Encontro Nacional de Agroecología: Carta Política

01/08/2002
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Aos candidatos a mandatos do Executivo e do Legislativo nos níveis federal e estadual À Sociedade brasileira O contexto em que se realiza o Encontro Nacional de Agroecologia (ENA) combina a esperança de mudanças com a revolta pela permanência da injustiça contra os produtores familiares e da violência contra os que lutam pelos seus direitos. O recente assassinato dos companheiros líderes sindicais, Bartolomeu Morais da Silva, conhecido como "Brasília", e Ivo de Castro Machado, leva-nos a reafirmar o direito supremo de todo ser humano de lutar por seus direitos, a começar pelo direito à vida. Nós, 1100 cidadãos e cidadãs, produtores e produtoras familiares, membros e representantes de entidades sindicais, associações e movimentos sociais (agricultores, criadores, pescadores, extrativistas, quilombolas e indígenas); profissionais de organizações governamentais e não-governamentais (pesquisadores, extensionistas, professores) e estudantes, portadores de experiências agroecológicas que estão sendo desenvolvidas em todas as regiões do País, reunidos no Encontro Nacional de Agroecologia, afirmamos: - que o desenvolvimento rural sustentável só será possível se baseado na justiça social, na distribuição dos recursos produtivos e no uso de tecnologias que ao mesmo tempo conservem o meio ambiente e garantam níveis de produção adequados; - que somente uma numerosa e dinâmica produção familiar pode garantir um desenvolvimento rural sustentável que gere novos empregos e fontes de renda para homens e mulheres do campo; - que a agroecologia é a abordagem de gestão produtiva dos recursos naturais mais apropriada para o alcance da sustentabilidade da produção familiar; - que a produção agroecológica familiar é economicamente viável, ambientalmente saudável, culturalmente apropriada e socialmente justa; - que a igualdade das relações entre homens e mulheres é uma condição essencial para o alcance da sustentabilidade da produção agroecológica familiar; - que o padrão vigente de apropriação da terra baseado no latifúndio e na grande empresa rural deve desaparecer. Ele provoca a exclusão social e a degradação do meio ambiente, através da motomecanização intensiva e do uso de produtos tóxicos, substituindo a diversidade da natureza e da produção familiar por imensas áreas de monocultura; - que o Estado em todos os níveis deve reverter as políticas que privilegiam este modelo dominante e a elite rural em favor de políticas que garantam a transição para um modelo de desenvolvimento rural sustentável baseado na produção familiar agroecológica. O papel do Estado deve ser o de favorecer a participação dos produtores e produtoras familiares, por intermédio de suas organizações, na formulação e execução de políticas de desenvolvimento rural agroecológico e não o de executá-las de cima para baixo; - que os produtores e produtoras familiares detêm conhecimentos inestimáveis sobre os recursos naturais e o meio ambiente e, quando integrados a processos de diálogo com o meio científico, têm potencializado sua capacidade criativa na inovação agroecológica; - que a sociedade começa a perceber as vantagens do consumo de alimentos agroecológicos e a valorizar a produção de origem familiar; - que a produção familiar agroecológica não se destina a um nicho de consumidores ricos; ela pode, com políticas públicas adequadas, alimentar toda a população brasileira e produzir excedentes exportáveis; - que os produtores e produtoras familiares socialmente organizados e com apoio adequado são capazes de assumir a promoção do desenvolvimento rural e de formular políticas que o favoreçam. RESGATE DA DÍVIDA SOCIAL NO CAMPO O processo de transição da grande produção patronal baseada em insumos químicos para uma produção familiar baseada na agroecologia será mais ou menos longo, dependendo do dinamismo dos movimentos sociais e das políticas públicas adotadas. Entretanto, o resgate da dívida social do Estado para com a produção familiar deve ser implementada imediatamente e de forma abrangente. O Estado deve garantir políticas habitacionais, de acesso a água potável, de saneamento básico, de eletrificação, de educação, comunicação, transporte, saúde e lazer para todas as famílias rurais. ACESSO AOS RECURSOS NATURAIS Para que o processo de transição agroecológica se efetive torna-se necessário superar um dos principais obstáculos estruturais que inviabilizam a consolidação do desenvolvimento rural sustentável baseado na produção familiar: a desigualdade do acesso aos recursos naturais. TERRA O latifúndio no Brasil e os grandes projetos de mineração, hidrelétricas, hidrovias e outros continuam gerando violência, matando e expulsando trabalhadores, desestruturando comunidades e destruindo a natureza. Continua vigente a necessidade de uma profunda re-estruturação fundiária que leve em conta: - as realidades sócio-ambientais e a capacidade de suporte dos ecossistemas; - respeito às formas tradicionais de apropriação e uso dos recursos naturais; - as relações sociais de gênero para garantir a equidade do direito à terra; - a articulação entre as políticas fundiárias e de gestão ambiental. Por isso, em nossa proposta de Reforma Agrária: - reafirmamos nosso apoio ativo à Campanha pelo Limite do Tamanho da Propriedade da Terra (35 módulos fiscais), desenvolvida pelas entidades do Fórum pela Reforma Agrária e Justiça no Campo; - defendemos a desapropriação como instrumento insubstituível de justiça agrária e a necessidade de regulamentação do pré-requisito do uso racional dos recursos naturais para o cumprimento da função social da propriedade; - reafirmamos a nossa posição contra a chamada reforma agrária de mercado, representada pelo Banco da Terra, que exclui os trabalhadores, sobretudo as mulheres, do acesso à terra; - defendemos que o valor do passivo ambiental seja descontado do valor da desapropriação, constituindo um fundo sócio-ambiental destinado aos assentamentos da Reforma Agrária para ações de recuperação ambiental e projetos agroecológicos; - renovamos nossa defesa da regionalização das propostas de política de Reforma Agrária, respeitando as formas de apropriação e uso dos recursos que combinam a exploração familiar com áreas de uso comum, como no caso dos geraizeiros no Cerrado e dos extrativistas na Amazônia; - reiteramos a proposta de imediato reconhecimento das terras das comunidades quilombolas e reservas extrativistas; da demarcação e proteção das terras indígenas e unidades de conservação; da implantação de sistemas sustentáveis de assentamentos. ÁGUA Diretamente relacionada à problemática do acesso à terra está a questão da gestão social dos recursos hídricos. Considerando a natureza diversificada das necessidades e das formas de uso da água pela produção familiar, as políticas oficiais de recursos hídricos e as legislações reguladoras específicas têm se mostrado poderosos obstáculos estruturais à consolidação da proposta agroecológica. As políticas se fundamentam na oferta centralizada de água através de grandes barragens e adutoras, beneficiando quase que exclusivamente os grandes proprietários de terra e gerando degradação ambiental e exclusão social. As legislações, por sua vez, apontam para a crescente mercantilização da água, negando o livre acesso a ela como tradicional e inviolável direito dos produtores e produtoras familiares. - Bem sucedidas experiências em curso em diferentes biomas brasileiros têm apontado para a necessidade de implementação de políticas públicas que favoreçam a disseminação das diversificadas propostas de uso e manejo dos recursos hídricos ajustadas às especificidades socioambientais locais. - A implementação dessas propostas deve se dar mediante processos decisórios locais que envolvam efetiva participação das famílias produtoras considerando, inclusive, a fundamental relevância da incorporação do enfoque de gênero às orientações das políticas relacionadas ao acesso eqüitativo à água. RECURSOS GENÉTICOS Também na problemática do uso e do manejo da biodiversidade, as políticas públicas e legislações vigentes têm demonstrado serem fortes obstáculos à sustentabilidade da produção familiar. Ao induzir à especialização produtiva e ao progressivo desaparecimento de variedades e raças locais, os pacotes técnicos disseminados fragilizam o equilíbrio ecológico dos sistemas produtivos, gerando um círculo vicioso no qual a degradação ambiental leva à crescente intensificação do uso de agroquímicos e vice-e-versa. - Cobramos a aprovação de uma Lei de Recursos Genéticos compatível com os interesses da produção familiar e com a agroecologia. - Afirmamos nossa oposição ao patenteamento de seres vivos e cobramos a reformulação da atual Lei de Patentes. - Reafirmamos que as sementes são um patrimônio da Humanidade. - Cobramos a reformulação da atual Lei de Sementes, feita contra os interesses da produção familiar e a favor das grandes multinacionais agroindustriais e do capital financeiro.
https://www.alainet.org/es/node/106295
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