A armadilha de Tucídides e a inevitabilidade da guerra dos EUA contra a China
Na atual quadra de desenvolvimento do mundo e das relações internacionais entre as potências, a China enfatiza a paz e a harmonia e busca um mundo multilateral.
- Análisis
Sempre que ministro palestras, cursos, conferências, e mesmo as aulas na universidade que lecionei por mais de duas décadas, os alunos constantemente perguntavam sobre a possibilidade da eclosão de uma nova guerra mundial, seja lá entre quais países. Com a ascensão da China como grande potência econômica e militar, e a consequente tendência de perda da hegemonia dos EUA, na linha de um mundo multipolar, o que mais se fala é sobre uma guerra direta entre esses dois países. Sobre esse tema é que discorremos neste novo artigo.
Introdução
Um dos cientistas políticos mais conceituados dos EUA, Graham Allison, de Harvard, publicou em 2015 um polêmico artigo, cuja tradução livre do título é mais ou menos A armadilha de Tucídides: os EUA e a China estão indo para a guerra? (1). Não por menos, o tema foi polêmico à época, pois o autor faz uma espécie de previsão sobre a inevitabilidade de uma guerra entre esses dois países. Nesses cinco anos que nos separam dessa publicação, a China cresceu muito mais, econômica e militarmente, que os EUA. Apenas para registro, este artigo foi escrito quando da primeira visita de Estado de Xi Jinping aos EUA na gestão de Barack Obama.
Posteriormente a isso, em 2017, o autor decide lançar um livro com um título semelhante, ainda não disponível em português, do qual a tradução livre é Destinados para a Guerra: podem os EUA e a China escapar da armadilha de Tucídides? Recebi da Amazon essa obra, e a "devorei" rapidamente.
Minha ideia neste trabalho segue o seguinte roteiro, no qual pretendo mencionar: 1. quem é e o que faz o autor; 2. quem foi Tucídides e o significado de seu pensamento; 3. a base dos estudos que o autor faz para “demonstrar” a sua teoria; e 4. conclusões com perspectivas. (2)
Graham Tillett Allison Jr.
Natural de Charlotte, Carolina do Norte, Allison completou, em 23 de março de 2020, 80 anos. Formou-se em Ciência Política na Universidade de Harvard em 1962. Seu pensamento tem influenciado muitos governos dos Estados Unidos, sejam eles democratas ou republicanos. Seu livro sobre política externa e coalização organizacional, escrito em parceria com Peter Szanton, lançado em 1976, acabou por influenciar o governo democrata de Jimmy Carter.
A partir desse momento, Allison acabou se tornando consultor para a área de segurança nacional dos governos Reagan (Republicano), Clinton e Obama (Democratas). Dirigiu o Centro Belfer de Ciência e Assuntos Internacionais da Harvard Kennedy School, local em que realizou a extensa pesquisa que pretendo aqui resumir, entre os anos de 1995 e 2017, onde exercia a função de reitor.
Allison também foi membro do Centro de Estudos Avançados (1973-1974), bem como consultor da Rand Corporation, a maior consultoria de análises de risco do mundo, de onde saiu o famoso e polêmico sociólogo Francis Fukuyama (autor de O fim da história e O último homem). Foi ainda membro do Conselho de Relações Exteriores e membro visitante do Comitê sobre Estudos de Política Externa na Brookings Institution (entre 1972 e 1977) (3).
É preciso registrar que houve grande polêmica em relação à publicação tanto do artigo em 2015, quanto do livro em 2017; período esse em que Donald Trump teve encontros com o líder da República Popular da China, Xi Jin Ping. Muitos artigos nos grandes jornais estadunidenses levantaram críticas ao autor.
Isso me lembra o famoso artigo Clash of civilization, publicado na conceituada revista Foreing Affair, em 1995 (li no original e fiz um extenso trabalho sobre ele no mesmo ano), de autoria de Samuel P. Huntington. Posteriormente, ele publicou um livro de mesmo nome. À época, esse foi um tema muito polêmico (eu mesmo discordei de sua análise, segundo a qual a humanidade no futuro seria dividida pela existência de conflitos originados muito mais na cultura e nas religiões do que nas lutas de classes, na economia e hegemonia política).
De qualquer forma, foi com base no que li e na fundamentação teórica fundamentada em extensa pesquisa histórica que decidi abordar esse tema neste artigo.
Tucídides e sua teoria
Poucas pessoas entre nós, que estudamos mais a fundo política, história e filosofia, já ouviu falar de Tucídides. Nesse sentido, é importante que o conheçamos para seguirmos adiante com este trabalho. A data em que ele nasceu na Cidade-Estado de Atenas, na Grécia antiga, provavelmente tenha sido 460 a.C., tendo vivido por 60 anos, falecendo em 400 a.C. (Portanto, é anterior a Sócrates, que nasceu um ano após sua morte).
Tucídides foi um historiador greco-ateniense. Ele é autor da obra que talvez seja a maior da história da Grécia antiga: a chamada História da guerra do Peloponeso (4) em oito volumes. Importantes historiadores a consideram a primeira obra verdadeiramente de história, procurando relatar um fato histórico com equilíbrio e atento aos fatos.
Essa obra trata de guerras entre duas ligas (alianças) militares que existiam nesse período na Grécia. Uma delas, a Liga de Delos, era formada pelas Cidades-Estados que tinham como objetivo defenderem-se de ataques do império Persa e era liderada por Atenas. Em foi criada na época das chamadas Guerras Médicas (vem de Medos), ocorridas entre 499 a.C. e 449 a.C. A outra, a Liga do Peloponeso, era liderada por Esparta - a potência hegemônica da época -, que tinha aliança com várias outras cidades e as protegia.
Como um observador atento da realidade das Cidades-Estado que existiam na Grécia antiga, Tucídides escreveu a seguinte frase (do original de uma tradução para o inglês): It was the rise of Athens the fear this instilled in Sparta that made war inevitable (em uma tradução livre, “foi a ascensão de Atenas, e o medo que isso inspirou em Esparta, que tornou a guerra inevitável”) (5).
O que nosso historiador quis dizer com essa frase emblemática? Ora, a hegemonia militar espartana estava sendo ameaçada com a ascensão de uma nova potência regional que lhe poderia fazer frente, com a consequente perda da hegemonia. Ou seja, o historiador acaba prevendo de certa forma a guerra que entraria para a história como Guerra do Peloponeso.