Rio de Janeiro e em São Paulo, um manifesto
contra a atual política econômica. No documento, "A Agenda
Interditada - Uma Alternativa De Prosperidade Para o Brasil",
eles defendem o controle do câmbio e de capitais externos, além
de redução do superávit primário e das taxas de juros. A
seguir, a íntegra do manifesto, que já conta com 240
assinaturas e foi organizado por Plínio de Arruda Sampaio Jr,
professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A Agenda Interditada -
Uma Alternativa De Prosperidade Para o Brasil
O Brasil está sendo levado a um beco sem saída de estagnação e
desemprego por uma política econômica que capitulou à
insensatez do totalitarismo de "mercado". Desde os anos 90 o
debate sobre alternativas de desenvolvimento foi virtualmente
interditado com o recurso ao dogma de que o "mercado", sábio e
virtuoso, se deixado a si mesmo promoverá a prosperidade
coletiva. Passado mais de um decênio em que o experimento
neoliberal vem sendo praticado no Brasil, é hora de um balanço,
e de um questionamento: até quando o crescimento com
redistribuição de renda será negado à sociedade brasileira?
A interdição do debate econômico nos últimos anos pretendeu
desqualificar como anacrônica toda crítica a qualquer aspecto
da política econômica. Hoje, repetindo o que aconteceu na
última década, a sociedade vem sendo privada de participar ou
acompanhar um debate genuíno sobre medidas de política
econômica, boa parte das quais decidida de comum acordo com o
FMI à revelia de qualquer instância democrática, inclusive do
Congresso Nacional.
O "mercado" não debate, apenas ameaça. E aqueles que deveriam
debater em seu nome tomam a ameaça de suas reações como
suficientes para cancelar o próprio debate. Os pontos-chave da
política econômica são encapsulados numa cadeia de tabus porque
a simples menção de discuti-los é descartada em face do risco
da especulação do "mercado", pelo que o "mercado" obtém uma
franquia para continuar ditando os rumos de uma política
econômica em proveito único de seus operadores, e cujo
resultado para a sociedade tem sido baixo crescimento econômico
e ampliação do desemprego.
Basta. Queremos abrir a agenda da economia política brasileira
e expor a caixa preta da política econômica ao debate aberto.
É um imperativo moral que reconheçamos o alto desemprego, sem
precedentes em nossa história, como o mais grave problema
social brasileiro, resultante diretamente das políticas
monetária e fiscal restritivas, assim como da abertura
comercial sem restrições. É um imperativo político, em face
dos direitos de cidadania e tendo em vista a preservação da
democracia, que se promova uma política retomada do
desenvolvimento com justiça social e estabilidade cujo objetivo
último é o pleno emprego.
Há alternativa. Ela não passa por mudanças tópicas em um ou
alguns dos aspectos da "coerente" política ortodoxa em curso,
mas pela inversão de toda a matriz da política econômica. Isso
significa reforçar a interferência do Estado no domínio
econômico, a exemplo do que ocorreu historicamente em situação
similar com o New Deal, nos Estados Unidos, para corrigir as
distorções provocadas pelo "livre mercado", sobretudo o alto
desemprego, que compromete a estabilidade social e política do
País. Em linhas gerais, implicaria um conjunto simultâneo de
medidas do tipo:
1.controle do fluxo de capitais externos e administração do
câmbio em nível favorável às exportações;
2.enquanto perdurar o alto desemprego, redução do superávit
primário pelo aumento responsável do dispêndio público, a fim
de ampliar a demanda efetiva agregada induzindo a retomada do
desenvolvimento e do emprego;
3.ampliação dos gastos públicos nos três níveis da
administração, com prioridade para dispêndio com ampliação dos
serviços de educação, saúde, segurança, assistência e
habitação, grandes geradores de empregos, e de competência
também dos estados e municípios - o que implica a restauração
da saúde financeira da Federação, inclusive mediante
renegociação das dívidas de Estados e Municípios para com o
Governo federal;
4.redução significativa da taxa básica de juros, como
complemento indispensável da política fiscal de estímulo à
retomada dos investimentos privados;
5.promoção de investimentos públicos e privados em saneamento e
infra-estrutura (logística e energia), para assegurar a
melhoria da competitividade sistêmica da economia; incentivo a
investimentos imediatos em setores privados próximos da plena
capacidade;
6.manutenção e ampliação da política de incentivo às
exportações; e substituição de importações;
7.política de rendas pactuada para controle da inflação.
Sustentamos que o Brasil tem diante de si uma alternativa de
política econômica de prosperidade. O atual Governo, que foi
eleito em função de expectativas de mudança, tem diante de si a
responsabilidade de evitar que a crise social herdada se
transforme numa crise política de proporções imprevisíveis, a
exemplo do que tem ocorrido em outros países da América do Sul
contemporaneamente, e do que ocorreu historicamente na Europa,
nos anos 20 e 30. Os obstáculos políticos à mudança não são
maiores que os riscos de não realizá-la.
Colocamos o foco de nossas sugestões na promoção do pleno
emprego porque se trata de uma política estruturante da solução
de outros problemas sociais e econômicos miséria, subemprego,
marginalidade, iníqua distribuição de renda, violência,
insegurança. Contudo, este não é um projeto estritamente
econômico, nem um projeto fechado. É uma contribuição de
economistas à busca de um novo destino nacional, base do
resgate da cidadania, e condição para uma sociedade solidária.
Nenhuma das medidas propostas ou seu conjunto são um anátema à
luz da história econômica real dos países que experimentaram
algum êxito econômico e social, hoje como no passado.
Desafiamos os que se escondem por trás da onipotência do deus
"mercado" que sustentem à luz da discussão pública e de suas
consequências atuais e futuras suas propostas de política
econômica. Queremos o debate já. Queremos o exercício
democrático da controvérsia. Chega de interdição.
Rio de Janeiro/São Paulo, junho de 2003
https://www.alainet.org/es/node/107697