As eleições e a economia
08/10/2014
- Opinión
O resultado do primeiro turno das eleições presidenciais apresentou algumas surpresas e muitas inquietações. Talvez o fenômeno mais surpreendente tenha sido a ascensão e queda da candidatura de Marina Silva. Aproveitando-se do vácuo político que se seguiu ao trágico acidente e morte de Eduardo Campos, a líder da Rede foi transformada em uma alternativa de poder de forma prematura pela grande imprensa. Assim, subiu vários pontos nas pesquisas em poucas semanas e chegou mesmo a se aventar a hipótese de que venceria Dilma no segundo turno. No entanto, da mesma forma como cresceu, sua candidatura foi recuando rapidamente, a ponto de terminar apenas em terceiro lugar em 5 de outubro.
Ocorre que o cenário que se colocava entre os representantes dos candidatos mais bem colocados oferecia muito pouca diferença, em especial no que se refere à essência da política econômica a ser implementada para o período 2015 a 2018. Por mais que Dilma tente se apresentar como a herdeira do movimento de mudanças que o Brasil experimentou desde a chegada de Lula ao poder em 2003, o fato é que as propostas de economia ainda são muito marcadas pela tradição conservadora e ortodoxa.
Marina e Aécio não esconderam, em nenhum momento, suas opções pela assessoria marcadamente tucana, com sugestões explicitamente vinculadas ao financismo. Assim, vinham as ideias de consolidar em lei a “autonomia-quase-independência” do Banco Central ou as propostas de engessar na legislação a opção de destinar recursos para o superávit primário. Os porta-vozes de tais candidaturas do campo do conservadorismo não tinham papas na língua para recomendar a volta ao passado.
Porém, é forçoso reconhecer que as propostas de Dilma tampouco oferecem alguma mudança em termos de abraçar o caminho do desenvolvimentismo como alternativa de política econômica. Apesar de não existir um programa definido para os assuntos de economia, percebe-se uma tendência a querer agradar aos interesses do financismo e do chamado “mercado”.
As notícias e os discursos proferidos pela candidata-presidenta deixam transparecer os compromissos em manter a lógica do tripé da política econômica, com foco na geração de superávit primário para pagamento de juros e serviços da dívida pública. Postulantes aos cargos de primeiro escalão na economia do campo dilmista já avançam propostas de contenção de gastos na área social, a exemplo das despesas na previdência ou mudanças nas regras do salário mínimo.
Essas são as inquietações para o segundo turno. Uma espécie de consenso criado em torno de uma suposta “inevitabilidade” de adoção de medidas de natureza contencionista e redutora de direitos dos trabalhadores e demais setores populares. Afinal, poucos se atrevem a sugerir que o ônus das medidas de arrocho recaia sobre os lucros dos bancos, sobre os ganhos do agronegócio ou sobre as remessas de lucros das multinacionais para o exterior. Os interesses do capital seguem intocáveis.
Abraçada ao discurso de manutenção das conquistas no campo da recuperação dos rendimentos das camadas mais desfavorecidas da população, Dilma faz o discurso do medo contra a possibilidade de retrocesso. Aliás, que ninguém duvide dessa hipótese, muito real caso os tucanos voltem ao poder. Porém, as necessidades que se colocam para que o país avance de fato rumo a um modelo de desenvolvimento inclusivo e nacional são muito maiores do que o rame-rame do controle da inflação por meio da manutenção da taxa Selic em níveis estratosféricos ou a acomodação da política econômica com uma taxa de câmbio sobrevalorizada. Esse tem sido o caminho que nos levou à desindustrialização e à recessão da atividade econômica.
Os desafios que se colocam para o debate do segundo turno e para a gestão da economia em um segundo mandato de Dilma não podem ficar circunscritos aos limites impostos pelo financismo. O momento é de consolidar, sim, as conquistas obtidas ao longo desses últimos 12 anos. Porém, o caminho deve ser o de um governo efetivamente comprometido com a perspectiva e as causas do movimento popular.
- Paulo Kliass é doutor em economia pela Universidade de Paris 10 (Nanterre) e integrante da carreira de especialista em políticas públicas e gestão governamental, do governo federal.
08/10/2014
https://www.alainet.org/es/node/104069
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