Deficientes físicos? po.d.e.?

20/05/2001
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A Organização Mundial de Saúde dedica sua campanha deste ano aos portadores de deficiências mentais, de modo que não sofram exclusões. O projeto de lei que põe fim aos manicômios brasileiros, apresentado no Congresso Nacional pelo deputado Paulo Delgado (PT-MG), é um avanço importante, tanto no sentido de fechar as portas dessas fábricas de loucos que enriquecem seus donos (e não melhoram seus pacientes), quanto no de educar famílias e sociedade para saber lidar com quem sofre de distúrbios mentais. Participei, em janeiro, da oficina promovida por entidades de deficientes físicos no Fórum Social Mundial, em Porto Alegre. A Onedef (Organização Nacional de Entidades de Deficientes Físicos) congrega 72 filiadas e tem assento em vários conselhos nacionais, entre os quais o Conselho Nacional de Saúde. À entrada da oficina, distribuiu-se um folheto "politicamente correto", ensinando que não se deve referir-se a uma pessoa marcada por deficiência física como "aleijada", nem chamar de "louco" o deficiente mental. Aliás, não se usa mais chamá-los de "deficientes". O correto, dizia o folheto, é "portadores ou pessoas portadoras de deficiências físicas ou mentais". Manifestei a minha discordância. O substantivo "deficiência" encerra o significado de falha ou imperfeição, bem como o adjetivo "deficiente". Atento ao peso das palavras, apontei a deficiência do termo e, sobretudo, sua impropriedade para a auto-estima dos que assim são qualificados. É preciso deslocar a designação da dimensão individual para o direito social. Por que definir uma pessoa por aquilo que lhe falta? Quem não é deficiente físico? Todos nós, desde quem traz um desvio no septo nasal a quem perdeu um dente de siso, exceto a bailarina da música de Chico Buarque, que não tem remela nem dente cariado como todo mundo. Portador de óculos, sou um deficiente visual, mas ninguém assim me qualifica. Minha proposta é que pessoas portadoras de deficiências sejam tratadas como Portadoras de Direitos Especiais (PODE). A sigla exprime capacidade. Apesar de suas restrições físicas e mentais, elas podem exercer múltiplas atividades e, como todos, aprimorar seus talentos. O que as caracteriza como grupo social é serem cidadãos portadores de direitos especiais. Lula perdeu, em acidente de trabalho, o dedo mindinho da mão esquerda. Ninguém o trata como portador de deficiência física, nem ele necessita de direitos especiais. Porém, uma pessoa que se move em cadeira de rodas, apóia-se em muletas ou padece de limitação auditiva ou visual, merece ­ além dos direitos universais - direitos especiais, como rampas, elevadores, toalete ampliada, veículos adaptados, pedagogia especializada etc. Na medida em que forem conhecidas como Portadoras de Direitos Especiais, o poder público terá a obrigação de assegurá-los. Apesar de avanços significativos nas últimas décadas, nossas cidades carecem de equipamentos sociais adequados a essas pessoas. Tente entrar num banco em cadeira de rodas. Ou atravessar a faixa de pedestre apoiado em muletas. Como subir ou descer dos ônibus ou as escadas do fórum? A exigência de direitos especiais é, hoje, pauta prioritária quando se trata de cidadania. Na oficina de Porto Alegre propôs-se que os portadores de direitos especiais façam mobilizações para pressionar o poder público, como enfileirar cadeiras de rodas ao pé da escadaria de um prédio ou mandar quebrar calçamentos para improvisar rampas. Por que os fiscais de trânsito fazem vista grossa aos carros estacionados em local reservados a quem tem direito especial? Lidar com essas pessoas exige, de nossa parte, muito amor. Amor, na relação pessoal, e direitos especiais, na relação social, como forma de se evitar a exclusão e, em muitos casos, favorecer a recuperação. Sei de horrores e encantos. A rica família de um médico construiu, bem distante de sua cidade, uma clínica para internar, como morto-vivo, o filho afetado por distúrbios mentais, a quem visita rarissimamente. A editora Lato Senso (São Paulo, 2001) acaba de publicar "Um testemunho de mãe", comovente relato de Benilde Justo Caniato, mãe de quatro filhos, três com paralisia cerebral e atrofia progressiva do cerebelo. Seu testemunho é um hino à grandeza do ser humano e uma lição de como agir em situações semelhantes. Sei do que falo, pois meu irmão caçula, por força de um acidente de moto, padece de lesão no cérebro. O amor da família, entretanto, faz dele um homem feliz.
https://www.alainet.org/es/node/105162
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