O governo Lula e a estratégia da CUT

08/05/2003
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De 3 a 7 de junho, em São Paulo, ocorrerá o 8o Congresso Nacional da CUT, a maior central sindical do Brasil, com 3.317 entidades filiadas e 22 milhões de trabalhadores representados na sua base. O evento se reveste da enorme importância para o conjunto dos movimentos sociais. Ele debaterá as teses das várias correntes internas e definirá os rumos da central para o próximo período da luta de classes. O ponto sobre a estratégia da CUT diante do novo quadro político nacional, com a eleição, a posse e os primeiros meses de experiência do governo Lula, será o mais polêmico deste rico processo de reflexão do sindicalismo. Desde a sua origem, há 20 anos, a CUT já passou por várias fases na sua elaboração estratégica – grosso modo, desde a visão de um sindicalismo de massas e combativo, identificado com o ideário socialista, até a atual e anódina proposta do "sindicato cidadão", sem uma perspectiva classista. Apesar desta trajetória errática, ela nunca deixou de ser a principal referência de luta dos trabalhadores. Todo este processo de elaboração, porém, entra agora numa nova etapa, carregada de possibilidades, mas também cheia de armadilhas. O desafio será o de romper os rígidos esquemas mentais, arejando o pensamento estratégico. Quadro contraditório Pode-se afirmar que a vitória de Lula tem uma dimensão histórico-universal. Nunca o país foi dirigido por forças tão nitidamente identificadas com as lutas populares. O Brasil já teve governos progressistas, mas só agora um núcleo de esquerda, forjado na oposição à ditadura militar e à regressão neoliberal, chega ao Palácio do Planalto. Além desta dimensão histórica, a vitória tem forte alcance mundial, com profundos reflexos, em especial, no continente latino-americano. É a primeira vez que o neoliberalismo, hegemônico há mais de 30 anos, sofre um duro revés num país de dimensão continental e peso na economia. Tamanho êxito, porém, não deve ofuscar os limites do governo Lula. A clara noção destas condicionantes evitará trágicas idealizações. Três fatores pesam na análise da atual correlação de forças. O primeiro é do cenário mundial de grave crise e de recrudescimento da arrogância imperialista. O segundo é a herança maldita deixada por FHC, que entregou ao sucessor um país a beira da insolvência. Por último, o governo Lula ainda terá de enfrentar o quadro de certo equilíbrio político no país, expresso na posição minoritária da esquerda no parlamento e nos governos estaduais. Em síntese: as esquerdas elegeram o presidente, mas não tomaram o poder político; o neoliberalismo foi derrotado eleitoralmente, mas não foi aniquilado. A compreensão deste quadro político contraditório será decisiva na definição da estratégia da CUT. O governo Lula, como indicam os primeiros meses de gestão, será alvo de intensas pressões e ameaças. As elites neoliberais, derrotadas nas urnas, farão de tudo para manter a orientação macroeconômica que serve unicamente aos interesses da oligarquia financeira. Tentarão enquadrar o novo governo, vendendo a falsa idéia de que não há alternativas às imposições do "deus mercado". Caso se sintam ameaçadas, jogarão na desestabilização do governo, usando todos os ardis políticos e econômicos – como já ensina a Venezuela. O jogo será pesado, nada comparável a um idílico cenário de "paz e amor" e de pacto entre classes sociais antagônicas. E a pressão não virá só de fora do Planalto. Ela se reflete na própria composição do governo, com setores chaves insistindo na manutenção do perverso modelo neoliberal. Ou seja: os quatro anos de gestão de Lula serão palco de intensa disputa, de encarniçada luta de classes. A CUT deverá se posicionar diante deste fogo cerrado. Indiscutivelmente, o seu futuro está na berlinda! Um erro de cálculo pode gerar esvaziamentos, desgastes, fraturas e, inclusive, o fortalecimento da direitista Força Sindical. Unidade e luta Neste cenário contraditório, eleva-se o papel da CUT como força protagonista. Ela precisará exercitar, num patamar ainda mais elevado, a relação dialética entre unidade e luta, preservando sua autonomia na defesa dos anseios dos trabalhadores. Por um lado, ela deve dar apoio ao projeto mudancista expresso no governo Lula. Na atual correlação de forças, a derrota deste seria uma grave derrota do projeto alternativo das esquerdas. Por outro, precisa zelar pela independência de classe, viabilizando um campo de pressão ativo pelas mudanças que o país necessita e as urnas exigiram, contrapondo-se ao jogo pesado das elites. A CUT deve evitar dois extremos perigosos. Nem a postura voluntarista que desconsidera a realidade e, de forma indireta, faz o jogo da direita; nem a postura passiva, de apoio incondicional, que transformaria a central num apêndice do governo, sem vida e sem perspectiva de classe. Para algumas forças com visão míope, a vitória eleitoral não representou nada de novo; para outras, mais pragmáticas, expressou um fim em si mesmo, o ponto de chegada do seu projeto estratégico. Para os classistas, esta histórica vitória deve ser encarada como um meio, um passo a mais na luta para alcançar o objetivo estratégico do socialismo; representa um patamar mais vantajoso para o avanço das lutas imediatas e futuras da classe trabalhadora. Com esta compreensão, o sindicalismo classista enfatiza a importância da autonomia e independência da CUT. Rejeita qualquer tentativa de ingerência do governo na central e qualquer postura de passividade, de cooptação, da sua direção. O caminho da institucionalização da CUT seria trágico à luta dos trabalhadores e não traria nenhuma vantagem ao governo Lula. Diante da pressão das elites, a CUT precisa apostar na mobilização ativa dos trabalhadores, na luta pela conquista de uma sociedade soberana, democrática e mais justa – compromisso do projeto democrático e popular personificado pelo presidente Lula. Na busca da mais ampla unidade na defesa do desenvolvimento econômico com a distribuição de riquezas e renda, a CUT não pode abdicar do seu projeto de classe; não pode confundir unidade nacional com a falsa conciliação de classes; não deve aceitar pagar o "pacto" da grave crise do capitalismo. As medidas de manutenção da política anterior, com seus ajustes recessivos e suas reformas liberalizantes, devem receber a crítica construtiva, mas incisiva, da maior central de trabalhadores do país Seu esforço é para que o Brasil trilhe outro caminho, que de forma cautelosa, mas decidida, supere o modelo neoliberal. * Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor, com Marcio Pochmann, do livro "Era FHC: A regressão do trabalho" (Editora Anita Garibaldi).
https://www.alainet.org/es/node/107501
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